quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Frases de Honoré de Balzac

Frases de Honoré de BalzacVeja também Pensamentos de Honoré de Balzac
A infelicidade tem isto de bom: faz-nos conhecer os verdadeiros amigos.( Frases e Pensamentos de Honoré de Balzac)
Oito dias com febre! Poderia ter escrito mais um livro.( Frases e Pensamentos de Honoré de Balzac)
A duração da paixão é proporcional à resistência original da mulher.( Frases e Pensamentos de Honoré de Balzac)
A administração é a arte de aplicar as leis sem lesar os interesses ( HONORÉ DE BALZAC )
A alegria só pode brotar de entre as pessoas que se sentem iguais ( HONORÉ DE BALZAC )
A chave de todas as ciências é inegavelmente o ponto de interrogação ( HONORÉ DE BALZAC )
A dor enobrece as pessoas mais vulgares, porque ela tem a sua grandeza, e, para receber o seu brilho, basta ser verdadeira ( HONORÉ DE BALZAC )
A dor é como uma dessas varetas de ferro que os escultores enfiam no meio do barro, ela sustém, é uma força! ( HONORÉ DE BALZAC )
A educação pública nunca resolve o difícil problema do desenvolvimento simultâneo do corpo e da inteligência ( HONORÉ DE BALZAC )
A estupidez tem duas maneiras de ser: ou se cala ou fala. A estupidez muda é suportável. ( HONORÉ DE BALZAC )
A glória é um veneno que se deve tomar em pequenas doses ( HONORÉ DE BALZAC )
A necessidade é com frequência a espora do génio ( HONORÉ DE BALZAC )
A verdade literária nunca poderá ser a verdade da natureza ( HONORÉ DE BALZAC )
A vontade pode e deve ser um motivo de orgulho superior ao talento ( HONORÉ DE BALZAC )
Apenas um homem de génio ou um intriguista se atrevem a dizer: «Fiz mal». O interesse e o talento são os únicos conselheiros conscenciosos e lúcidos ( HONORÉ DE BALZAC )
As pessoas importantes fazem sempre mal em se divertir à custa dos inferiores. A troça é um jogo, e o jogo pressupõe a igualdade ( HONORÉ DE BALZAC )
As tias, as mães e as irmãs têm uma jurisprudência particular com os seus sobrinhos, os seus filhos e os seus irmãos ( HONORÉ DE BALZAC )
Censuram-se severamente defeitos à virtude, ao passo que se não poupa indulgência para as qualidades do vício ( HONORÉ DE BALZAC )
Considero a família e não o indivíduo como o verdadeiro elemento social (arriscando-me a ser julgado como espírito retrógrado) ( HONORÉ DE BALZAC )
Deus é o poeta, os homens são apenas os actores ( HONORÉ DE BALZAC )
Esse privilégio de sentir-se em casa em qualquer lugar pertence apenas aos reis, às prostitutas e aos ladrões ( HONORÉ DE BALZAC )
Estamos habituados a julgar os outros por nós próprios, e se os absolvemos complacentemente dos nossos defeitos, condenamo-los com severidade por não terem as nossas qualidades ( HONORÉ DE BALZAC )
Frequentemente tive a ocasião de observar que quando a beneficência não prejudica o benfeitor, mata o beneficiado ( HONORÉ DE BALZAC )
Instruída, a virtude calcula tão bem como o vício ( HONORÉ DE BALZAC )
Muitos homens têm um orgulho que os leva a ocultar os seus combates e apenas a mostrarem-se vitoriosos ( HONORÉ DE BALZAC )
Na vida de um homem não há dois momentos de prazer parecidos, tal como não há duas folhas na mesma árvore exactamente iguais ( HONORÉ DE BALZAC )
Nas grandes crises, o coração parte-se ou endurece ( HONORÉ DE BALZAC )
Ninguém ousa dizer adeus aos seus próprios hábitos. Muitos suicidas detiveram-se no limiar da morte ao pensar no café onde vão todas as noites jogar a sua partida de dominó ( HONORÉ DE BALZAC )
Nunca a polícia terá espiões comparáveis aos que se colocam ao serviço do ódio ( HONORÉ DE BALZAC )
Nunca comeces o casamento por uma violação ( HONORÉ DE BALZAC )
Não haverá, entre um espírito que abarrota de invenções alheias e outro que inventa por si próprio, a mesma diferença que vai de um recipiente que se enche de água à fonte que a fornece ? ( HONORÉ DE BALZAC )
Não há dor que o sono não possa vencer ( HONORÉ DE BALZAC )
O acaso é o maior romancista do mundo; para se ser fecundo, basta estudá-lo ( HONORÉ DE BALZAC )
O amor é a poesia dos sentidos. Ou é sublime, ou não existe. Quando existe, existe para sempre e vai crescendo dia a dia ( HONORÉ DE BALZAC )
O amor é a única paixão que não admite nem passado nem futuro ( HONORÉ DE BALZAC )
O casamento deve combater incessantemente um monstro que devora tudo: o hábito ( HONORÉ DE BALZAC )
O ciúme é a única paixão que os homens perdoam ao belo sexo, porque os lisonjeia ( HONORÉ DE BALZAC )
O coração das mães é um abismo no fundo do qual se encontra sempre um perdão ( HONORÉ DE BALZAC )
O dinheiro só é poder quando existente em quantidades desproporcionadas ( HONORÉ DE BALZAC )
O homem morre a primeira vez quando perde o entusiasmo ( HONORÉ DE BALZAC )
O homem não é bom nem mau, nasce com instintos e aptidões ( HONORÉ DE BALZAC )
O interesse e o talento são os únicos conselheiros conscientes e lúcidos ( HONORÉ DE BALZAC )
O mal do nosso tempo é a superioridade. Há mais santos do que nichos ( HONORÉ DE BALZAC )
O poder deixa-nos tal como somos e apenas engrandece os grandes ( HONORÉ DE BALZAC )
O remorso é uma impotência, ele voltará a cometer o mesmo pecado. Apenas o arrependimento é uma força que põe termo a tudo ( HONORÉ DE BALZAC )
O sentimento que o homem suporta com mais dificuldade é a piedade, principalmente quando a merece. O ódio é um tónico, faz viver, inspira vingança; mas a piedade mata, enfraquece ainda mais a nossa fraqueza ( HONORÉ DE BALZAC )
O tempo é o único capital das pessoas que têm como fortuna apenas a sua inteligência ( HONORÉ DE BALZAC )
O verdadeiro amor, como se sabe, é impiedoso ( HONORÉ DE BALZAC )
O ódio sem desejo de vingança é um grão caído sobre o granito ( HONORÉ DE BALZAC )
O ódio, tal como o amor, alimenta-se com as menores coisas, tudo lhe cai bem. Assim como a pessoa amada não pode fazer nenhum mal, a pessoa odiada não pode fazer nenhum bem ( HONORÉ DE BALZAC )
Os homens estimam-vos conforme a vossa utilidade, sem terem em conta o vosso valor ( HONORÉ DE BALZAC )
Os negócios não assentam nos sentimentos ( HONORÉ DE BALZAC )
Os pais devem dar sempre para serem felizes. Dar sempre é o que faz que sejamos pais ( HONORÉ DE BALZAC )
Os pintores só devem meditar com os pincéis na mão ( HONORÉ DE BALZAC )
Os pintores só devem pintar com os pincéis na mão ( HONORÉ DE BALZAC )
Os ricos pretendem não se admirar com nada, e reconhecem, à primeira vista, numa obra bela o defeito que os dispensará da admiração, um sentimento vulgar ( HONORÉ DE BALZAC )
Para não corar diante da sua vítima, o homem, que começou por feri-la, mata-a ( HONORÉ DE BALZAC )
Pode-se perdoar, mas esquecer, isso, é impossível ( HONORÉ DE BALZAC )
Por detrás de uma grande fortuna há um crime ( HONORÉ DE BALZAC )
Seja no que for, apenas poderemos ser julgados pelos nossos pares ( HONORÉ DE BALZAC )
Talvez o amor seja apenas o reconhecimento do prazer ( HONORÉ DE BALZAC )
Um marido, como um governo, nunca deve confessar os seus erros ( HONORÉ DE BALZAC )
É mais fácil ser-se amante que marido, pela simples razão de que é mais difícil ter espírito todos os dias do que dizer coisas bonitas de quando em quando ( HONORÉ DE BALZAC )
É tão absurdo dizer que um homem não pode amar a mesma mulher toda a vida, quanto dizer que um violinista precisa de diversos violinos para tocar a mesma música ( HONORÉ DE BALZAC )
É tão natural destruir o que não se pode possuir, negar o que não se compreende, insultar o que se inveja ( HONORÉ DE BALZAC )
A admiração é sempre um cansaço para a espécie humana ( HONORÉ DE BALZAC )
O bom marido nunca deve ser o primeiro a adormecer à noite, nem o último a acordar pela manhã ( HONORÉ DE BALZAC )
O pensamento, único tesouro que Deus põe fora do alcance de todo o poder e guarda como um elo secreto entre os infelizes e Ele próprio ( HONORÉ DE BALZAC )
Os superiores nunca perdoam aos inferiores que ostentam a aparência da sua grandeza ( HONORÉ DE BALZAC )
Todo aquele que contribui com uma pedra para a edificação das ideias, todo aquele que denuncia um abuso, todo aquele que marca os maus, para que não abusem, esse passa sempre por ser imoral ( HONORÉ DE BALZAC )
Pensamentos de Honoré de Balzac
A Compaixão Mata ( Honoré de Balzac )O sentimento que o homem mais dificilmente suporta é a compaixão, sobretudo
quando a merece. O ódio é um sentimento tónico, faz viver, inspira a vingança;
mas a compaixão mata, enfraquece ainda mais a nossa fraqueza.
O Crime da Palavra (Honoré de Balzac )Nenhum código, nenhuma instituição humana pode prevenir o crime moral que
mata com uma palavra. Nisso consta a falha das justiças sociais; aí está a
diferença que há entre os costumes da sociedade e os do povo; um é franco, outro
é hipócrita; a um, a faca, à outra, o veneno da linguagem ou das ideias; a um a
morte, à outra a impunidade.
Imoralidade Fatal ( Honoré de Balzac )A acusação de imoralidade, que nunca faltou ao escritor corajoso, é aliás
a última que resta a fazer quando não se tem mais nada a dizer a um poeta.
Se fordes verdadeiro em vossas pinturas; se, à força de trabalhos diurnos e
nocturnos, conseguirdes escrever a língua mais difícil do mundo, atiram-se-vos
a palavra imoral ao rosto. Sócrates foi imoral, Jesus Cristo foi imoral; ambos
foram perseguidos em nome das sociedades que derrubavam ou reformavam. Quando
se quer matar alguém, acusam-no de imoralidade.
Sentimentos e Interesses ( Honoré deBalzac )Jamais os moralistas conseguirão fazer compreender toda a influência que os
sentimentos exercem sobre os interesses. Essa influência é tão poderosa como a
dos interesses sobre os sentimentos. Todas as leis da natureza têm um duplo efeito,
em sentido inverso um do outro.
Lugares e Estados de Alma ( Honoré de Balzac )A influência exercida sobre a nossa alma, pelos diferentes lugares, é uma coisa
digna de observação. Se a melancolia nos conquista infalivelmente quando estamos à
beira das águas, uma outra lei da nossa natureza impressionante faz com que, nas
montanhas, os nossos sentimentos se purifiquem: ali a paixão ganha em profundidade
o que parece perder em vivacidade.

Bibliografia cronológica de Honoré de Balzac

Biobliografia cronológica de Honoré de Balzac:
1799 – 20 de maio: nasce em Tours, no interior da França, Honoré Balzac, segundo filho de Bernard-François Balzac (antes, Balssa) e Anne-Charlotte-Laure Sallambier (outros filhos seguirão: Laure, 1800, Laurence, 1802, e Henri-François, 1807).
1807 – Aluno interno no Colégio dos Oratorianos, em Vendôme, onde ficará seis anos.
1813-1816 – Estudos primários e secundários em Paris e Tours.
1816 – Começa a trabalhar como auxiliar de tabelião e matricula-se na Faculdade de Direito.
1819 – É reprovado num dos exames de bacharel. Decide tornar-se escritor. Nessa época, é muito influenciado pelo escritor escocês Walter Scott (1771-1832).
1822 – Publicação dos cinco primeiros romances de Balzac, sob os pseudônimos de lorde R’Hoone e Horace de Saint-Aubin. Início da relação com madame de Berny (1777-1836).
1823 – Colaboração jornalística com vários jornais, o que dura até 1833.
1825 – Lança-se como editor. Torna-se amante da duquesa d’Abrantès (1784-1838).
1826 – Por meio de empréstimos, compra uma gráfica.
1827 – Conhece o escritor Victor Hugo. Entra como sócio em uma fundição de tipos gráficos.
1828 – Vende sua parte na gráfica e na fundição.
1829 – Publicação do primeiro texto assinado com seu nome, Le Dernier Chouan ou La Bretagne en 1800 (pos­teriormente Os Chouans), de “Honoré Balzac”, e de A fisiologia do casamento, de autoria de “um jovem solteiro”.
1830 – La Modepublica El Verdugo, de “H. de Balzac”. Demais obras em periódicos: Estudo de mulher, O elixir da longa vida, Sarrasine etc. Em livro: Cenas da vida privada, com contos.
1831 – A pele de onagro e Contos filosóficos o consagramcomo romancista da moda. Início do relacionamento com a marquesa de Castries (1796-1861). Os proscritos, A obra-prima desconhecida, Mestre Cornélius etc.
1832 – Recebe uma carta assinada por “A Estrangeira”, na verdade Ève Hanska. Em periódicos: Madame Firmiani, A mulher abandonada. Em livro: Contos jocosos.
1833 – Ligação secreta com Maria du Fresnay (1809-1892). Encontra madame Hanska pela primeira vez. Em periódicos: Ferragus, início de A duquesa de Langeais, Teoria do caminhar, O médico de campanha. Em livro: Louis Lambert. Publicação dos primeiros volumes (Eugénie Grandet e O ilustre Gaudissart) de Études des moeurs au XIXème siècle, que é dividido em “Cenas da vida privada”, “Cenas da vida de pro­víncia”, “Cenas da vida parisiense”: a pedra fundamental da futura A comédia humana.
1834 – Consciente da unidade da sua obra, pensa em divi­­di-la em três partes: Estudos de costumes, Estudos filosóficos e Estu­dos analíticos. Passa a utilizar sistematicamente os mesmos personagens em vários romances. Em livro: História dos treze (menos o final de A menina dos olhos de ouro), A busca do absoluto, A mulher de trinta anos; primeiro volume de Estudos filosóficos.
1835 – Encontra madame Hanska em Viena. Folhetim: O pai Goriot, O lírio do vale (início). Em livro: O pai Goriot, quarto volume de Cenas da vida parisiense (com o final de A menina dos olhos de ouro). Compra o jornal La Chronique de Paris.
1836 – Inicia um relacionamento amoroso com “Louise”, cuja identidade é desconhecida. Publica, em seu próprio jornal, A missa do ateu, A interdição etc. La Chronique de Paris entra em falência. Pela primeira vez na França um romance (A solteirona, de Balzac) é publicado em folhetins diários, no La presse. Em livro: O lírio do vale.
1837 – Últimos volumes de Études des moeurs au XIXème siècle (contendo o início de As ilusões perdidas), Estudos filo­sóficos, Facino Cane, César Birotteau etc.
1838 – Morre a duquesa de Abrantès. Folhetim: O gabinete das antigüidades. Em livro: A casa de Nucingen, início de Esplendor e miséria das cortesãs.
1839 – Retira candidatura à Academia em favor de Victor Hugo, que não é eleito. Em folhetim: Uma filha de Eva, O cura da aldeia, Beatriz etc. Em livro: Tratado dos excitantes modernos.
1840 – Completa-se a publicação de Estudos filosóficos, com Os proscritos, Massimilla Doni e Seráfita. Encontra o nome A comédia humana para sua obra.
1841 – Acordo com os editores Furne, Hetzel, Dubochet e Paulin para publicação de suas obras completas sob o título A comédia humana (17 tomos, publicados de 1842 a 1848, mais um póstumo, em 1855). Em folhetim: Um caso tenebroso, Ursule Mirouët, Memórias de duas jovens esposas, A falsa aman­te.
1842 – Folhetim: Albert Savarus, Uma estréia na vida etc. Saem os primeiros volumes de A comédia humana, com textos inteiramente revistos.
1843 – Encontra madame Hanska em São Petersburgo. Em folhetim: Honorine e a parte final de Ilusões perdidas.
1844 – Folhetim: Modeste Mignon, Os camponeses etc. Faz um Catálogo das obras que conterá A comédia humana (ao ser publicado, em 1845, prevê 137 obras, das quais cinqüenta por fazer).
1845 – Viaja com madame Hanska pela Europa. Em folhetim: a segunda parte de Pequenas misérias da vida conjugal, O homem de negócios. Em livro: Outro estudo de mulher etc.
1846 – Em folhetim: terceira parte de Esplendor e miséria das cortesãs, A prima Bette. O editor Furne publica os últimos volumes de A comédia humana.
1847 – Separa-se da sua governanta, Louise de Brugnol, por exigência de madame Hanska. Em testamento, lega a madame Hanska todos seus bens e o manuscrito de A comédia hu­mana (os exemplares da edição Furne corrigidos a mão por ele próprio). Simultaneamente em romance-folhetim: O primo Pons, O deputado de Arcis.
1848 – Em Paris, assiste à revolução e à proclamação da Segunda República. Napoleão III é presidente. Primeiros sintomas de doença cardíaca. É publicado Os parentes pobres, o 17o volume de A comédia humana.
1850 – 14 de março: casa-se com madame Hanska. Os problemas de saúde se agravam. O casal volta a Paris. Diagnos­ti­cada uma peritonite. Morre a 18 de agosto. O caixão é carrega­do da igreja Saint-Philippe-du-Roule ao cemitério Père-Lachaise pelos escritores Victor Hugo e Alexandre Dumas, pelo crítico Sainte-Beuve e pelo ministro do Interior. Hugo pronuncia o elogio fúnebre.

Um homem de negócios - Honoré de Balzac



Honoré de Balzac Ao Sr. Barão James de Rotschild,Cônsul Geral da Áustria em Paris, banqueiro.
Lorette é um nome decente inventado para exprimir o estado de uma rapariga ou a rapariga de um estado difícil de ser dito, e que, no seu pudor, a Academia Francesa se descuidou de definir, em vista da idade de seus quarenta membros. Quando um nome novo corresponde a um estado social que não se pode dizer sem perífrase, a fortuna desse nome está feita. Por isso Lorette passou em todas as classes da sociedade, mesmo naquelas por onde jamais passará uma Lorette. A palavra não foi criada senão em 1840, sem dúvida por causa da aglomeração desses ninhos de andorinha em torno da igreja consagrada a Notre-Dame-de-Lorette. Isto que aqui vai foi escrito apenas para os etimologistas. esses senhores não se veriam tão embaraçados se os escritores da Idade Média tivessem tido o cuidado de referir, esmiuçando-os, os costumes, como o fazemos hoje nesta época de análise e de descrições.A Srta. Turquet ou Málaga, porque é mais conhecida por este nome de guerra, é uma das primeiras paroquianas daquela encantadora igreja. Essa alegre e espirituosa rapariga, tendo como única fortuna sua beleza, fazia, no momento em que é narrada a presente história, a felicidade de um notário que possuía na sua excelentíssima esposa uma mulher um pouco devota demais, um pouco rígida demais, um pouco seca demais, para que ele pudesse achar em casa a felicidade.Ora, numa noite de carnaval, o notário Cardot tinha banqueteado, em casa da Srta. Turquet, o solicitador Desroches, o caricaturista Bixiou, o folhetinista Lousteau, e Nathan, homens cujos nomes ilustres na Comédia Humana tornam supérfluo qualquer espécie de retrato. O jovem la Palférine, apesar de seu título de conde de velha rocha, rocha, desgraçadamente! sem nenhum filão de metal, honrara com sua presença o domicílio ilegal do notário.Se não se janta em casa de uma lorette para comer o assado patriarcal, o magro frango da mesa conjugal e a salada familiar, tampouco nela se proferem os discursos hipócritas de uso corrente num salão mobiliado com virtuosas burguesas. Ah! quando serão atraentes os bons costumes? Quando as mulheres da alta roda mostrarão um pouco menos seus ombros e um pouco mais de bonomia ou de espírito? Margarida Turquet, a Aspásia do Cirque 0lympique, era uma dessas naturezas francas e vivas a quem tudo se perdoa, em atenção à sua ingenuidade no erro, e ao seu espírito no arrependimento, quem se diz, como dizia Cardot, que era bastante espirituoso, embora fosse notário: "Engana-me bem!" Não creiam, porém, em coisas inauditas. Desroches e Cardot eram ambos bastante bons tipos e suficientemente velhos na profissão, para não se acharem no mesmo nível que Bixiou, Lousteau, Nathan e o jovem conde. E esses senhores, tendo recorrido muitas vezes aos dois oficiais ministeriais, conheciam-nos de sobra para, em estilo lorette, fazê-los posar. A conversação, perfumada com os odores de sete charutos, a princípio fantasista como uma cabra em liberdade, recaiu sobre a estratégia criada em Paris pela batalha incessante que nela se fere entre credores e devedores. Ora, se o leitor se dignar lembrar-se da vida e dos antecedentes dos convivas, dificilmente poderia encontrar em Paris, gente mais instruída nessa matéria: alguns eméritos, outros artistas, todos se assemelhavam a magistrados rindo com acusados. Uma série de desenhos feitos por Bixiou sobre Clichy fora a causa da feição tomada pela palestra. Era meia-noite. esses personagens, diversamente agrupados no salão, em torno de uma mesa e em frente ao fogo, entregavam-se a epigramas que, não somente não são compreensíveis a não ser em Paris, mas os quais também não se fazem, e não podem :ser entendidos, senão na zona circunscrita pelo faubourg Montmartre e pela rua da Calçada de Antin, entre as alturas da rua de Navarin e a linha dos bulevares.Em dez minutos, as reflexões profundas, a grande e a pequena moral, todas as piadas foram esgotadas sobre esse assunto, já esgotado lá por 1500 por Rabelais. Não é um pequeno mérito o renunciar a esse fogo de artifício, terminado por este último foguete devido a Málaga:— Tudo isso reverte em benefício dos sapateiros — disse ela. — Eu deixei uma modista que me errou dois chapéus. A fera veio vinte e sete vezes pedir-me vinte francos. Não sabia que nós nunca temas vinte francos. A gente tem mil francos, manda buscar quinhentos em casa do seu notário; mas vinte francos, nunca os tive. Minha cozinheira e minha criada de quarto terão, talvez, entre as duas, essa quantia. Quanto a mim, tenho apenas crédito, e eu o perderia se pedisse vinte francos emprestados. Se eu pedisse vinte francos, nada me diferenciaria mais das minhas colegas que passeiam pelos bulevares.— A modista está paga? — perguntou la Palférine.— Ora essa! estás ficando burro? — disse ela a la Palférine piscando o olho; — ela veio hoje de manhã pela vigésima sétima vez, e é por esse motivo que lhes estou falando.— Como se arrumou? — perguntou Desroches.— Tive pena dela e... e encomendei-lhe o chapeuzinho que inventei para sair das formas comuns. Se a Srta. Amanda se sair bem, não me pedirá mais nada, porque estará com a fortuna feita.— O que vi de mais belo nesse gênero de luta — disse o notário Desroches — pinta Paris, a meu ver, para as pessoas que nela se agitam, muito melhor do que todos os quadros nos quais sempre se pinta uma Paris fantástica. Vocês se julgam muito sabidos — disse ele olhando para Nathan e Lousteau, Bixiou e la Palférine; o rei, porém, nesse terreno, é um certo conde que hoje trata de pôr um ponta final nas suas brejeirices e que, no seu tempo, passou por ser o mais hábil, o mais esperto, o mais manhoso, o mais instruído, o mais ousado, o mais sutil, o mais firme, o mais previdente de todos os piratas de luvas amarelas, de cabriolé, de belas maneiras, que navegaram, navegam e navegarão sobre o mar tormentoso de Paris. Sem fé, nem lei, sua política privada foi dirigida pelos princípios que dirigem a do gabinete inglês. Até seu casamento, a vida dele foi uma guerra contínua como a de... Lousteau — disse ele. — Eu era e ainda sou seu procurador.— E a primeira letra do nome dele é Máximo de Trailles ­disse la Palférine.— Aliás, pagou tudo, não prejudicou ninguém — replicou Desroches; — mas, como há pouco dizia nosso amigo Bixiou, pagar em março o que não se quer pagar senão em outubro, é um atentado à liberdade individual. Em virtude de um artigo do seu código particular, Máximo considerava como uma vigarice a manha que um dos seus credores empregava para conseguir ser pago imediatamente. Já fazia muito que a letra de câmbio tinha sido compreendida por ele em todas as suas conseqüências, imediatas e mediatas. Um rapaz, em minha casa, denominava diante dele a letra de câmbio a ponte dos burros! Não, disse ele, é a ponte dos suspiros, dela não se volta. Sua ciência em matéria de jurisprudência comercial era tão completa, que um advogado de tribunal comercial nada teria a ensinar-lhe. Sabem que naquela época ele nada possuía; seu carro, seus cavalos eram alugados; morava em casa do seu criado de quarto, para o qual, dizem, ele será sempre um grande homem, mesmo depois do casamento que ele quer fazer! Membro de três clubes, ele jantava num deles, quando não tinha convite para casas particulares. Geralmente pouco usava seu domicílio...— A mim, ele disse — exclamou la Palférine interrompendo Desroches: — "Minha única fatuidade é a de querer impingir que moro na rua Pigalle”.— Eis aí um dos dois combatentes — continuou Desroches; agora aqui vai o outro. Já devem ter ouvido, mais ou menos, falar num certo Claparon... — Tinha os cabelos assim! — exclamou Bixiou eriçando os cabelos.E, dotado do mesmo talento que Chopin, o pianista, possui em tão alto grau para arremedar as pessoas, ele reproduziu no mesmo instante o personagem com pasmosa semelhança.— Ele balança a cabeça assim, ao falar; foi caixeiro viajante, teve todos os ofícios...— Pois bem, nasceu para viajar, pois neste instante em que lhe estou falando, ele segue rumo à América — disse Desroches. Para ele só lá existem possibilidades, porquanto será provavelmente condenado, na próxima sessão, por contumácia em falência fraudulenta.— Um homem ao mar! — bradou Málaga.— Esse Claparon — continuou Desroches — foi durante seis a sete anos o biombo, o testa de ferro, o bode expiatório de dois dos nossos amigos, du Tillet e Nucingen; mas, em 1829, seu papel ficou tão conhecido que...— Nossos amigos o abandonaram... — disse Bixiou.— Enfim, abandonaram-no ao seu destino, e — continuou Desroches, — ele chafurdou na lama. Em 1833, associou-se a um tal Cérizet 13 para fazerem negócios...— Como! aquele que, por ocasião das empresas em comandita, realizou uma tão gentilmente, que a sexta câmara o fulminou com dois anos de prisão? — perguntou a lorette.— Esse mesmo — respondeu Desroches. — Durante a Restauração, o ofício desse Cérizet, de 1823 a 1827, consistia em assinar intrepidamente artigos que eram perseguidos com fúria pelo ministério público, e em ir para a cadeia. Naquela época um homem se notabilizava com pouca coisa. O partido liberal chamou seu campeão departamental o corajoso Cérizet. Esse zelo foi recompensado, em 1828, pelo interesse geral. O interesse geral era uma espécie de coroa cívica conferida pelos jornais. Cérizet quis descontar o interesse geral; veio a Paris, onde, sob o patrocínio dos banqueiros da esquerda, estreou com uma agência de negócios, entremeada de operações bancárias, de fundos fornecidos por um homem que se banira espontaneamente, um jogador habilíssimo, cujos haveres, em julho de 1830, naufragaram juntamente com a nau do Estado...— Sim! era aquele que nós tínhamos apelidado o Método das cartas! — exclamou Bixiou.— Não falem mal daquele pobre moço — exclamou Málaga. De Estourny era um bom rapaz!— Bem compreendem o papel que devia representar em 1830 um homem arruinado que era chamado, politicamente falando, o corajoso Cérizet! Mandaram-no para uma subprefeitura muito bonitinha — continuou Desroches. — Infelizmente para Cérizet, o governo não é tão ingênuo quanto os partidos, os quais, durante a luta, de tudo fazem projéteis. Cérizet foi obrigado a demitir-se após três meses de exercício do cargo. Pois não se metera ele na cabeça ser popular? Como ainda nada fizera para perder seu título de nobreza (o corajoso Cérizet!) o governo propôs-lhe, como indenização, fazê-lo gerente de um jornal de oposição que in petto seria ministerial. Assim, pois, foi o governo quem desnaturou aquele belo caráter. Cérizet, que se achava na sua gerência mais ou menos como um pássaro num galho podre, atirou-se naquela gentil comandita, na qual o infeliz, como você acabou de dizer, abiscoitou dois anos de prisão, onde outros mais hábeis lograram o público.— Conhecemos os mais hábeis — disse Bixiou — não falemos mal desse pobre rapaz, ele está liquidado! Couture deixar-se saquear o cofre, quem tal diria!— De resto, Cérizet é um tipo ignóbil, a quem as desgraças de uma devassidão de ínfima categoria desfiguraram — disse Desroches. — Voltemos ao duelo prometido. Nunca, portanto, dois industriais de pior espécie, de piores costumes, de feitio mais ignóbil se associaram para um negócio mais sujo. Como fundos de circulação eles contavam com essa espécie de calão que o conhecimento de Paris dá, com a ousadia que dá a miséria, com a manha que o hábito dos negócios dá, com a ciência dada pela lembrança das fortunas parisienses, das suas origens, dos parentescos, das ligações íntimas e dos valores intrínsecos de cada um. Essa associação de dois tapeadores, permitam-me o termo, o único capaz de, na gíria da Bolsa, defini-los, foi de curta duração. Como dois cães esfaimados, brigavam a cada osso encontrado. As primeiras especulações da casa Cérizet e Claparon foram, entretanto, bem dirigidas. Esses dois tratantes conchavaram-se com os Barbet, os Chaboisseau, os Samanon e outros usurários, aos quais compraram contas quase perdidas. A agência Claparon tinha então sua sede num pequeno entressolo da rua Chabanais, composto de cinco peças e cujo aluguel não ia além de setecentos francos. Cada um dos associados dormia num quartinho que, por prudência, era tão cuidadosamente fechado, que meu primeiro ajudante jamais lá pôde entrar. Os escritórios constavam de uma antecâmara, de um salão e de um gabinete, cujos móveis não dariam trezentos francos num leilão. Conhecem suficientemente Paris para ver o jeito das duas peças oficiais: cadeiras escuras de crina, uma mesa com um pano verde, um relógio de pacotilha entre dois candelabros sob redomas de vidro, que se aborreciam em frente a um espelho pequeno de moldura dourada, em cima de uma chaminé cujos tições, no dizer de meu primeiro ajudante, tinham dois invernos de existência! Quanto ao gabinete, já o podem imaginar: muito mais pastas do que casos!... uma estante vulgar para cada associado; depois, no meio, a secretária de cilindro, vazia como a caixa! duas poltronas de trabalho de cada lado de uma lareira para carvão de pedra. Sobre o chão de ladrilho estendia-se um tapete de segunda mão, como as contas devedoras. Numa palavra, via-se aquele mobiliário de acaju, que se vende nos nossos cartórios, faz. cinqüenta anos, de predecessor para sucessor. Conhecem agora cada um dos dois adversários. Ora, nos três primeiros meses dessa associação, que se liquidou a socos ao cabo de sete meses, Cérizet e Claparon compraram dois mil francos de letras de Máximo (pois que se trata de Máximo) e forrados por dois processos (julgamento, apelação, sentença, execução, requerimento e urgência), em resumo, uma dívida a cobrar de três mil e duzentos francos, mais alguns cêntimos, que eles obtiveram por quinhentos francos mediante uma transferência por assinatura privada, com procuração especial para agir, a fim de evitar as custas. Nesse tempo, Máximo, já maduro, teve um desses caprichos peculiares aos qüinquagenários...— Antônia! — exclamou la Palférine, — essa Antônia cuja fortuna é devida a uma carta na qual eu lhe reclamava uma escova de dentes!— Seu nome verdadeiro é Chocardelle — disse Málaga, a quem esse nome pretensioso importunava.— E' isso — disse Desroches.— Máximo, em toda a sua vida, só cometeu esse erro; mas, que querem, o vício não é perfeito — disse Bixiou.— Máximo ignorava ainda a vida que se leva com uma raparigota de dezoito anos, que quer atirar-se, e de cabeça, da sua honrada mansarda a um suntuoso carro — disse Desroches, — e os homens de Estado devem saber tudo. Nessa época, de Marsay acabava de colocar seu amigo, nosso amigo, na alta comédia da política. Homem de grandes conquistas, Máximo só conhecera mulheres tituladas; e, aos cinqüenta anos, tinha bem o direito de morder uma frutinha suposta selvagem, como um caçador que faz uma parada no campo de um camponês embaixo de uma macieira. O conde achou para a Srta. Chocardelle um gabinete de leitura bastante elegante, uma pechincha, como sempre...— Ora! ela não ficou ali nem seis meses — disse Nathan; – era bonita demais para gerir um gabinete de leitura.— Serás tu o pai do filho dela? — perguntou a lorette a Nathan.— Uma manhã — continuou Desroches, — Cérizet, que desde a compra da dívida de Máximo chegara gradativamente a uniformizar-se como um primeiro ajudante de oficial de justiça, após sete tentativas inúteis foi introduzido em casa do conde. Suzon, o velho criado de quarto, conquanto professo, acabara tomando Cérizet por um solicitador que vinha propor mil escudos a Máximo, se este quisesse fazer com que uma jovem obtivesse uma agência de venda de papel selado. Suzon, sem nenhuma desconfiança daquele tratante pequeno, um verdadeiro garoto de Paris, calejado de experiência por suas .condenações na polícia correcional, decidiu seu patrão a recebê-lo. Vocês vêem daqui aquele homem de negócios, de olhar turvo, de cabelos escassos, de fronte calva, com sua casaquinha seca e preta, de botinas enlameadas...— Que imagem da Cobrança! — exclamou Lousteau.—....diante do conde — continuou Desroches — (imagem da Dívida insolente), metido no seu roupão de flanela azul, de chinelos bordados por alguma marquesa, de calças de lã branca, tendo nos cabelos pintados de preto um magnífico gorro, ostentando uma camisa deslumbrante, e brincando com as borlas da sua cinta?— E' um quadro de gênero — disse Nathan — para quem conhece o bonito salãozinho onde Máximo almoça, cheio de quadros de grande valor, forrado de seda, onde se caminha sobre um tapete de Esmirna, admirando aparadores repletos de objetos curiosos, raridades de causar inveja a um rei de Saxe.— Eis a cena — disse Desroches.Com essas palavras o narrador conseguiu o mais profundo silêncio.— "Senhor Conde — disse Cérizet — venho da parte de um senhor Carlos Claparon, antigo banqueiro. — Ah! que me quer esse pobre diabo? — E' que ele se tornou seu credor por uma quantia de três mil e duzentos francos e setenta e cinco cêntimos, inclusos capital, juros e custas... — A conta Coutelier — disse Máximo, que sabia dos seus negócios como um piloto conhece a costa em que navega. — Sim, senhor conde — respondeu Cérizet, inclinando-se. — Venho saber quais são as suas intenções? — Não pagarei essa conta senão quando me aprouver, — respondeu Máximo, tocando a campainha para chamar Suzon. — Claparon foi muito atrevido em ter comprado essa minha dívida, sem consultar-me! Lamento-o por ele, que durante tanto tempo se portou bem como testa-de-ferro dos meus amigos. Eu dizia dele: "Realmente, é preciso ser imbecil para servir com tão fracos honorários e tanta fidelidade, a homens que se enchem de milhões." Pois bem, aqui me dá ele uma prova da sua burrice... Sim, os homens merecem a sorte que têm! alcança-se uma coroa, ou se arrasta uma grilheta! pode-se ser milionário ou porteiro, e tudo é justo. Que quer, meu caro! eu não sou rei, por isso sou fiel aos meus princípios. Sou implacável com aqueles que me acarretam despesas ou não sabem seu ofício de credor. — Suzon, meu chá!... Estás vendo esse senhor? — disse ele ao criado de quarto. – Pois bem, tu te deixaste lograr, meu velho. Esse senhor é um credor, deverias tê-lo reconhecido pelas botinas. Nem os meus amigos, nem indiferentes que precisam de mim, nem meus inimigos vêm procurar-me a pé: — Meu caro Sr. Cérizet, compreende? O senhor não limpará mais suas botas no meu tapete — disse ele olhando a lama que branqueava a sola das botinas do seu adversário. — Apresente minhas condolências a esse bonifrate de Claparon, pois vou colocar esse assunto no Z. — (Tudo isso era dito num tom de bonomia capaz de provocar cólicas em burgueses virtuosos.) — Faz mal, senhor conde — respondeu Cérizet afetando um arzinho peremptório; — nós seremos pagos integralmente e de um modo que poderá contrariá—lo. Por isso eu vinha amigavelmente procurá-lo, como é de uso entre pessoas educadas... – Ah! é isso que quer?" — replicou Máximo, a quem essa última pretensão de Cérizet irritou. Havia nessa insolência um pouco de espírito de Talleyrand, se apreenderam bem o contraste dos dois vestuários e dos dois homens. Máximo franziu os sobrolhos e fixou seu olhar em Cérizet, o qual não somente sustentou aquele jato de raiva fria, mas ainda respondeu com essa malícia glacial que os olhos fixos de uma gata destilam. — "Pois bem, senhor, saia... — Pois bem, adeus, senhor conde. Antes de seis meses estaremos quites. — Se me puder roubar a importância de sua conta, que, reconheço-o, é legítima, eu lhe ficaria obrigado, senhor — respondeu Máximo, — porque me terá ensinado alguma nova precaução a tomar... Seu inteiro servidor... — Sou eu, senhor, conde, —que sou o seu." Aquilo foi preciso, cheio de força e de seguridade de um lado e de outro. Dois tigres que se examinam antes de lutar, diante de uma presa, não seriam mais belos nem mais ardilosos do que o foram então aquelas duas naturezas mais manhosas uma do que a outra, uma na sua impertinente elegância, a outra sob o seu arnês de lodo. — Em quem apostam vocês? — disse Desroches, que olhou para o seu auditório, surpreendido por estar tão profundamente interessado.— Isso sim que é uma história! — disse Málaga. — Vamos, meu caro, continue, que chego a sentir apertos no coração.— Entre dois cães daquela força, não é possível que suceda nada de vulgar — disse la Palférine.— Ora! aposto a conta do meu marceneiro, que anda a me seringar, que o sapinho levou Máximo no embrulho! — exclamou Málaga.— Eu aposto em Máximo — disse Cardot — pois nunca ninguém o pegou desprevenido.Desroches fez uma pausa, bebendo um cálice de licor que lorette lhe ofereceu.— O gabinete de leitura da Srta. Chocardelle — disse Desroches — estava situado na rua Coquenard, a dois passos da rua Pigalle, onde Máximo morava. A dita Srta. Chocardelle ocupava um pequeno apartamento que dava para um jardim e era separado da sua loja por uma grande peça escura onde estavam os livros. Antônia fazia a tia tomar conta do gabinete...— Ela já tinha uma tia? — exclamou Málaga. — Diabos! Máximo fazia as coisas bem.— Infelizmente! era uma tia verdadeira — disse Desroches — chamada..., esperem...— Ida Bonamy — disse Bixiou.— Assim, Antônia, aliviada da maior parte do trabalho por essa tia, levantava-se tarde, deitava-se tarde, e não comparecia ao seu balcão a não ser das duas às quatro horas — disse Desroches. Desde os primeiros dias, sua presença bastava para atrair freguesia ao seu salão de leitura; vários velhos do quarteirão lá foram, entre outros um fabricante de carruagens chamado Croizeau. Depois de ver aquele milagre de beleza feminina, através da vidraça, o antigo fabricante lembrou-se de ler os jornais todos os dias naquele salão, no que foi imitado por um amigo diretor de aduana, chamado Denisart, homem condecorado, em quem o Croizeau quis ver um rival e a quem disse, mais tarde: Muita dor de cabeça me deu o senhor!"Essas palavras devem dar-lhes uma idéia do personagem. O Sr. Croizeau pertence a esse gênero de velhos que, a partir de Henri Monnier, deviam ser apelidados de espécie Coquerel, de tal modo ele soube reproduzir a voz fraca, os pequenos gestos, o pequeno rabicho, os olhinhos de pólvora, o andarzinho, os pequenos. meneios de cabeça, o pequeno tom seco no seu papel de Coquerel da Família Improvisada. Esse Croizeau dizia: "Aqui está, bela dama!" ao entregar os dois vinténs a Antônia, num gesto pretensioso. A Sra. Ida Bonamy, tia da Srta. Chocardelle, soube logo pela cozinheira que o antigo fabricante, homem de uma avareza excessiva, estava taxado como possuidor de quarenta mil francos de renda no bairro em que morava, na rua de Buffault. Oito dias depois da instalação da bela alugadora de romances, ele deu à luz o seguinte trocadilho galante: "A senhora empresta-me livros, mas eu gostaria de restituir-lhe francos". Poucos dias depois, afetou um ar ladino para dizer: — "Sei que a senhora está muito ocupada, mas chegará meu dia; sou viúvo". Croizeau apresentava-se sempre com bela roupa branca, uma casaca azul-clara, colete de seda sem lustro, calças pretas, sapatos de sola dupla, atados com fita de seda preta e rangendo como os de um abade. Trazia sempre na mão seu chapéu de seda de catorze francos. — "Estou velho e não tenho filhos — dizia ele à jovem rapariga, poucos dias depois da visita de Cérizet à casa de Máximo. —Tenho horror aos meus colaterais. Todos eles são camponeses nascidos para lavrar a terra! Imagine que vim da minha aldeia com seis francos e aqui fiz minha fortuna. Não sou orgulhoso... Uma mulher, bonita é minha igual. Não é melhor ser a Sra. Croizeau durante algum tempo do que a serva de um conde durante um ano? Qualquer dia será abandonada. E então se lembrará de mim... seu criado, bela dama!" Tudo isso cozendo a fogo lento, surdamente. A mais leve galanteria era dita às escondidas. Ninguém no mundo sabia que aquele velhinho asseadinho amava Antônia, porquanto a prudente atitude daquele enamorado, no salão de leitura, nada revelaria a um rival. Croizeau durante dois meses desconfiou do diretor de aduana aposentado. Mas, lá para o meio do terceiro mês, teve ocasião de verificar o quanto suas suspeitas eram infundadas. Croizeau esforçou-se em se abeirar de Denisart, saindo em companhia dele; depois, disse-lhe: — "Que lindo dia, senhor!" Ao que o antigo funcionário respondeu: — "O tempo de Austerlitz, senhor: eu estava lá... até mesmo fui ferido, minha cruz foi-me dada pelo meu procedimento naquele belo dia..." E, passando de um assunto a outro, de charlas a confidências, de atenções a amabilidades, estabeleceu-se um laço de amizade entre aqueles dois destroços do Império. O pequeno Croizeau prendia-se ao Império por suas ligações com as irmãs de Napoleão; era seu fornecedor de carruagens e muitas vezes as importunara com suas contas. Apresentava-se, pois, como tendo tido relações com a família imperial. Máximo, informado por Antônia das propostas que o agradável ancião - foi esta a alcunha dada ao. capitalista pela tia, — se permitia fazer-lhe, quis conhecê-lo. A declaração de guerra de Cérizet tivera a propriedade de fazer com que aquele grande Luva-Amarela estudasse sua posição no tabuleiro de xadrez em que se movia, observando nele as mais insignificantes peças. Ora, a propósito daquele agradável ancião, ele recebeu no seu bestunto a badalada de sino que anuncia uma desgraça. Uma noite, Máximo pôs-se .no segundo salão escuro, em torno do qual estavam colocadas as estantes da biblioteca. Depois de examinar, por uma fenda entre duas cortinas verdes, os sete ou oito freqüentadores do salão, ele avaliou com um olhar a alma do fabricante de carruagens; mediu-lhe a paixão e ficou muito satisfeito por saber que, no momento o em que sua fantasia se esvaísse, um porvir bastante suntuoso abriria suas portas envernizadas para Antônia, a uma ordem dela. — E aquele — disse designando o grande e belo velho, condecorado com a Legião de Honra, — quem é? — Um antigo diretor de aduana. — Tem um perfil inquietador! — disse Máximo admirando o porte de Denisart. Efetivamente, o antigo militar mantinha-se ereto como um campanário; sua cabeça chamava a atenção por uma cabeleira .empoada e empomadada, quase igual a dos postilhões nos bailes à fantasia. Sob aquela espécie de chapéu de feltro amoldado numa cabeça oblonga, desenhava-se um velho rosto, ao mesmo tempo administrativo e militar, de feições arrogantes, muito parecido com o que a Caricatura atribui ao Constitutionnel. Esse antigo administrador, de uma idade, de um pó, de um encurvamento de dorso que não o deixavam ler coisa alguma sem óculos, retesava seu respeitável abdômen com todo o orgulho de um velho que tem amante, e usava nas orelhas brincos de ouro que lembravam os do velho General Montcornet, o freqüentador do Vaudeville. Denisart tinha preferências pelo azul: suas calças e sua velha sobrecasaca eram de pano azul. — Desde quando vem aquele velho? — perguntou Máximo, para quem os óculos se afiguraram de uso suspeito. — Oh! desde o começo — respondeu Antônia, — breve fará dois meses. — Bem. Faz apenas um mês que Cérizet veio — disse consigo mesmo Máximo. Faze com que ele fale — disse ele ao ouvido de Antônia; quero ouvir-lhe a voz. – Ora! disse ela — vai ser difícil, pois nunca me diz nada. — Por que motivo, então, ele vem? — perguntou Máximo. — Por um motivo engraçado — replicou a bela Antônia. — Primeiro porque ele tem uma paixão, apesar dos seus sessenta e nove .anos; mas, por causa dos seus sessenta e nove anos, ele está regulado como um relógio. esse freguês vai jantar em casa da sua paixão, na rua da Vitória, todos os dias, às cinco horas. ...Aí está uma infeliz! Sai de casa dela às seis horas, vem ler durante quatro horas todos os jornais e para lá volta às dez horas. O velho Croizeau diz que conhece os motivos do procedimento do Sr. Denisart, e o aprova, e que no lugar dele faria o mesmo. Assim, pois, sei qual é o meu futuro! Se um aia me tornar a Sra. Croizeau, das seis às dez horas eu estarei livre".Máximo examinou o Almanaque dos 25.000 endereços, e ali encontrou esta linha tranqüilizadora:"Denisart, antigo diretor de aduana, rua da Vitória".Não teve mais nenhuma inquietação. Insensivelmente, entre o Sr. Denisart e o Sr. Croizeau foram trocadas algumas confidências. Nada liga mais os homens do que uma certa conformidade de vistas em matéria de mulheres. O velho Croizeau jantou em casa daquela que ele denominava a bela do senhor Denisart. Aqui devo intercalar uma observação muito importante. O gabinete de leitura fora pago pelo conde, metade à vista e metade em letras subscritas pela dita Srta. Chocardelle. Ao chegar o quarto de hora de Rabelais, o conde estava sem dinheiro. Ora, a primeira das três letras de mil francos foi paga integralmente pelo amável fabricante, ao qual o velho celerado de Denisart aconselhou assegurar seu empréstimo. fazendo-se privilegiar sobre o gabinete de leitura. — "Eu, — disse" Denisart, vi belas coisas com as belas!... Por isso, em todos os casos, mesmo quando estou com a cabeça virada, sempre tomo as minhas precauções. Essa criatura por quem tenho loucura, pois bem, não goza de um mobiliário seu, e sim meu. O contrato do apartamento está em meu nome..." Conhecem Máximo; ele achou o fabricante muito jovem! O Croizeau podia pagar os três mil francos sem receber nada em troca, durante muito tempo, pois Máximo estava mais louco do que nunca pela bela Antônia...— E não era para menos! — disse la Palférine — pois era a bela Impéria da Idade Média.— Uma mulher que tem a pele áspera! — aparteou a lorette, tão áspera que se arruína em banhos de farelo.— Croizeau falava com a admiração de um fabricante de carruagens do suntuoso mobiliário que o apaixonado Denisart dera por moldura à sua bela; descrevia-o com satânica complacência à ambiciosa Antônia – continuou Desroches. Eram baús de ébano incrustados de nácar e com filetes de ouro, tapetes da Bélgica, uma cama .da Idade Média do valor de mil escudos, um relógio de Boulle; depois, na sala de jantar, candelabros de pé nos quatro cantos, cortinas de seda da China nas quais a paciência chinesa havia pintado pássaros, reposteiros com travessões valendo mais do que reposteiros com dois pés. — E' disso que precisava, bela dama!... e o que eu quisera oferecer-lhe — dizia ele, concluindo. Sei perfeitamente que me amaria mais ou menos, mas, na minha idade, devemos ser razoáveis. Avalie quanto a amo, pois que lhe emprestei mil francos. Posso confessar-lhe: em toda a minha vida e em momento nenhum emprestei isso..." E estendeu os dois sous da sessão com a importância que um sábio põe numa demonstração. À noite, Antônia disse ao conde, no Variétés: — Afinal de contas um gabinete de leitura é uma coisa bem aborrecida. Sinto que não tenho gosto por esse ofício, não vejo nele nenhuma probabilidade de me trazer fortuna. E' um recurso de uma viúva que quer vegetar, ou de uma rapariga atrozmente feia que julga poder pescar um homem por meio de um pouco de toilette. — Foi o que você me pediu — respondeu o conde. Nesse momento, Nucingen, de quem, na véspera, o rei dos Leões, porque os Luvas-Amarelas tinham-se então tornado leões, ganhará mil escudos, entrou para dar-lhos, e ao ver o espanto de Máximo, disse-lhe: — Eu recepi um opoziçon por requerimento tesse tiapo de Claparon... — Ah! são esses os meios de que eles se valem! — exclamou Máximo. — Francamente, não são grande coisa. — Mesmo assin — respondeu o banqueiro, — é melior pacar eles, porque potem se tirrichir a outros e tar prechuiço a Você. Eu tomo esta ponita zeniora como testemunia te que paquei você te manhan, muito antes ta opoziçon.— Rainha do Trampolim — disse la Palférine, sorrindo — tu perderás.— Fazia muito tempo — volveu Desroches — que, num caso semelhante, mas no qual o excessivamente honesto devedor, assustado com uma afirmação que tinha de fazer perante a justiça, não quisera pagar a Máximo, nós tínhamos perseguido rudemente o credor recalcitrante, fazendo apresentar oposições em massa, a fim de absorver a quantia em custas de contribuição...— Que vem a ser isso tudo — exclamou Málaga, — todos esses termos que soam aos meus ouvidos como se fossem patoá? Já que achou o esturjão excelente, pague-me o preço do molho com uma lição de chicana.— Pois bem — explicou Desroches, — a quantia contra a qual um dos seus credores requer oposição num dos seus devedores, pode tornar-se objeto de semelhante oposição por parte dos seus demais credores. Que faz o tribunal ao qual todos os demais credores pedem autorização para se pagarem? Divide entre todos a quantia seqüestrada. Essa divisão, feita sob as vistas da justiça, denomina-se uma contribuição. Se você deve dez mil francos e seus credores seqüestram por oposição mil francos, cada um deles tem um tanto por cento de sua conta credora, em virtude de uma repartição au marc le franc, em linguagem forense, isto é, proporcionalmente ao seu crédito; mas só recebem mediante um documento legal chamado extrato do registro de colocação, que é fornecido pelo escrivão do tribunal. Podem imaginar esse trabalho feito por um juiz e preparado por solicitadores? implica uma quantidade enorme de papel selado cheio de linhas frouxas, difusas, nas quais os algarismos estão mergulhados em colunas de uma brancura completa. Começa-se por deduzir as custas. Ora, sendo as custas as mesmas, quer para uma quantia de mil francos, quer para a de um milhão, não é difícil engolir mil escudos, por exemplo, de custas, sobretudo se a gente consegue aumentar as contestações.— Um solicitador consegue sempre — disse Cardot. — Quantas vezes um de vocês me perguntou: "Que temos para comer?"— Consegue-se, sobretudo — disse Desroches, — quando o devedor nos provoca para comermos a quantia em custas. Por isso os credores do conde nada obtiveram, perderam suas caminhadas à casa dos advogados e suas démarches. Para ser pago por um devedor tão esperto como o conde, o credor deve colocar-se numa situação legal extremamente difícil de estabelecer: trata-se de ser ao mesmo tempo seu devedor e seu credor, porque então se tem o direito, nos termos da lei, de operar a confusão...— Do devedor? — perguntou a lorette, que estava de ouvido atento para aquela exposição.— Não, das duas qualidades de credor e de devedor, e de pagar-se pelas próprias mãos — disse Desroches. — A inocência de Claparon, que só inventava oposições, teve por efeito tranqüilizar o conde. Ao trazer Antônia do Variétés, aferrou-se tanto mais à idéia de vender o gabinete literário a fim de poder pagar os dois mil francos do preço, porque teve medo do ridículo de ter sido o fornecedor de fundos para semelhante empresa. Adotou, pois, o plano de Antônia, que queria abordar a alta esfera da sua profissão, ter um apartamento magnífico, criada de quarto, carruagem, e lutar, por exemplo, com a nossa bela anfitriã...— Para isso ela não é bastante bem feita — exclamou a ilustre beleza do Cirque; — mas assim mesmo ela depenou o jovem de Esgrignon!— Dez dias depois, o pequeno Croizeau, empoleirado na sua dignidade, fazia, mais ou menos, o seguinte discurso para a bela Antônia — continuou Desroches: — "Minha filha, seu gabinete literário é um buraco, você aqui vai ficar amarela, o gás lhe estragará a vista; é preciso sair daqui, e olhe! aproveitemos a oportunidade. Achei para você uma jovem senhora que não deseja outra coisa senão comprar-lhe seu gabinete de leitura. E' uma mulherzinha arruinada para a qual nada mais resta senão atirar-se na água; mas tem quatro mil francos em dinheiro, e é preferível tirar deles bom partido para poder sustentar e educar dois filhos... — Oh! o senhor é muito gentil, tio Croizeau — disse Antônia. — Ora! daqui a pouco serei mais gentil ainda — replicou o velho fabricante de carruagens. — Imagine que aquele pobre Sr. Denisart está com um desgosto que lhe deu icterícia... Sim, a coisa atingiu-lhe o fígado, como acontece nos velhos sensíveis... Ele faz mal em ser tão sensível. Eu lhe disse: Apaixonar-se, vá! mas ser sensível... alto lá!... a gente se mata. — Francamente, eu não esperava semelhante desgosto num homem suficientemente forte e instruído para ausentar-se durante a digestão. Da casa de... — Mas, que houve? — perguntou a Srta. Chocardelle. — Aquela criaturazinha, em cuja casa jantei, plantou-o ali, positivamente... Sim, deixou-o, sem preveni-lo com mais do que uma carta sem nenhuma ortografia. — Eis aí, tio Croizeau, no que resulta cacetear as mulheres!... — E' uma lição, bela dama — disse o melífluo Croizeau. — Por enquanto, nunca vi homem em semelhante desespero. Nosso amigo Denisart não distingue mais sua mão direita da esquerda, não quer ver mais o que ele chama o cenário da sua felicidade... Perdeu de tal forma o juízo que me propôs que eu comprasse por quatro mil francos o mobiliário de Hortênsia... Ela se chama Hortênsia! — Lindo nome — disse Antônia. — Sim, é o da enteada de Napoleão. Como sabe, eu fornecia-lhe as carruagens. — Pois sim, vou pensar — disse a esperta Antônia; — comece por mandar-me sua jovem dama." Antônia correu para ver a mobília, voltou fascinada, e fascinou Máximo por um entusiasmo de antiquário. Nessa mesma noite o conde consentiu na venda do gabinete de leitura. O estabelecimento, compreendem, estava em nome da Srta. Chocardelle. Máximo pôs-se a rir do pequeno Croizeau que lhe fornecia um comprador. E' verdade que a sociedade Máximo e Chocardelle perdia dois mil francos; mas, que era essa perda em presença de quatro belas notas de mil francos? Como me dizia o conde: ­ "Quatro mil francos de dinheiro vivo!... Há momentos em que se assinam letras pela importância de oito mil francos para tê-los!" O conde foi ver, ele próprio, dois dias depois, o mobiliário, levando consigo os quatro mil francos. A venda fora realizada graças à diligência do pequeno Croizeau, que empurrava a roda; ele tinha enforcado, dizia, a viúva. Pouco se preocupando com aquele amável ancião, que ia perder seus mil francos, Máximo quis fazer transportar imediatamente toda a mobília para um apartamento alugado em nome da Sra. Ida Bonamy, na rua Tronchet, numa casa nova. Para isso tinha-se preparado com várias carroças grandes de mudança. Máximo, refascinado pela beleza do mobiliário, que para um estofador valeria seis mil francos, encontrou o infeliz ancião, amarelo. com a sua icterícia, no canto da lareira, com a cabeça recoberta por duas compressas e ainda por cima um boné de algodão, abafado como um lustre, abatido, sem poder falar, enfim, tão escangalhado, que o conde foi obrigado a entender-se com um criado de quarto. Depois. de ter entregue os quatro mil francos ao criado de quarto, que os. levou ao patrão para que este desse um recibo, Máximo quis ir dizer aos seus comissionados que fizessem chegar as carroças; ouviu, porém, uma voz que ressoou aos seus ouvidos como uma matraca e que lhe gritou: — "E' inútil, senhor conde, estamos quites, tenho seiscentos e trinta francos e quinze cêntimos a entregar-lhe" E ficou assustado ao ver Cérizet sair de seus envoltórios, como uma borboleta de sua larva, o qual lhe apresentou seus malditos papéis, acrescentando: — Nas minhas desgraças aprendi a representar comédias, e em papéis de velho valho tanto como Bouffé. — Estou no bosque de Bondy — exclamou Máximo. — Não, senhor conde, o senhor está em casa da Srta. Hortênsia, a amiga do velho Lord Dudley, que a oculta a todos os olhares; ela, porém, tem o mau gosto de amar este seu humilde servidor. — Se tive alguma vez vontade de matar um homem, — dizia-me o conde, — foi naquele momento; mas que quer! Hortênsia mostrava-me a sua linda cabeça, tive de rir, e, para conservar minha superioridade, disse-lhe atirando-lhe os seiscentos francos: — Aí está para a rapariga".— E' Máximo de corpo inteiro! — exclamou la Palférine.— Tanto mais que se tratava do dinheiro do pequeno Croizeau"— disse o profundo Cardot.— Máximo teve um triunfo — continuou Desroches, — porque Hortênsia exclamou: "Ah! se eu soubesse que eras tu"...— Aí está uma tal de confusão! — exclamou a lorette. — Perdeste, milorde — disse ela ao notário.E foi assim que o marceneiro a quem Málaga devia cem escudos foi pago.
Honoré de Balzac nasceu no dia 20 de maio de 1799 na cidade de Tours, Indre-et-Loire, na França. Considerado um dos maiores escritores franceses, sua obra "A Comédia Humana" reúne mais de 90 romances e contos, e nela procura retratar a realidade da vida burguesa da França naquela época. O escritor faleceu no dia 18 de agosto de 1850 e foi sepultado no cemitério Père Lachaise, em Paris. Seu jazigo conta com uma estátua esculpida por Auguste Rodin.Entre os seus principais romances destacam-se: Um Episódio no Tempo do Terror, A Obra-Prima Desconhecida, O Coronel Chabert, O Médico de Aldeia, Eugénia Grandet, Séraphita, O Tio Goriot, Ilusões Perdidas, O Lírio no Vale, César Birotteau, Úrsula Mirouet, Um Caso Tenebroso, Esplendores e Misérias das Cortesãs, Modeste Mignon, O Primo Pons, Eugenia Grandet, A Mulher Abandonada, A Mulher de Trinta Anos, A Solteirona e tantos outros mais.
Texto extraído do livro “A comédia humana – XI”, Editora Globo - Porto Alegre, 1958, tradução de Vidal de Oliveira, págs. 09.

Honoré de Balzac

A infelicidade tem isto de bom: faz-nos conhecer os verdadeiros amigos.

É mais fácil ser amante do que marido, pois é mais fácil dizer coisas bonitas de vez em quando do que ser espirituoso dias e anos a fio..

Lady Astor: Se você fosse meu marido, Winston, eu envenenaria o seu chá.Winston Churchill: Se eu fosse o seu marido, Nancy, eu tomaria esse chá.

Nunca devemos julgar as pessoas que amamos. O amor que não é cego, não é amor.

O homem começa a morrer na idade em que perde o entusiasmo.

O incapaz se cobre; o rico se enfeita; o presunçoso se disfarça; o elegante se veste.

O instinto na mulher, equivale a perspicácia nos grandes homens.

O bom marido nunca deve ser o primeiro a adormecer à noite, nem o último a acordar pela manhã.

Quanto mais criticamos menos amamos.

A ilusão é uma fé desmedida.

Os pintores só devem pintar com os pincéis na mão.

Quando todo o mundo é corcunda, o belo porte torna-se a monstruosidade.

O coração das mães é um abismo no fundo do qual se encontra sempre um perdão.

O poder deixa-nos tal como somos e apenas engrandece os grandes.

Um Eu demasiado poderoso é uma prisão da qual um homem deve evadir-se se deseja gozar plenamente os bens deste mundo.

O remorso é uma impotência, ele voltará a cometer o mesmo pecado. Apenas o arrependimento é uma força que põe termo a tudo.

As paixões perdoam tão pouco quanto as leis humanas, e raciocinam com mais justeza: não se apoiam elas numa consciência que lhes é própria, infalível como o é um instinto?

O pensamento, único tesouro que Deus põe fora do alcance de todo o poder e guarda como um elo secreto entre os infelizes e Ele próprio.

Os homens estimam-vos conforme a vossa utilidade, sem terem em conta o vosso valor.
Sentir, amar, sofrer, devotar-se, será sempre o texto da vida das mulheres.


As tias, as mães e as irmãs têm uma jurisprudência particular com os seus sobrinhos, os seus filhos e os seus irmãos.

Todo aquele que contribui com uma pedra para a edificação das ideias, todo aquele que denuncia um abuso, todo aquele que marca os maus, para que não abusem, esse passa sempre por ser imoral.

Da maciez de uma esponja molhada até à dureza de uma pedra-pomes, existem infinitas nuances. Eis o homem.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Mahatma Gandhi




Mahatma Gandhi (1869 – 1948)
da Tradição

Temos no mundo duas grandes Tradições esotéricas: a Ocidental que remonta às Escolas de Mistério do Antigo Egito e da Caldéia. Dela nutriram-se várias gerações de nossos dirigentes espirituais e nossa Tradição sempre foi mantida secreta ou, de alguma forma sob o controle de determinados grupos sociais, contra outros que poderiam destruí-lo intencionalmente (como os mais altos funcionários das religiões constituídas, particularmente judaísmo, cristianismo e islamismo) ou por ignorância (como todos aqueles a quem a Tradição representava complicação exageradamente distante de sua lida cotidiana). Segundo desejam alguns, dentre os quais destaca-se Platão, esta Tradição remonta mais remotamente ainda à Atlântida, cuja existência empírica jamais foi conclusivamente comprovada ou definitivamente descartada.
A Tradição Oriental se apresenta de maneira distinta principalmente na China, no Tibete, no Japão e na Índia. Ali não parece ter ocorrido tão severa cisão entre a religião e a Tradição, de maneira que as próprias religiões constituídas se transformaram em importantes veículos de transmissão da Tradição. Enquanto no Ocidente se tinha de enfrentar perseguições as mais diversas à Tradição, no Oriente, por suas peculiaridades, esta foi intensamente difundida e popularizada. Ali a Tradição protege-se a si mesma em sua complexidade e fascina a quantos dela se aproximam. Também segundo alguns aquela Tradição reverbera a de um outro Continente Perdido no Oceano Pacífico: a Lemúria, de existência tão provável ou improvável quanto a Atlântida e datação, portanto, tão complexa quanto sua similar ocidental.
Embora aparente, não há divergência de fundo entre as Tradições do Ocidente e do Oriente, o que foi provado pelas descobertas sensacionais de gente do quilate de Fritjof Capra e Joseph Campell. Mera questão de escolha pessoal, de afinidade eletiva, identifico-me com a Tradição de minha gente, de meu povo, do mundo e da civilização em que nasci e me criei. Sempre com enorme respeito pela Tradição Ocidental e buscando preservar a forma como a nossa Tradição se encaminha há milênios.
Faço este preâmbulo por ser necessário pontuar o quanto Mohandas Gandhi foi movido pela Tradição de seu povo. Poucos seres humanos incorporaram tão profundamente a Tradição e a alma de sua gente como Gandhi. Este o principal motivo que leva seus biógrafos a sempre fazerem reiteradas referências à Tradição Oriental e, frequentemente, converter-se a ela, por ser mesmo fascinante.

A Teologia Hindu e a vinda de Gandhi

Se em algum momento na história da humanidade se pode dizer que uma Nação teve um porta-voz, esta Nação foi a Índia e seu porta-voz consensual na primeira metade do século XX foi Mohandas Karamchand Gandhi – Mahatma, a “Grande Alma”.
A complexa Teologia Hindu reza que há um único Deus e este se apresenta em 3 formas: Brahma, o Criador; Shiva, o Destruidor (sempre presente quando a história chega a seu final) e Vishnu, o Equilibrador (a serviço do Dharma). Quando o caos ameaça a humanidade, Vishnu toma a forma humana para recompor a ordem. Segundo o Mahabharata, Vishnu veio ao mundo como Krishna, no alvorecer da civilização indiana. Para seus contemporâneos, Mohandas Gandhi, que repudiava ser chamado assim, constituía a mais recente encarnação da divindade, portanto era chamado de Grande Alma. Devotou a sua vida à causa da Independência da Índia e a encaminhou política e religiosamente em perfeita harmonia com a Tradição de seu povo, daí o estrondoso sucesso obtido.

Sua vida

Descendente de Brahmanes, de sua infância em Porbandar Gandhi registra em sua autobiografia a freqüência aos locais sagrados e de prece com a mesma naturalidade do registro de episódios corriqueiros e cotidianos. A religião de seus ancestrais lançava profundas raízes em seu coração. Casou-se, a exemplo de todos de sua casta e Nação àquele tempo, ao final da infância com uma prima, também saindo da infância, Kasturbai.
Adulto, parte para estudar direito em Londres, formando-se em 1891 e regressando a sua terra para praticar a profissão. Dois anos depois vai, a convite, para a África do Sul, onde trabalha com uma empresa hindu e faceia as primeiras dificuldades diante do poderoso Império Britânico, que domina as Nações do mundo no século XIX e primeiros lustros do XX com o mesmo poder e descaso para outros povos com que o Império Ianque hoje.

A luta pela libertação da Índia

Em 1914 regressa à Índia em definitivo e dá início à sua luta pela independência da dominação britânica que já dura quase 3 séculos e, com igual vigor, pela Tradição de sua gente, em grande medida contaminada e fragilizada diante da infecção capitalista.
Como líder político e espiritual da Índia soube utilizar-se engenhosamente de toda a Tradição para reerguer o orgulho de sua gente, abalado pela dominação e deu muito que pensar àqueles que se consideravam “superiores” e por isso dominavam. Este sempre foi e segue sendo o discurso do dominador: uma pretensa “superioridade” que, ao fim e ao cabo demonstra-se circunscrever ao campo da belicosidade e ponto final. Gandhi centra sua luta na busca de demonstrar a superioridade moral dos hindus sobre seus dominadores britânicos e, assim, reaviva a mente de seus conterrâneos quanto a 2 ensinamentos, tão antigos quanto o hinduísmo: A-HIMSA – Não violência ou, como Gandhi preferia dizer, “Persistência pela Verdade” e SATIAGRAHA – Viver em santidade.
Tomemos a não violência. Gandhi pregava a resistência pacífica (não confundir com passiva; a não violência deve ser ativa e provocativa!). Não concordar em se submeter ao mal e estar disposto a dar até a vida se necessário for, para provar que está do lado do que é justo, bom e correto. Foi assim que, de demonstração maciça em demonstração maciça, o Império Britânico comprovou muitas vezes a superioridade moral daquele povo oprimido e dominado.
A famosa “Marcha para o Sal” foi um ponto de inflexão decisivo. Os Hindus, moradores da região banhada pelo Oceano não por acaso chamado de Índico, eram proibidos de produzir sal. O sal utilizado no cotidiano de todas as famílias tinha o fluxo, a produção e a circulação, monopolizadas pelos britânicos. Gandhi ensina os hindus a desobedecerem a esta sandice. Do centro da Índia, em 1930, faz saber ao Primeiro Ministro Britânico que se dirigiria ao mar para produzir sal num gesto de desobediência civil, ativa, provocativa e contudo pacífica. Foi acompanhado de um pequeno grupo e a este se foram agregando cada vez mais significativas massas humanas. Ao fim, a história registra que milhares de pessoas andaram mais de 320 Km a pé. Este contingente imenso de seres humanos chega à praia e começa a fazer sal. Qual o problema? O povo da Índia vai à praia banhada pelo Oceano Índico fazer sal para o seu consumo. O que têm os britânicos a ver com isso?
O controle do sal estava na raiz do controle de toda a economia hindu pelos britânicos. Tão logo Gandhi começa a fazer sal e ser imitado a dominação é colocada em xeque. Os ingleses já não controlam os indianos. Estes estão prestes a tomar seu destino em suas próprias mãos.
Outros fatores contribuem para a emancipação do povo hindu de maneira diferente daquela desejada por Gandhi que, mais de uma vez, fez um “jejum até a morte” para protestar contra a dominação britânica e pedir paz a seu povo. Em momentos considerados cruciais para a economia britânica Gandhi convocava o povo a “jornadas de jejum e meditação” – na prática ninguém trabalhava, mas Gandhi jamais falava ou mesmo pensava na palavra “greve”. A expressão apropriada dentro da Tradição hindu para o que se estava fazendo era “Jornada de jejum e meditação”.

Um Exemplo

Admirado por aliados e adversários, foi chamado pelo Primeiro Ministro Britânico Winston Churchill de “faquir despido”. A questão que marca é: um faquir despido, que se alimenta com uma côdea de arroz e uma tirina d’água por dia e se veste com uma peça de tecido feita por ele mesmo e que muito se assemelha a uma fralda, um homem com tal forma de comportamento e hábitos espartanos pode ser suspeito de corrupção? Alguém presumiria estar ele lutando por algo diferente do que diz?
Albert Einstein o saudou como “porta-voz da humanidade”.
Quando o armamento mais sofisticado está nas mãos do adversário, que domina, a resistência pacífica, fundada na resistência e persistência pela Verdade é o encaminhamento mais eficiente. Impossível ao hindu derrotar o dominador britânico através de guerrilhas ou luta armada. Por outro lado, utilizando a Verdade como arma seu poderio é inquestionável!
Encaminhar o processo político a partir de um resgate profundo do que de mais sincero, bonito e duradouro existe na Tradição e na Alma de seu povo, esta é uma das lições que nos deixa Mahatma Gandhi.

Lázaro Curvêlo Chaves – 29/06/2006
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Pensamentos de Mahatma Gandhi

1
O desejo sincero e profundo do coração é sempre realizado; em minha própria vida tenho sempre verificado a certeza disto.

2
Creio poder afirmar, sem arrogância e com a devida humildade, que a minha mensagem e os meus métodos são válidos, em sua essência, para todo o mundo.

3
Acho que vai certo método através das minhas incoerências. Creio que há uma coerência que passa por todas as minhas incoerências assim como há na natureza uma unidade que permeia as aparentes diversidades.

4
As enfermidades são os resultados não só dos nossos atos como também dos nossos pensamentos.

5
Satyagraha - a força do espírito - não depende do número; depende do grau de firmeza.

6
Satyagraha e Ahimsa são como duas faces da mesma medalha, ou melhor, como as duas cades de um pequeno disco de metal liso e sem incisões. Quem poderá dizer qual é a certa? A não-violência é o meio. A Verdade, o fim.

7
A minha vida é um Todo indivisível, e todos os meus atos convergem uns nos outros; e todos eles nascem do insaciável amor que tenho para com toda a humanidade.

8
Uma coisa lançou profundas raízes em mim: a convicção de que a moral é o fundamento das coisas, e a verdade, a substância de qualquer moral. A verdade tornou-se meu único objetivo. Ganhou importância a cada dia. E também a minha definição dela se foi constantemente ampliando.

9
Minha devoção à verdade empurrou-me para a política; e posso dizer, sem a mínima hesitação, e também com toda a humildade que, não entendem nada de religião aqueles que afirmam que ela nada tem a ver com a política.

10
A minha preocupação não está em ser coerente com as minhas afirmações anteriores sobre determinado problema, mas em ser coerente com a verdade.

11
O erro não se torna verdade por se difundir e multiplicar facilmente. Do mesmo modo a verdade não se torna erro pelo f ato de ninguém a ver.

12
O amor é a força mais abstrata, e também a mais potente, que há no mundo.

13
O Amor e a verdade estão tão unidos entre si que é praticamente impossível separá-los. São como duas faces da mesma medalha.

14
O ahimsa (amor) não é somente um estado negativo que consiste em não fazer o mal, mas também um estado positivo que consiste em amar, em fazer o bem a todos, inclusive a quem faz o mal.

15
O ahimsa não é coisa tão fácil. É mais fácil dançar sobre uma corda que sobre o fio da ahimsa.

16
Só podemos vencer o adversário com o amor, nunca com o ódio.

17
A única maneira de castigar quem se ama é sofrer em seu lugar.

18
É o sofrimento, e só o sofrimento, que abre no homem a compreensão interior.

19
Unir a mais firme resistência ao mal com a maior benevolência para com o malfeitor. Não existe outro modo de purificar o mundo.

20
A minha natural inclinação para cuidar dos doentes transformou-se aos poucos em paixão; a tal ponto que muitas vezes fui obrigado a descuidar o meu trabalho. . .

21
A não-violência é a mais alta qualidade de oração. A riqueza não pode consegui-Ia, a cólera foge dela, o orgulho devora-a, a gula e a luxúria ofuscam-na, a mentira a esvazia, toda a pressão não justificada a compromete.

22
Não-violência não quer dizer renúncia a toda forma de luta contra o mal. Pelo contrário. A não-violência, pelo menos como eu a concebo, é uma luta ainda mais ativa e real que a própria lei do talião - mas em plano moral.

23
A não-violência não pode ser definida como um método passivo ou inativo. É um movimento bem mais ativo que outros e exige o uso das armas. A verdade e a não-violência são, talvez, as forças mais ativas de que o mundo dispõe.

24
Para tornar-se verdadeira força, a não-violência deve nascer do espírito.

25
Creio que a não-violência é infinitamente superior à violência, e que o perdão é bem mais viril que o castigo...

26
A não-violência, em sua concepção dinâmica, significa sofrimento consciente. Não quer absolutamente dizer submissão humilde à vontade do malfeitor, mas um empenho, com todo o ânimo, contra o tirano. Assim um só indivíduo, tendo como base esta lei, pode desafiar os poderes de um império injusto para salvar a própria honra, a própria religião, a própria alma e adiantar as premissas para a queda e a regeneração daquele mesmo império.

27
O método da não-violência pode parecer demorado, muito demorado, mas eu estou convencido de que é o mais rápido.

28
Após meio século de experiência, sei que a humanidade não pode ser libertada senão pela não-violência. Se bem entendi, é esta a lição central do cristianismo.

29
Só se adquire perfeita saúde vivendo na obediência às leis da Natureza. A verdadeira felicidade é impossível sem verdadeira saúde, e a verdadeira saúde é impossível sem rigoroso controle da gula. Todos os demais sentidos estarão automaticamente sujeitos a controle quando a gula estiver sob controle. Aquele que domina os próprios sentidos conquistou o mundo inteiro e tornou-se parte harmoniosa da natureza.


30
A civilização, no sentido real da palavra, não consiste na multiplicação, mas na vontade de espontânea limitação das necessidades. Só essa espontânea limitação acarreta a felicidade e a verdadeira satisfação. E aumenta a capacidade de servir.

31
É injusto e imoral tentar fugir às conseqüências dos próprios atos. É justo que a pessoa que come em demasia se sinta mal ou jejue. É injusto que quem cede aos próprios apetites fuja às conseqüências tomando tônicos ou outros remédios. É ainda mais injusto que uma pessoa ceda às próprias paixões animalescas e fuja às conseqüências dos próprios atos.
A Natureza é inexorável, e vingar-se-á completamente de uma tal violação de suas leis.

32
Aprendi, graças a uma amarga experiência, a única suprema lição: controlar a ira. E do mesmo modo que o calor conservado se transforma em energia, assim a nossa ira controlada pode transformar-se em uma função capaz de mover o mundo. Não é que eu não me ire ou perca o controle. O que eu não dou é campo à ira. Cultivo a paciência e a mansidão e, de uma maneira geral, consigo. Mas quando a ira me assalta, limito-me a controlá-la. Como consigo? É um hábito que cada um deve adquirir e cultivar com uma prática assídua.

33
O silêncio já se tornou para mim uma necessidade física espiritual. Inicialmente escolhi-o para aliviar-me da depressão. A seguir precisei de tempo para escrever. Após havê-lo praticado por certo tempo descobri, todavia, seu valor espiritual. E de repente dei conta de que eram esses momentos em que melhor podia comunicar-me com Deus. Agora sinto-me como se tivesse sido feito para o silêncio.

34
Aqueles que têm um grande autocontrole, ou que estão totalmente absortos no trabalho, falam pouco. Palavra e ação juntas não andam bem. Repare na natureza: trabalha continuamente, mas em silêncio.

35
Aquele que não é capaz de governar a si mesmo, não será capaz de governar os outros.

36
Quem sabe concentrar-se numa coisa e insistir nela como único objetivo, obtém, ao cabo, a capacidade de fazer qualquer coisa.

37
A verdadeira educação consiste em pôr a descoberto ou fazer atualizar o melhor de uma pessoa. Que livro melhor que o livro da humanidade?

38
Não quero que minha casa seja cercada por muros de todos os lados e que as minhas janelas esteja tapadas. Quero que as culturas de todos os povos andem pela minha casa com o máximo de liberdade possível.

39
Nada mais longe do meu pensamento que a idéia de fechar-me e erguer barreiras. Mas afirmo, com todo respeito, que o apreço pelas demais culturas pode convenientementemente seguir, e nunca anteceder, o apreço e a assimilação da nossa. (...) Um aprendizado acadêmico, não baseado na prática, é como um cadáver embalsamado, talvez para ser visto, mas que não inspira nem nobilita nada. A minha religião proíbe-me de diminuir ou desprezar as outras culturas, e insiste, sob pena de suicídio civil, na necessidade de assimilar e viver a vida.

40
Ler e escrever, de per si, não são educação. Eu iniciaria a educação da criança, portanto, ensinando-lhe um trabalho manual útil, e colocando-a em grau de produzir desde o momento em que começa sua educação. Desse modo todas as escolas poderiam tornar-se auto-suficientes, com a condição de o Estado comprar os manufaturados.
Acredito que um tal sistema educativo permitira o mais alto desenvolvimento da mente e da alma. É preciso, porém, que o trabalho manual não seja ensinado apenas mecanicamente, como se faz hoje, mas cientificamente, isto é, a criança deveria saber o porquê e o como de cada operação.
Os olhos, os ouvidos e a língua vêm antes da mão. Ler vem antes de escrever e desenhar antes de traçar as letras do alfabeto.
Se seguirmos este método, a compreensão das crianças terá oportunidade de se desenvolver melhor do que quando é freada iniciando a instrução pelo alfabeto.

41
Odeio o privilégio e o monopólio. Para mim, tudo o que não pode ser dividido com as multidões é "tabu".

42
A desobediência civil é um direito intrínseco do cidadão. Não ouse renunciar, se não quer deixar de ser homem. A desobediência civil nunca é seguida pela anarquia. Só a desobediência criminal com a força. Reprimir a desobediência civil é tentar encarcerar a consciência.

43
Todo aquele que possui coisas de que não precisa é um ladrão.

44
Quem busca a verdade, quem obedece a lei do amor, não pode estar preocupado com o amanhã.

45
As divergências de opinião não devem significar hostilidade. Se fosse assim, minha mulher e eu deveríamos ser inimigos figadais. Não conheço duas pessoas no mundo que não tenham tido divergências de opinião. Como seguidor da Gita (Bhagavad Gita), sempre procurei nutrir pelos que discordam de mim o mesmo afeto que nutro pelos que me são mais queridos e vizinhos.

46
Continuarei confessando os erros cometidos. O único tirano que aceito neste mundo é a "silenciosa e pequena voz" dentro de mim. Embora tenha que enfrentar a perspectiva de formar minoria de um só, creio humildemente que tenho coragem de encontrar-me numa minoria tão desesperadora.

47
Nas questões de consciência a lei da maioria não conta.

48
Estou firmemente convencido que só se perde a liberdade por culpa da própria fraqueza.

49
Acredito na essencial unidade do homem, e, portanto na unidade de tudo o que vive. Por conseguinte, se um homem progredir espiritualmente, o mundo inteiro progride com ele, e se um homem cai, o mundo inteiro cai em igual medida.

50
Minha missão não se esgota na fraternidade entre os indianos. A minha missão não está simplesmente na libertação da Índia, embora ela absorva, em prática, toda a minha vida e todo o meu tempo. Por meio da libertação da Índia espero atuar e desenvolver a missão da fraternidade dos homens.
O meu patriotismo não é exclusivo. Engloba tudo. Eu repudiaria o patriotismo que procurasse apoio na miséria ou na exploração de outras nações. O patriotismo que eu concebo não vale nada se não se conciliar sempre, sem exceções, com o maior bem e a paz de toda a humanidade.

51
A mulher deve deixar de se considerar o objeto da concupiscência do homem. O remédio está em suas mãos mais que nas mãos do homem.

52
Uma vida sem religião é como um barco sem leme.

53
A fé – um sexto sentido – transcende o intelecto sem contradizê-lo.

54
A minha fé, nas densas trevas, resplandece mais viva.

55
Somente podemos sentir deus destacando-nos dos sentidos.

56
O que eu quero alcançar, o ideal que sempre almejei com sofreguidão (...) é conseguir o meu pleno desenvolvimento, ver Deus face-a-face, conseguir a libertação do Eu.

57
Orar não é pedir. Orar é a respiração da alma.

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58
A oração salvou-me a vida. Sem a oração teria ficado muito tempo sem fé. Ela salvou-me do desespero. Com o tempo a minha fé aumentou e a necessidade de orar tornou-se mais irresistível... A minha paz muitas vezes causa inveja. Ela vem-me da oração. Eu sou um homem de oração. Como o corpo se não for lavado fica sujo, assim a alma sem oração se torna impura.

59
O Jejum é a oração mais dolorosa e também a mais sincera e compensadora.


60
O Jejum é uma arma potente. Nem todos podem usá-la. Simples resistência física não significa aptidão para jejum. O Jejum não tem absolutamente sentido sem fé em Deus.

61
Para mim nada mais purificador e fortificante que um jejum.

62
Os meus adversários serão obrigados a reconhecer que tenho razão. A verdade triunfará. . . Até agora todos os meus jejuns foram maravilhosos: não digo em sentido material, mas por aquilo que acontece dentro de mim. É uma paz celestial.

63
Jejum para purificar a si mesmo e aos outros é uma antiga regra que durará enquanto o homem acreditar em Deus.

64
Tenho profunda fé no método de jejum particular e público. . . Sofrer mesmo até a morte, e, portanto mesmo mediante um jejum perpétuo, e a arma extrema do satyagrahi. É o último dever que podemos cumprir. O Jejum faz parte de meu ser, como acontece, em maior ou menor escala, com todos os que procuraram a verdade. Eu estou fazendo uma experiência de ahimsa em vasta escala, uma experiência talvez até hoje desconhecida pela história.

65
Quem quer levar uma vida pura deve estar sempre pronto para o sacrifício.

66
O dever do sacrifício não nos obriga a abandonar o mundo e a retirar-nos para uma floresta, e sim a estar sempre prontos a sacrificar-nos pelos outros.

67
Quem venceu o medo da morte venceu todos os outros medos.

68
Os louvores do mundo não me agradam; pelo contrário, muitas vezes me entristecem.

69
Quando ouço gritar Mahatma Gandhi Ki jai, cada som desta frase me transpassa o coração como se fosse uma flecha. Se pensasse, embora por um só instante, que tais gritos podem merecer-me o swaraj; conseguiria aceitar o meu sofrimento. Mas quando constato que as pessoas perdem tempo e gastam energias em aclamações vãs, e passam ao longo quando se trata de trabalho, gostaria que, em vez de gritarem meu nome, me acendessem uma pira fúnebre, na qual eu pudesse subir para apagar uma vez por todas o fogo que arde o coração.

70
Uma civilização é julgada pelo tratamento que dispensa às minorias.

71
Sei por experiência que a castidade é fácil para quem é senhor de si mesmo.

72
O brahmacharya é o controle dos sentidos no pensamento, nas palavras, e na ação. . . O que a ele aspira não deixará nunca de ter consciência de suas faltas, não deixará nunca de perseguir as paixões que se aninham ainda nos ângulos escuros de seu coração, e lutará sem trégua pela total libertação.

73
O brahmacharya, como todas as outras regras, deve ser observado nos pensamentos, nas palavras e nas ações. Lemos na Gita e a experiência confirma-no-lo todos os dias que quem domina o próprio corpo, mas alimenta maus pensamentos faz um esforço vão. Quando o espírito se dispersa, o corpo inteiro, cedo ou tarde, o segue na perdição.

74
Por vezes pensa-se que e muito difícil, ou quase impossível conservar castidade. O motivo desta falsa opinião e que freqüentemente, a palavra castidade é entendida em sentido limitado demais.
Pensa-se que a castidade é o domínio das paixões animalescas. Esta idéia de castidade é incompleta e falsa.

75
Vivo pela libertação da índia e morreria por ela, pois e parte da verdade.
Só uma Índia livre pode adorar o Deus verdadeiro. Trabalho pela libertação da Índia porque o meu Swadeshi me ensina que, tendo nascido e herdado sua cultura, sou mais apto a servir à Índia e ela tem prioridade de direitos aos meus serviços. Mas o meu patriotismo não é exclusivo; não tem por meta apenas não fazer mal a ninguém, mas fazer bem a todos no verdadeiro sentido da palavra. A libertação da Índia, como eu a concebo, não poderá nunca constituir ameaça para o mundo.

76
Possuo a não-violência do corajoso? Só a morte dirá. Se me matarem e eu com uma oração nos lábios pelo meu assassino e com o pensamento em Deus, ciente da sua presença viva no santuário do meu coração, então, e só então, poder-se-á dizer que possuo a não-violência do corajoso.

77
Não desejo morrer pela paralisação progressiva das minhas faculdades, corno um homem vencido. A bala de meu assassino poderia pôr fim à minha vida. Acolhê-la-ia com alegria.

78
A regra de ouro consiste em sermos amigos do mundo e em considerarmos como uma toda a família humana. Quem faz distinção entre os fiéis da própria religião e os de outra, deseduca os membros da sua religião e abre caminho para o abandono, a irreligião.

79
A força de um homem e de um povo está na não-violência. Experimentem.

Sobre a Revolução não violenta de Mahatma Gandhi

" Gandhi continua o que o Buddha começou. Em Buddha o espírito é o jogo do amor isto é, a tarefa de criar condições espirituais diferentes no mundo; Gandhi dedica-se a transformar condições existenciais"
Albert Schweitzer
" Não violência é a lei de nossa espécie como violência é a lei do bruto. O espírito mente dormente no bruto, e ele não sabe nenhuma lei mas o de poder físico. A dignidade de homem requer obediência a uma lei mais alta - a força do espírito ".
Mahatma Gandhi

" Se o homem só perceberá que é desumano obedecer leis que são injustas, a tirania de nenhum homem o escravizará".
Mahatma Gandhi

"Não pode haver nenhuma paz dentro sem verdadeiro conhecimento ".
Mahatma Gandhi

"Para autodefesa, eu restabeleceria a cultura espiritual. O melhor e autodefesa mais duradoura é autopurificação ".
Mahatma Gandhi




Um pedido ao Papai Noel - Moacyr Scliar


As crianças vêem o Papai Noel como um velhinho simpático, bonachão, que aparece uma vez por ano trazendo presentes. Um adulto, se acreditasse em Papai Noel, pensaria de outra maneira. Pensaria no Papai Noel como uma figura real, claro, porque adultos de há muito deixaram para trás a imaginação infantil. E isso geraria muitas perguntas. É casado, o Papai Noel? Se é casado, por que a mulher dele nunca aparece? E como será a mulher dele? Uma mulher simpática, bonachona, dadivosa, uma verdadeira Mamãe Noel, ou quem sabe é uma megera, sempre disposta a brigar com o marido e a acusá-lo (“Não me venha com essa história que você passou a noite entregando brinquedos, que eu não acredito”)? E filhos? Será que o Papai Noel tem filhos? E como será que esses filhos o vêem? Será que também o acusam, com frases tipo: “Meu pai se interessa por todos os filhos, menos por nós”?. E a vida cotidiana do Papai Noel, de que maneira transcorre? Diz a lenda que ele tem uma gigantesca fábrica de brinquedos no Pólo Norte. Se isso é verdade, como está enfrentando a crise? Está mantendo a produção, ou vai dar férias coletivas para os empregados? E como será o seu relacionamento com o sindicato da categoria? O que tem a dizer sobre a redução do IPI?Mas vamos dizer que, por um instante, esse adulto cético, amargurado, passe por aquilo que o poeta inglês Coleridge chamou de “suspension of disbelief”, a suspensão da descrença, condição importante para que penetremos no mundo da fantasia literária e da fantasia em geral. De repente, esse adulto vê-se diante do Papai Noel, que ali está, sorridente, perguntando ao homem o que ele quer: “Peça, e seu pedido será atendido.” O que você responderia?As respostas talvez variassem, mas há uma na qual todos nós concordaríamos. E seria a seguinte: faça com que eu acredite de novo em Papai Noel. Faça com que eu recupere a ingênua e alegre crença da infância. Mais: faça com que eu recupere todas as minhas crenças, a crença de que os pais sabem tudo e podem tudo, a crença de que um mundo melhor, com mais justiça e menos iniqüidade, é possível. A crença de que a fome e a destruição ambiental vão terminar, que os povos vão se entender, que as guerras e o terrorismo terminarão. A crença de que os seres humanos são no fundo intrinsecamente bons e de que a solidariedade entre nós e possível. A crença de que nem tudo é feroz competição ou luta pelo poder.Há chance de que este sonho se torne realidade? Não sabemos. Mas temos de sonhar. E temos de acreditar, ainda que por um momento, por um fugaz momento, de que Papai Noel existe. É a criança que, apesar de tudo, vive dentro de nós consolando e dando forças ao adulto que somos. Milagre natalino? Certamente. Mas uma vez por ano, ao menos, podemos crer em milagres.
Fonte: ZH

O mistério da CAsa Verde - Moacyr Scliar

O mistério da Casa Verde é uma releitura do clássico ?O Alienista? de Machado de Assis. A releitura de Moacyr Scliar foi editada em 2003 pela Editora Ática e pertence à coleção Descobrindo os Clássicos. O autor Moacyr Scliar nasceu em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, onde mora até hoje. Já recebeu diversos prêmios literários. Além de escritor consagrado é também médico de Saúde Pública. Fundador da Academia Brasileira de Letras e principal escritor do Brasil, Machado de Assis era do Rio de Janeiro. Criou-se lá, no subúrbio, menino pobre que sofreu muito. Arturzinho, personagem central da releitura, era um menino corajoso, gostava muito de aventuras, tinha um rival, André que fazia parte da turma junto a Pedro Bola e Léo, o intelectual e mais inteligente deles. Já na obra ?O alienista? o protagonista é Simão Bacamarte, um homem estranho que achava que todas as pessoas eram anormais e as mandava para seu ?consultório?: a Casa Verde. Ele se achava perfeito, sem defeitos. A história de Machado de Assis aconteceu no final do século XIX, usavam roupa da época e foi quando começaram a surgir clínicas para loucos. Na versão original, Simão manda soltar todos os ?presos? da Casa Verde, descobre que era normal ser maluco. O doutor percebeu que ele era perfeito e isso não era normal, então ele prendeu-se na Casa Verde e entregou-se ao estudo e à cura de si mesmo, assim acaba a história. Dizem os cronistas que ele morreu daí a dezessete meses, no mesmo estado em que entrou. Já na releitura a história acaba com o começo do namoro de Arturzinho e Lúcia. Os meninos realizaram seu sonho, tendo o seu clube de jovens numa parte da antiga Casa Verde e na outra parte foram organizados o Centro Cultural Machado de Assis (onde acontece uma encenação todas às sextas-feiras), uma sala de vídeo, uma biblioteca e uma oficina de artes. Na linguagem utilizada pelos dois autores, podemos perceber uma grande diferença, veja um trecho da obra de Machado de Assis: ?A vereança de Itaguaí, entre outros pecados de que é argüida pelos cronistas, tinha o de não fazer caso dos dementes. Assim é que cada louco furioso era trancado em uma alcova, na própria casa, e não curado, mas descurado, até que a morte o vinha desfraldar do benefício da vida; os mansos andavam à solta pela rua?. O autor usa uma linguagem culta, difícil de entender. Já Moacyr Scliar, usa uma linguagem fácil, para jovens, veja: ?Espera um pouco: o cara disse que é um médico que cuida de loucos? Mas ele tem mais cara de maluco do que de médico??. O livro todo é muito bom, repleto de aventuras, uma leitura bem agradável. A parte de que eu mais gostei foi o final, pois Arturzinho acabou namorando com Lúcia e realizou o seu sonho de ter um clube. Moacyr Scliar é um grande autor, nesta obra ele nos faz viajar. Uma leitura com palavras bem explícitas.

A colina dos suspiros - Moacyr Scliar

Futebol, intriga, paixão e mistério são os ingredientes desta história. A história é verídica. Nos anos 70, o Esporte Clube Cruzeiro, de Porto Alegre, vendeu seu estádio e o lugar se tornou um cemitério (João XXIII). Entre os torcedores do time figura o escritor gaúcho Moacyr Scliar, que inspirado no episódio escreveu um romance divertido. Justamente sobre uma equipe decadente cujo campo vai abrigar a Pirâmide do Eterno Repouso. Entre os tipos pitorescos que recheiam a trama, o mais estranho é Rubinho, craque com potencial de gênio, atormentado por assombrações. A ascendência russa e a cultura judaica são decisivas na obra de Moacir Scliar, assim como os conhecimentos, experiências e vivência de médico sanitarista. Admiração confessa pelos escritores Clarice Lispector, Graciliano Ramos, Franz Kafka e, na música, por Mozart, Philip Glass e Chico Buarque. Futebol é o tema de A colina dos suspiros, do gaúcho Moacyr Scliar, e a pequena cidade de Pau Seco é o cenário. Da realidade à ficção, o autor apresenta neste romance a pequena cidade de Pau Seco, com dois clubes de futebol que se digladiam há muito tempo. Futebol em Pau Seco é o que move ou paralisa a cidade. O estádio fica junto do cemitério. Ali, o Pau Seco Futebol Clube, à beira da falência, cede seu estádio para a construção de um cemitério. A salvação está em Rubinho, um dos trabalhadores da obra, que se revela um extraordinário jogador. Rubinho, a possível salvação dos paussequenses, é o jogador-revelação da cidade, que sofre uma humilhação pública, pois tem medo de marcar gol em frente ao túmulo do falecido ídolo Bugio. Desaparece, e só tem um desejo - vingança. Trata-se de um momento decisivo em sua vida. Com humor e sutileza, questões éticas, políticas, sociais, familiares, amorosas, o bem e o mal são discutidos. O cemitério volta a ser estádio. Aí aparece de tudo: coronel todo-poderoso com seus mandos e desmandos, pobre que sai do anonimato para a riqueza sem preparo, maracutaias e espertezas. Esta narrativa terá surpreendentes desdobramentos e também por isso, fascina o público jovem ou, melhor, de qualquer idade. Com humor e sutileza, Moacyr Scliar discute questões éticas, políticas, sociais, familiares, amorosas, o bem e o mal. Com humor leve, essa saborosa crônica cativa pelo ótimo texto, só interrompido pelas risadas que desperta.