terça-feira, 14 de setembro de 2010

As crianças, vítimas das separações

 

Na Suécia realizou-se um amplo estudo epidemilógico, publicado recentemente na conceituada revista médica The Lancet, no qual concluem que os filhos dos lares monoparentais – cada vez mais frequentes no mundo ocidental – têm mais riscos de sofrerem problemas psiquiátricos e adições do que aqueles que passam a infância e a adolescência em famílias unidas.
O estudo realizou-se com dados de quase um milhão de rapazes e raparigas – 65.000 filhos de pais separados e 921.000 de famílias unidas – ao longo de dez anos. Recorreram a dados de clínicas e hospitais, e não a inquéritos, pelo que se considera um estudo muito bem realizado. Nele conclui-se que o número de doenças psiquiátricas se multiplica por 2,1 nas raparigas e 2,5 nos rapazes, filhos de pais separados, em relação à sua frequência em famílias unidas. Este números multiplicam-se por 2 para as raparigas e 2,3 para os rapazes em relação às tentativas de suicídio, também comparadas com as de filhos de famílias não dissolvidas. Mas é no uso do álcool e, sobretudo, nas drogas que a frequência se torna muito mais significativa: é 3,2 vezes maior nas raparigas e 4 nos rapazes, filhos de pais separados, do que entre as famílias unidas.
Perante estes resultados, os investigadores suecos discordam dos autores que consideram como circunstanciais e de consequências passageiras as alterações de conduta e emocionais dos filhos do divórcio. Os seus dados, dizem, casam melhor com as investigações, mais recentes, que detectam já transtornos a mais longo prazo.
Também não interpretam que estas consequências se devam só à falta de recursos, já que na Suécia só 10% das mulheres separadas estão na taxa da pobreza. Pelo contrário, pensam que a escassa dedicação de tempo e a falta do modelo paterno – sobretudo nos rapazes – são mais determinantes.
Em Piensa un Poco,– Por Angel Garcia Prieto, Psiquiatra.
Tradução, para a Aldeia, de Manuel Martinez

O pai ausente

 

Análise dos efeitos patológicos que o abandono da responsabilidade educativa do pai pode ter sobre o desenvolvimento dos filhos.
Tanto a criança como o adolescente sentem a necessidade de ambos os pais e, sobretudo, da vitalidade e do senso comum da mãe. À margem de toda e qualquer especulação ou polémica científica, bastaria que pai e mãe actuassem em comum e de forma criativa, que se completassem um ao outro espontaneamente e que tivessem em conta que nenhum deles pode ser substituído pelo outro. A presença activa do pai revela-se cada vez mais necessária para um crescimento equilibrado dos filhos (…).
Em épocas anteriores à nossa, os filhos dos camponeses e dos artesãos, que é o mesmo que dizer todas as crianças, tinham o pai sempre a seu lado e podiam observá-lo enquanto ele trabalhava. Quase sem darem por isso, absorviam o seu carácter e os seus ensinamentos. Depois, os ritmos intensos da vida industrial e pós-industrial, privaram-nos dessa constante, laboriosa e paciente figura educativa. Agora, o pai trabalha longe do espaço vital da família, num mundo que é alheio aos filhos, onde desenvolve uma actividade para eles completamente incompreensível (…).
O pai tem além disso que atender a outras necessidades durante o tempo livre, se não quiser ficar excluído da vida social, cultural e religiosa, para não falar do desporto, dos “hobbies” e das diversas associações a que pode estar ligado. Resulta daqui que, mesmo depois do trabalho, raras vezes está presente na infância e adolescência dos seus filhos. Considere-se ainda que tanto o “stress” da vida, como a concepção patriarcal (mais difundida do que se pensa), limitam ainda mais a difícil e desejada presença activa do pai. Quando muito, ser-lhe-á possível brincar um pouco à tarde com eles, ou exercer pessoalmente a sua autoridade, como única garantia da ordem doméstica, ao fim de um dia de trabalho. O pai precisa de sossego. Hércules está cansado, depois das suas brilhantes fadigas, e os filhos continuam confiados à exclusiva competência da mãe.
Com este tipo de relações familiares não se pode estabelecer entre os filhos e o pai nenhum “vínculo vital”. Com esta expressão, utilizada pelo fundador da medicina psicossomática alemã, Viktor von Weizsãcker, pretende-se definir esse vínculo único e imprescindível que é a base de toda a tarefa educativa.
Quando o marido é um pai ausente, a mulher sente-se impotente, incompreendida e insatisfeita, como mulher e como educadora. Em tais condições, é quase inevitável que o desenvolvimento dos filhos se retraia e sofra desvios. (…)
A mulher concentra então todas as suas energias egocêntricas sobre a criança ou sobre o adolescente, que se convertem deste modo em vítimas indefesas de uma situação opressiva. O filho perde a sua própria identidade e passa a ser simplesmente o refúgio, o consolo, a honra e coroa do insatisfeito amor de mãe: é o filho quem deve proporcionar-lhe o que não obtém no matrimónio.
(…) A mãe quer controlar toda a trajectória do filho sem perigos de qualquer tipo. Uma ideia fixa da sua saúde física, baseada num formalismo rigoroso (último refúgio das pessoas sem ânimo), vai modelando pouco a pouco o protótipo do filho mimado. Este, acostumado a preocupar-se sobretudo consigo mesmo, habitua-se, por exemplo, a dar uma importância desproporcionada à comida, que se converte num sistema de defesa contra a enfermidade. Boa saúde converte-se em sinónimo de estar gordo; segurança, eliminação de qualquer imprevisto. Estes curto-circuitos banais, mas contundentes, impedem a vitalidade e inibem o espírito de qualquer iniciativa tanto nos jovens como nas crianças.
A mãe, omnipresente, deve controlar tudo, decidir tudo, vigiar ansiosamente as ocupações dos filhos. A própria vocação destes deve satisfazer as concretas ambições da mãe que, com o rodar dos anos, continuará a intrometer-se nos assuntos íntimos do filho, que já não é um menino mas um adulto, talvez casado e com descendência. Este, por sua vez, não se atreve a exercer a sua autonomia responsável donde brota a maturidade, e continuará agarrado às saias da mãe, mas incapaz de a amar verdadeiramente.
Juan Batista Torelló, ensaio publicado na revista “Studi Cattolici”
Tirado de Cadernos Educação e Família, n.9, ano III

A figura do pai

 

Recuperar a figura do pai
A ânsia de bem estar, que os promotores (ou instigadores) do desenfreado consumismo inteligentemente exploram, e a falta de espírito de serviço aos outros (hoje conhecido por solidariedade) estão a conduzir a sociedade para um abismo a que pouca ou nenhuma atenção se tem dado.
É certo que alguns governos, conscientes da situação caótica a que se pode chegar, estão já a tomar medidas, no campo da política familiar e de educação, para obviar, ou pelo menos minimizar, as suas consequências. Contudo, atendendo a que cada vez é mais notória a tendência para a inserção de todos e de cada um na tão falada “aldeia global”, tais medidas serão tanto mais eficazes quanto maior e melhor for a concertação entre governos e organizações internacionais.
Fenómenos como o das mães solteiras, dos divorciados ou simplesmente separados, das uniões de facto, da homossexualidade, droga, criminalidade e violência, resultam essencialmente da instabilidade da vida familiar que, por sua vez, tem a sua raiz no desentendimento entre os Pais e, em particular, no quase desaparecimento da figura do Pai.
Em tais circunstâncias, as principais vítimas são as mulheres, e em especial as mães solteiras – que se vêm abandonadas por homens incapazes de assumir e respeitar compromissos – , e as crianças, que na prática ficam sem pai.
As estatísticas mostram que filhos nascidos de mães não casadas permanecem na pobreza mais de 50% dos seus anos de infância, ao passo que essa percentagem é apenas de cerca de 7% no caso de crianças nascidas em lares estáveis.
A presença do Pai (pai e marido) no lar é fundamental para a estabilidade familiar e para o futuro dos filhos, porque:
a) fomenta confiança na esposa e nos filhos;
b) torna mais eficaz a educação e o controlo dos excessos dos jovens, para o que é imprescindível uma acção conjunta e previamente concertada do pai e da mãe
c) dá um forte contributo para a socialização e para um equilibrado desenvolvimento psicológico dos filhos.
Li, há dias, um artigo em que se escrevia: “O Pai é o mediador entre o filho e a realidade”. Está provado que muitos, se não mesmo a maioria dos problemas sociais, poderão ser resolvidos se se recuperar a figura do Pai e se estimular a sua presença no lar, como pai e como marido.
A comemoração do dia de São José, excelente modelo de Pai e como tal a ele dedicado, é propício a uma profunda reflexão: por parte do Pai, para ver até que ponto está a corresponder à sua missão de Pai e de Marido, e para analisar que tipo de modelo é ou quer ser em relação aos seus filhos; por parte da Esposa e Mãe, para se examinar quanto á ajuda que dá ao seu marido, particularmente na honrosa tarefa de educadores e de formadores de cidadãos livres, responsáveis e militantes de uma filosofia baseada na verdade, na justiça e no amor; por parte dos filhos, para – independentemente das justas e delicadas manifestações de carinho ao pai – vejam como o respeitam, compreendem e ajudam.
Tomaz Espírito Santo

Essência de mulher

 


A luta pela igualdade entre sexos, no se que se refere a direitos e deveres, foi grande, dura e sangrenta, marcada, inclusivamente, pela morte de mulheres valentes, que em tempos difíceis deram a sua vida na consecução de tal ideal.
Basta recordar Olympe Marie de Gouges, guilhotinada, em 1791, por pretender que a Declaração de Direitos do «homem e do cidadão» se aplicasse também às mulheres.
É graças a elas que hoje existe uma igualdade, pelo menos formal, reconhecida na nossa Carta Magna (Constituição), e podemos aceder praticamente a qualquer dos trabalhos realizados pelos homens.
Mas, como sonhou Sigrid Undset, feminista do início do século XX, «o movimento feminista ocupou-se apenas com os ganhos, esquecendo-se dos prejuízos da libertação». É neste árduo processo para a igualdade que as mulheres sofremos um enorme dano colateral, ao deixarmos pelo caminho algo que nos é consubstancial: a essência feminina, a feminilidade.
Assumimos de forma espontânea, e sem qualquer queixa, que os modos masculinos eram justos e oportunos; que devíamos imitá-los para conseguir a igualdade; seríamos nós, e não eles, que teríamos que mudar. E assim fizemos, escondendo os nossos sentimentos e afectividades por medo de sermos alcunhadas de débeis ou brandas, tentando ser frias e competitivas, adoptando um aspecto varonil; adulterámo-nos a nós próprias, sacrificámos a nossa alma feminina a troco de sermos recebidas no universo masculino e transformámo-nos em «hombretonas», imitando os comportamentos e maneiras de vestir dos homens.
Recordemos como a grande jurista Concepción Arenal, em meados do século XIX, acedeu às aulas de Direito na Universidade Complutense de Madrid com roupas de homem, para satisfazer o seu desejo e interesse por esta licenciatura. Ou como Clara Campoamor, em 1931, para conseguir o direito de sufrágio feminino, renunciou expressamente à sua condição de mulher: «Senhores deputados: eu, antes de mulher, sou cidadã».
As feministas igualitárias dos anos 70, com o pensamento de Simone de Beauvoir como bandeira, e os defensores do actual feminismo «de género» (segundo o qual a feminilidade e a masculinidade são construções sociais e, em consequência, os seres humanos são neutros ou sexualmente polimorfos), conseguiram que a sociedade assuma a ideia de que trabalhar em casa, ser boa esposa e mãe, é atentatório à dignidade da mulher, algo humilhante que a degrada, a escraviza, e a impede do desenvolvimento na sua plenitude. E que, para ser uma mulher moderna, é preciso previamente libertar-se do jugo da feminilidade, em especial, a da maternidade, entendida como signo da repressão e subordinação: a tirania da procriação.
Esta ideologia, que entrou com enorme força nas mais altas instâncias políticas, provocou o desprestigio e mesmo o desprezo para com as mulheres que trabalhavam nas suas casas ou cuidavam dos seus filhos, que foram estigmatizadas, considerando-as pouco atractivas ou interessantes e nada produtivas para a sociedade. Ao contrário, aquelas outras mulheres que renunciam à maternidade ou ao cuidado personalizado dos seus filhos desde os seus primeiros dias de vida aparecem, perante a opinião pública como heroínas, autênticas mulheres modernas, que “sem perderem o tempo”, na atenção aos seus filhos, se entregam plenamente à sua profissão, pela qual sacrificam tudo, o que as liberta e converte em estereótipos da emancipação feminina.
Esta estereotipificação inversa, favorecida pela atitude de algumas lideres políticas, distorce a imagem e prejudica a vida familiar da maioria das mulheres “comuns”, pois favorece a organização da vida profissional, ao não considerar as mulheres como mães e entendendo que os trabalhadores não têm obrigações familiares; dificultando, assim, a mudança de mentalidade sobre a importância real da maternidade, tanto para a mulher em si, como para a instituição familiar, base inquestionável da sociedade, sem a qual nunca poderão ser adoptadas medidas verdadeiramente conciliadoras para a vida familiar e laboral.
Longe do mundo idealizado pelas imagens estereotipadas de mulheres hiper-libertadas que gozam exultantes da sua elevada vida profissional, que nos transmitem os meios de comunicação, na vida real encontramo-nos actualmente com demasiadas mulheres que, apesar do seu êxito profissional, se sentem profissionalmente frustradas e insatisfeitas, cansadas de imitar os modos de actuar masculinos, amarradas a uns modelos que não lhes pertencem e que não encaixam na sua essência mais profunda. Mulheres que se esforçaram por cumprir as suas funções «exactamente como um homem», e cuja natureza, rejeitada e reprimida, reage em forma de depressão, ansiedade e infelicidade.
Estas mulheres estão a alimentar o nascimento de um novo feminismo. Mulheres que demonstraram, sobejamente, que são tão capazes, como qualquer homem, de chegar ao mais alto cargo profissional com brilhantismo e eficácia, e que não querem disfarçar-se de homens, assumir os moldes masculinos, nem emular as suas atitudes e condutas; mas ser elas mesmas.
Flexibilidade; imaginação, intuição, cooperação, expressividade emocional; empatia, afectividade; consenso; pragmatismo; capacidade de improvisação e visão contextual; são algumas habilidades sociais inatas da mulher – quase todas acentuadas pela maternidade – que, segundo os estadistas, serão um valor em alta, praticamente, em todos os sectores da economia do século XXI. Com estas capacidades, as mulheres já lograram uma forte presença nas ocupações e profissões de serviços e dominarão muitos destes hábitos no futuro, facilitando soluções imaginativas, bem como novas e engenhosas formas de actuação, imagináveis em muitas ocasiões para o universo masculino.
Chegou o momento de reivindicar que a actividade profissional se adapte à nossa condição feminina e não o invés. O novo feminismo defende um reconhecimento social para a labor da mulher, cuja forma de ver a vida e compreender a realidade é um valor inquestionável que deverá reflectir-se numas condições laborais favoráveis específicas e, portanto, não idênticas às dos homens; com uma especial atenção à maternidade que, longe de ser opressiva, é na maioria dos casos profundamente libertadora, enriquecedora e faz da mulher um ser mais pleno.
É hora pois de recuperar o perdido, de reclamar a nossa peculiar, «memória histórica», exigindo a devolução da nossa integridade feminina. Algo sem o qual nenhuma mulher pode alcançar o equilíbrio pessoal e, portanto, a felicidade, pois como afirma Allison Jolly, primatóloga de Princeton, «só compreendendo a sua verdadeira essência, a mulher poderá assumir o controle da sua vida».
A mulher só alcançará a sua plena realização existencial quando se comportar com autenticidade em relação à sua condição feminina. Porque para a mulher ser mulher é tudo. E o resto só é resto.
(María Calvo Charro, Professora de Direito Administrativo na Universidade Carlos III)
Tradução – de conoze.com – para a Aldeia de António Santos

Perigos da felicidade perfeita

Contudo, esconde os seus perigos. Porque a felicidade perfeita é perigosa para os homens e ameaça fazê-los curvar sobre si mesmos. O egoísmo, um egoísmo de dois, que por isso é mais perigoso, porque o dissimula o amor, espreita os jovens esposos; e o hábito da vida fácil, a procura do prazer, ameaça enfraquecer neles a capacidade de sacrifício.

Logo que têm um filho, a ordem das coisas começa a alterar-se; o filho exige cuidados e acorda os pais às três horas da manhã …
E se porventura não aprenderam a amar, o seu amor corre o risco de murchar rapidamente. Aprender a amar é aprender a dar-se. Aquele que se casa contrai a responsabilidade da felicidade de um outro. O marido deve fazer a mulher feliz. A mulher o seu marido. Os dois juntos têm de construir um lar que seja um centro de atracção e de irradiação: devem aprender a esquecer-se um pelo outro e ambos pelo lar.
Só o matrimónio pode permitir ao amor esta purificação, porque fora do matrimónio o amor conserva sempre uma ponta de inquietação. O matrimónio faz desaparecer o receio de perder o amado. Não tem já que pensar em si, pode pensar-se no outro. No amor extra-conjugal, o amante conserva quase inevitavelmente o receio de que o ser amado o abandone; e sempre o preocupa o cuidado de se defender contra esta hipótese.
Por outro lado, um novo perigo ronda o matrimónio. A segurança da união conjugal leva certos esposos a não alimentar o amor, a deixar-se levar, não pela afeição, mas pela vulgaridade, pela negligência de quem já não procura agradar porque nada tem a conquistar. A linguagem grosseira e os maus modos do marido, os penteadores enodoados e os cabelos mal arranjados da mulher têm muitas vezes uma influência perniciosa sobre o bom entendimento conjugal.
Tanto mais que, embora o matrimónio dê uma segurança desconhecida do amor livre, não põe, no entanto, ao abrigo das tentações. Se a tentação chega, é preciso que o amor que de fora se oferece choque com um grande amor, inteiramente vivo, por dentro. É preciso evitar que o amor adormeça. O amor que adormece é um amor em perigo de extinguir-se.
Mas, para tanto, desde o começo, o que ama tem de educar o amor.
(Jacques Leclercq)

O amor humano

 

Amar é dar-se; é encontrar a própria felicidade em fazer um outro feliz; o verdadeiro amor baseia-se no esquecimento de si. Mas implica uma contradição porque, ao mesmo tempo, ama-se porque se encontra a própria felicidade no outro; é pois uma tendência natural fazer do outro o instrumento da própria felicidade. O amor oscila do próprio para o outro.
No ponto de partida do amor humano, o amor de si mesmo, a procura da felicidade, ocupa inevitavelmente o primeiro lugar. Ninguém se casa por espírito de sacrifício e, se alguma alma generosa pensa fazê-lo, é preciso desviá-la dessa ideia. Sucede de vez em quando que um rapaz – ou mais frequentemente uma rapariga – amado por alguém a quem não ama, comovido por este amar, aterrorizado com o pensamento de poder despedaçar uma vida com uma recusa, aceita o casamento. A única coisa que com isso consegue é, por via de regra, despedaçar duas vidas em vez de uma, porque uma condição da felicidade conjugal é que cada um dos esposos faça o outro feliz.
O homem novo, no limiar da vida, quer realizar a sua vida e isso leva-o a procurar uma companheira. A rapariga sonha com um companheiro. É natural, legitimo e são que pensem em si mesmos neste momento, e que o outro lhes apareça como aquilo que para eles representa. Mas a purificação deste amor natural, nitidamente egocêntrico, está em que, muito em breve, logo que o amor se assegura da reciprocidade, ultrapassa a simples procura da felicidade pessoal, sentindo-se aquele que ama feliz em fazer a felicidade do outro, pensando nessa felicidade e experimentando o assombro feliz e o enternecimento das almas puras ao ver que constitui toda a felicidade de um outro ser humano. O desejo de tornar o outro feliz, o reconhecimento pela felicidade recebida tomam então lugar a par ou, mais exactamente, no íntimo do desejo de felicidade pessoal. No entanto continua a ser próprio da natureza do amor humano desejar que o ser amado seja feliz por nós; queremo-lo feliz, mas não suportaríamos que devesse a sua felicidade a outra pessoa; desejamos realizar nós próprios a sua felicidade porque o amamos e porque é esse um dos elementos do amor. O ser amado é tudo para nós, e pretendemos ser tudo para ele; a sua felicidade entra nesse todo, a par do que é próprio de si mesmo. O amor humano é uma associação de dois seres e de duas felicidades; está na sua natureza não mais fazer distinções.
Encontra-se de vez em quando – e romances célebres analisaram este caso – um homem que se sacrifica à mulher que ama, ao ver que está mais feliz com outro. É um caso anormal, que nos deixa uma impressão doentia e que, em todo o caso, só é compatível com o despedaçar do coração do que se dispõe ao sacrifício. O amor humano, o amor que conduz ao matrimónio, tende à união, isto é, tende a uma felicidade em que sejam dois, dois felizes. Não está feito para a felicidade de um só em prejuízo de um outro.
(Jacques Leclercq)

O filho vem trazer uma nova riqueza ao casamento

 

O filho vem trazer uma nova riqueza ao casamento. É mesmo, muitas vezes, a sua única riqueza, quando a união é espiritualmente pobre. E os casamentos espiritualmente pobres são os daqueles esposos vulgares, que nada mais procuram na sua união do que uma felicidade terra a terra.
São casamentos sem nobreza, porque toda a nobreza provém de que o homem se supere, ao consagrar-se a uma causa que o engrandece. [...]. O casamento, como qualquer obra humana, enobrece-se ao visar algo de mais elevado do que a mera satisfação pessoal. O amor colhe a sua grandeza do facto de os que se amam julgarem encontrar nele uma perfeição ideal, de terem a impressão de que se vão transcender a si próprios na sua união. Toda a literatura clássica sobre o amor repousa neste pensamento, e a doutrina cristã do casamento, sobre o carácter sacramental do matrimónio cristão, sanciona esta aspiração, dando aos homens a garantia de que o próprio Deus intervém nele para lhes permitir realizar o seu ideal de perfeição no amor. Acrescenta mesmo que, pelo sacramento, um mistério de perfeição divina se realizará neles, em e pela sua união.
Porém, um grande número de esposos mantém-se inconsciente desta grandeza. São casamentos pobres; união de almas pobres, incapazes de se elevar à pureza do amor. O facto de que um homem procure ser feliz, sem outro ideal, nada tem de nobre. Quando o homem põe o seu fim em si mesmo, permanece limitado a si mesmo e, ele mesmo, pouco representa. A sua grandeza provém precisamente de ser capaz de se transcender, deixando-se absorver por um fim que o ultrapassa. Os casamentos pobres encontram no filho um elemento de riqueza.
É pelo filho que o homem mais facilmente se supera. O amor dos pais é a forma de amar mais espontaneamente desinteressada. No amor maternal frequentemente se observa este desinteresse. E embora o amor paternal se manifeste mais raramente em toda a sua pureza, muitas vezes se ouve dizer, contudo, a homens que são infelizes no lar: “Se não fosse pelos pequenos!…”
O amor dos pais é a única forma de amor natural inteiramente desinteressada, no sentido de que os pais identificam o bem dos filhos com o seu próprio bem, a ponto de encontrarem o seu próprio bem no dos filhos. É vulgar que os pais se sacrifiquem pelo bem-estar e felicidade dos filhos; isto dá-se entre pessoas que não manifestaram, fora disso, nenhuma aspiração moral superior. É que a felicidade dos filhos é a sua, porque os filhos são uma parte de si próprios. Ainda por esse motivo, a inveja não se manifesta entre pais e filhos ou, se alguma vez se manifesta, logo é tida por uma monstruosidade. Os pais sentem-se naturalmente orgulhosos e felizes pelos êxitos dos seus filhos, e os filhos pelos êxitos dos pais, como se fossem seus. Pais que foram sempre uns cábulas mostram-se orgulhosos com os êxitos dos seus filhos. Os laços de sangue criam uma solidariedade que quase constitui uma espécie de unidade física.
Mulheres mentirosas, egoístas, vaidosas, intrigantes enternecem pelo seu amor desinteressado quando falam dos seus filhos. É encantador falar dos filhos com as mães, porque logo se vê aflorar nelas uma pureza que nem sempre se encontra na sua vida. E, inclusive os pais, ao falar dos filhos, manifestam uma delicadeza de sentimentos que parece quase um milagre em corações de homens autoritários, violentos e secos.
Não é difícil compreender tudo isto pelo vínculo propriamente físico que liga os pais aos filhos. Os filhos são para os pais alguma coisa de si mesmos, a carne da sua carne, destacada deles para formar um ser diferente, mas que os continua, ao mesmo tempo, a eles próprios. Em toda a extensão da palavra, os pais continuam-se nos filhos. Neles está impressa a semelhança com os pais e os pais encontram-se a si próprios neles, física e moralmente. Os filhos fazem parte da sua vida; a felicidade dos filhos faz parte da sua; nos filhos, sobreviverão; e nos filhos podem aspirar a realizar uma vida melhor do que aquela que eles próprios realizaram. Quantos homens e quantas mulheres medíocres, que a vida desiludiu – porque se mostraram incapazes de a conduzir – aspiram a conseguir para os filhos uma existência mais bela do que a sua!
O desejo de uma obra que constitua a expressão da sua personalidade e que subsista quando ele um dia venha a desaparecer, é um desejo natural do homem. Talvez isto signifique uma ânsia de eternidade inerente ao ser dotado de inteligência; de qualquer maneira, é um desejo universal e bem característico do ser humano. Ora, a maior parte dos homens vive uma vida destituída de interesse, no decorrer da qual nada produz e em nada se salienta. Consegue unicamente subsistir. Porém, todos podem realizar e realizam uma grande obra, sempre que dão filhos ao mundo.
(Jacques Leclercq)

Novos tipos de família…

Aquilo a que alguns chamam “novos tipos de família” são tão antigos como a humanidade. Qualquer pessoa que leia a Bíblia,a literatura grega, a romana, ou se aproxime daquilo que conhecemos das velhas civilizações egípcia e babilónica, verificará claramente que já naqueles tempos se conheciam as amantes, as mães solteiras, a homossexualidade, o lesbianismo, as uniões de facto, etc.
A novidade hoje não é que de repente a humanidade tenha descoberto novidades em matéria sexual; o que é novo é o preconceito ideológico de querer afirmar que o
casamento e essas formas de organizar a vida sexual são a mesma coisa e têm o mesmo valor.
O erro vem de
pensar que o casamento não é mais do que sexo, e que qualquer forma de intercâmbio sexual gera uma relação familiar. [...]
Onde não há abertura à vida – ou, pelo menos, vocação estrutural e inicial para ela – não há família.
(Benigno Blanco, in Hacer Família)

Amizade e amor

 


A pessoa humana tem gravada no seu interior a necessidade de ser conhecida e amada, de conhecer e amar outros. Necessitamos de que os outros nos conheçam, nos compreendam, nos aceitem e nos amem. E necessitamos conhecer, compreender e amar os outros. A pessoa humana está feita para este diálogo com outras pessoas. Mas há diversos tipos de amor: por exemplo, o amor entre pais e filhos e o amor da amizade entre amigos são amores diferentes. Há coisas que se contam aos país e há outras que se contam aos amigos. Necessitamos do carinho dos nossos pais para umas coisas e do dos nossos amigos para outras. Mas não basta essa amizade. A pessoa humana necessita entregar-se, dar-se a conhecer e amar de uma maneira mais profunda, total. Isso só é possível entre um homem e uma mulher, ou entre uma pessoa e Deus.
Esse amor total inclui a pessoa toda, tanto a sua alma como o seu corpo. Nesse amor, uma pessoa pode dizer e exprimir tudo, até o mais íntimo, porque o outro vai compreendê-la e aceitá-la tal como é. Há uma confiança absoluta que permite e exige que se abra totalmente e requer também receber do outro com essa absoluta confiança, tal e como é. Isto é o que se chama amor conjugal.
Aqui intervém também o corpo, porque intervém toda a pessoa. (…) Entregam-se um ao outro completamente, alma e corpo, por isso o corpo joga um papel essencial. É o amor conjugal.
(Mikel Gotzon Santamaría Garai, in Saber Amar com o Corpo)