domingo, 23 de agosto de 2009


Fernando e Natália










The family
















A IMPERATRIZ DE SPINETTA - Paul Heyse

Na planície de Alexandria, a uma hora da aldeia de Marengo, há outra aldeia, de nome Spinetta, completamente apagada em consequência do brilho de sua famosa vizinha. Até nos mais minuciosos tratados de história militar seu nome é apenas mencionado, e os estrangeiros que examinam cada monte de pedras no campo de batalha de Marengo, ao passarem pela modesta Spinetta, não a julgam digna sequer de um olhar. Pouquíssimos sabem que esse lugar insignificante viveu outrora um dia em que um imperador e uma imperatriz foram ali coroados com solene pompa, e como depois a sua grandeza acabou de maneira estranha. Só um folheto, dos que se vendem aos milhares por uma moeda de cobre nas feiras agrícolas, guardou a sugestiva história dessa coroação. A imaginação poética dos campônios piemonteses e lombardos envolveu o fato histórico em toda espécie de acréscimos milagrosos, de sorte que hoje é difícil discernir com absoluta segurança o acontecido do inventado. Quanto ao essencial, porém, o acontecimento produziu-se como o relataremos nas seguintes páginas.Pouco depois de 1820, quando Carlos Félix [rei da Sardenha de 1821 a 1831], sufocadas as tentativas de motim esboçadas pelos carbonários, conseguiu definitivamente firmar-se no trono do Piemonte, vivia numa das choupanas mais pobres, nos confins de Spinetta, um lindo par de irmãs, respeitado por todos, em razão de sua honestidade e piedade. Perderam os pais muito cedo, quando Margaridinha, a mais moça, tinha apenas três anos. A mãe morreu da dor causada pelo triste fim do marido, o qual tomara parte na campanha napoleônica de Moscou e, de volta, extraviou-se no gelo do Beresina. A confirmação oficial de sua morte, excluindo a hipótese de prisão ou desaparecimento, só chegou alguns anos após aquele terrível drama dos povos, e, com a centelha de esperança que a boa mulher sempre conservara, apagou-se-lhe também a tênue luz da vida. Tinha a filha mais velha, Pia, apenas quinze anos quando ela e a irmãzinha se tornaram órfãs. Não quis nem ouvir falar em entregar a criança a estranhos, para ela mesma ganhar a vida em trabalhos agrícolas: permaneceu na casinha que lhe construíra o pai, alimentando-se a si mesma e à irmã com o produto de seu fuso e a colheita de um milharalzinho por ela mesma cultivado; com isto se mantinha, e à pequena, em tamanha limpeza de trajos e em tão correto procedimento, que todos lhe tributavam louvores e as mães costumavam apresentar às filhas as duas órfãs como exemplares de boa educação.Era, está claro, um louvor pago duramente, pois, naquela pobreza, tinha ela de trabalhar dia e noite para obter o necessário; nem sequer nos feriados podia encostar a roca num cantinho. Entretanto, não lhe faltavam oportunidades: era só ela querer. Não somente de muitos lados lhe ofereciam auxílio e presentes de amigo; não somente várias pessoas se teriam encarregado da pequena, criança inteligente e meiga: também quanto a si mesma poderia encontrar mais de uma proposta aceitável, pois passava por ser a moça mais bonita da aldeia, e qualquer pretendente, inclusive os mais ricos, só podia lucrar com uma dona de casa assim. Ela, no entanto, se limitava a sacudir a cabeça em resposta a todos os oferecimentos amáveis, recusando todos os presentes e fazendo voltar, desenganados e tristes, quantos moços lhe faziam a corte.Essa intratabilidade era naturalmente levada a mal por todos, e o próprio cura da aldeia sentiu-se impelido, por fim, a interrogar a sua estranha penitente acerca do misterioso orgulho que a fazia recolher-se inteiramente em si mesma. 0 que ela lhe respondeu nada tinha de criminoso, motivo por que não o confiou ao sacerdote sob o sigilo da confissão. Assim, pois, dentro em breve a aldeia em peso ficou sabendo com que olhos Pia considerava o futuro.Nascera ela exatamente naquele 14 de junho de 1800, quando se travou a batalha de Marengo, tão perto de Spinetta. Nas horas difíceis do parto, a mãe ouvira o troar dos canhões dos franceses e sofrera dupla ansiedade, pois que o marido estava combatendo lá mesmo, sob as ordens de Desaix. Destarte, viera a criança ao mundo inegavelmente sob o signo de Marte, e tivera por pai um herói, a quem o primeiro-cônsul em pessoa elogiara no campo de batalha, nomeando-o sargento. 0 orgulho da família só fez aumentar quando, cinco anos depois, o poderoso, ante o qual tremiam todos os impérios da Terra, apareceu de novo perto daquela aldeia obscura, desta vez como imperador da França e na iminência de pôr na cabeça, em Milão, a coroa da Itália também. 0 imperador veio passar revista às tropas na planície de Marengo. Aí a esposa do sargento não pôde resistir à tentação; partiu em companhia da filha e, juntando-se à população inteira da aldeia, foi assistir àquele espetáculo magnífico. A meninazinha, com toda a vivacidade dos seus cinco anos, não compreendia bem, naturalmente, o que aquilo significava. Terminada a revista, quando o imperador, com o seu brilhante séquito, retornava lento a Alexandria pela estrada real, estava a mãe na primeira fila da ala interminável formada pelos camponeses dos arredores. Para que Pia pudesse ver direito o imperador, levantou-a bem alto, apesar de a pequena já se manter com firmeza nas próprias pernas. Ao ouvir os gritos de “Lá vem ele! Ei-lo! É aquele que vai na frente, a cavalo! Evviva l’Imperatore!”, a meninazinha, quando o raio dos olhos escuros do soberano lhe feriu o rostinho vermelho e branco, presa de repentino encanto, estendeu os braços nus ao herói admirável e gritou evviva! com voz tão clara, que essa manifestação de alvoroço infantil chegou aos ouvidos do monarca por cima de todas as demais vozes, e fê-lo colher um instante as rédeas. Num abrir e fechar de olhos, ergueu a franzina criança e colocou-a na sela diante de si, encarou-a fixo por alguns segundos nos grandes olhos negros, que suportaram aquele olhar demoníaco sem pestanejar, beijou a pequena fronte orlada de cabelos crespos, e depois devolveu a menina à mãe, que, imóvel como uma estátua, fascinada por aquele favor inaudito, nem sequer viu atrás do triunfador, que esporeou o cavalo, o próprio marido, passando exausto e coberto de pó, dentro do seu regimento, perante a mulher e a filha.Ninguém há de estranhar que a ocorrência tenha exercido impressão descomunal e inesquecível sobre as testemunhas oculares, particularmente os conhecidos mais próximos da família. “Esta é a Pia, a quem o imperador beijou!” — ouvia-se durante anos ainda, cada vez que algum forasteiro reparava na linda menina esbelta, a qual, por sua vez, tanto pela maneira de trajar como pelo procedimento, dava a entender que se sentia de certo modo enobrecida por esse lendário acontecimento de sua infância. Apesar de pobre, Pia andava sempre calçada, nunca tolerava um remendo na saia ou na grosseira roupa de linho que ela própria fiara e tecera, e usava os longos cabelos numa trança larga por cima da fronte, como se fosse um diadema preto. Suas companheiras não gostavam muito dela, chamavam-lhe princesa e até imperatriz, o que ela aceitava como coisa perfeitamente normal; e junto aos rapazes procuravam fazê-la passar por louca, dizendo que sua cabeça, por detrás daquele diadema trançado, não regulava muito bem.Contudo, essa maledicência não mereceu crédito da parte masculina da mocidade, tanto mais quanto não tinha fundamento. Pia, embora dotada de forte amor-próprio, não menosprezava ninguém; e se o beijo do imperador produzira tolices naquela cabeça jovem, tudo não passava de uma propensão a sonhar e a cismar, que se apoderava dela de vez em quando. Em tais ocasiões, cria ouvir vozes secretas que lhe falavam num magnífico futuro, brilhante e honroso, de modo tal que se sentia de novo presa do mesmo delicioso tremor que experimentara no momento em que o vencedor de Marengo a tomara na sela. Inteligente como era, bastava-lhe passear os olhos pelas pobres paredes da casa para se arrancar às insinuações de sua imaginação; e quando teve de cuidar sozinha da irmã, suas cismas se tornaram cada vez mais raras. Fosse como fosse, era por causa delas que sempre se recusava a empregar-se; e se, com todo o trabalho pesado, punha um especial cuidado no trajar, isto se explicava pelo íntimo pensamento de que um belo dia surgiria outro príncipe e olharia para ela; teria então de se envergonhar se andasse desleixada e suja.No entanto, sua aversão aos numerosos pretendentes não provinha de ela só julgar digno de si algum grão-senhor; porém — como o confessara, enrubescendo, ao cura — da fiel afeição que tinha ao rapaz mais pobre de toda a aldeia. Era um jovem camponês chamado Maino, que também perdera os pais havia muito tempo, e tivera de ganhar a vida primeiramente como jornaleiro, depois como pedreiro, num trabalho honesto, porém rude. Aliás, esta circunstância não lhe punha termo ao bom humor, nem mesmo à impertinência: em toda a região não havia camarada mais alegre e impertinente, nem mais disposto a pregar uma peça a alguém. Era um rapaz de grande beleza, espessa cabeleira crespa, olhos negros e ardentes, peito largo e pernas de cervo; de mais a mais, possuía uma voz clara e sabia milhares de rispetti e de ritornelos, que acompanhava na guitarra. Seu único defeito, além da grande pobreza, era o sangue excessivamente férvido, que volta e meia o envolvia em brigas nas quais os facões saíam muito depressa da bainha. Até então, porém, houvera-se em todas sem cometer nada grave; e, à proporção que se tornava homem, reprimia cada vez mais as suas paixões, não pela razão, mas por um poderoso orgulho, que lhe fazia evitar rixas vulgares e poupar as forças para ocasiões mais sérias.Também o amor contribuía para moderar aquele selvagem. Pia era apenas uma mocinha, quando Maino lhe declarou que ela não poderia pertencer a ninguém senão a ele. A despeito de todos os seus sonhos imperiais, nada lhe objetou a menina. A pobreza do jovem pretendente não a fez recuar: aprendera consigo mesma que nobreza verdadeira e mentalidade principesca podiam muito bem existir sob trajes humildes. No entanto, após a morte da mãe, pediu-lhe se abstivesse de frequentá-la e não falasse a ninguém daquele acordo secreto antes de estar em condições de ter o seu lar, onde haveria um lugarzinho para a Margaridinha também. Esperaria com prazer, mas ele tinha de chegar a mais do que simples oficial: ela só daria a mão a um artesão livre e independente. Bem sabia como era necessário exortá-lo a um trabalho assíduo, pois Maino a teria desposado assim como estavam, para depois viverem do dia-a-dia.Porém, depois que ela, a fim de se eximir da tacha de soberbia, confessara ao Sr. Cura o seu compromisso com o rapaz, e que essa revelação inesperada provocara sensação geral, Maino achou que já não havia motivo para reserva, e passou a frequentar a amada em todos os feriados, e até, por um tempinho, nos dias úteis; entretanto, ela nunca lhe permitiu transpor a soleira da casa. Ali poderiam ser vistos nas lindas tardes, não raro até alta noite, sentados num banquinho, com a Margaridinha a brincar-lhes aos pés até que adormecia, abraçada ao pescoço do cachorrinho Brusco. Só então podia Maino permitir-se umas carícias inocentes na linda noiva pudica.Todavia, apesar da impetuosidade da sua paixão, o respeito que ela lhe inspirava, como se fora um ser superior, mantinha-o dentro de certos limites.— Ó Pia — dizia-lhe —, sei que não sou digno de ti; e se pudesse imaginar que um mortal pode amar-te melhor e mais fielmente do que o pobre pedreiro — pelo sangue de Cristo! —, me enforcaria na primeira árvore e te deixaria ficar feliz como mereces. Mas tem paciência! Todos os dias ainda acontecem no mundo verdadeiros milagres; e, assim como pôde o corso desconhecido tornar-se um grande imperador e o senhor do mundo inteiro (o seu esplendor só teve aquele indigno fim porque ele amava mais a si mesmo do que aos povos), assim o pobre Maino poderá um dia tornar-se um grão-senhor e tratar-te como a uma princesa no seu palácio.Ela ria, incrédula, ao ouvi-lo falar desse modo, e procurava tirar essas quimeras da cabeça do amado, a fim de que ele se esforçasse o mais possível para alcançar a realização de seus desejos sem esperar milagres. Aconteceu, porém, algo que se assemelhava bastante a um milagre e tornou possibilidade imediata o que parecia estar a enorme distância.Um belo dia, muito antes do fim do trabalho, Maino apareceu na aldeia com a fisionomia radiante. Contra a vontade da noiva, não quisera fechar todas as portas à sorte e fizera um jogo forte na loteria. Pois deu-se o que não se dera desde tempos imemoriais: saíram os quatro números em que ele jogara. Esse quaterno bendito trouxe-lhe um bom montezinho de liras, que o punha em condições de se estabelecer como artesão independente, montar casa e desposar a moça a quem o imperador beijara na fronte.A essa altura a noiva concordou sem a mínima restrição. Seu consentimento em um matrimônio rápido provinha menos do dinheiro que do fato de este haver sido trazido pela própria deusa Fortuna. Via agora a Maino com outros olhos, como a um favorito dos deuses. Embora sua inteligência não lhe permitisse crer que se abriria ao noivo uma carreira tão brilhante como a do alferes corso, avistava-o, na imaginação, ornado de honrarias e dignidades, como o primeiro homem da aldeia, e talvez até prefeito de uma das cidades vizinhas, caso a fortuna lhe permanecesse fiel.Além disso, tinha vinte e dois anos, gostava daquele atrevido com todo o coração e desejava realmente ser sua esposa.O noivo fazia questão de um casamento esplêndido. Convidou à taberna todos quantos eram aparentados, de longe ou de perto, com as duas moças — isto é, a metade da aldeia —, contratou músicos em Alexandria e encomendou um tonel do melhor vinho do país. Escusado dizer que fez vestir à noiva e à menina Margaridinha lindos trajes novos, da cabeça aos pés. Até o cachorrinho Brusco obteve uma festiva coleira de veludo vermelho com uma campainhazinha de prata, e após o dia do quaterno o afortunado Maino nunca foi ver a noiva sem levar-lhe um ramalhete a ela e uma salsicha ao cachorro.Quando, passados quinze dias sobre o feliz acontecimento, chegou o dia marcado para as bodas, apareceu o noivo a cavalo com quatro ou cinco amigos igualmente montados, pois a aldeia de San Giuliano Vecchio, onde todos trabalhavam, fica muito longe de Spinetta pela estrada de Tortona, e um pretendente e seus companheiros não deviam mostrar-se em vestes e sapatos cobertos de pó. A noiva recebeu-o rodeada de madrinhas. Era ela a mais bela e a mais majestosa de todas, com um riso tão radiante que o bom rapaz pensava que o Céu ia abrir-se, e só a custo lograva não dar pulos de alegria. Apeou-se com muito garbo, estendeu a mão à bem amada, e pronto se dirigiu com ela à igreja, procurando manter toda a dignidade requerida pelas antigas tradições da terra.Desde tempos imemoriais era exigência de qualquer boda decente, em Spinetta, que no caminho da taberna à igreja, na ida e na volta, os amigos do noivo disparassem para o ar morteiros, espingardas, pistolas, tudo o que desse estouro. Desde a dominação absoluta de Carlos Félix, porém, como ainda não se houvesse extinguido o receio das conspirações dos carbonários, era proibido aos camponeses ver uma arma de fogo, e ainda mais ouvir-lhe a detonação. Os gendarmes reais, espalhados pelas aldeias, fiscalizavam rigorosamente a observação dessas ordens, e até os disparos feitos nas bodas, em sinal de regozijo, emudeceram a partir do ano 21.Até então a alegre mocidade da aldeia, que em todas as festas gosta sobretudo de barulho, observara a proibição rangendo os dentes. Maino, porém, não se resignava a celebrar o próprio casamento sem aquela música belicosa. Julgava-a conveniente à noiva, filha de um valente soldado morto na guerra; e ainda que não se gastasse tanta pólvora como na coroação do grande imperador-soldado, ou no casamento deste com a filha do imperador da Áustria, as bodas de alguém que houvesse ganho um quaterno não deviam ser iguais às de outro camponês qualquer.Quando o cortejo tinha percorrido metade do caminho da igreja, os amigos de Maino entraram a soltar vivas e gritos e a disparar as espingardas. O próprio noivo, ao ouvir esses rumores tão esperados, levou as mãos ao cinto, tirou um par de pistolas antigas, mas bem trabalhadas, e disparou-as para o ar, apesar dos insistentes pedidos de Pia, que previa desgraça.Em circunstâncias normais essa contravenção teria sido, quando muito, castigada com multa ou apenas com uma severa advertência aos culpados. Infelizmente, porém, um dos dois gendarmes estacionados em Spinetta fora namorado da noiva. Concebera, baseado em sua autoridade, grandes esperanças, e considerava ofensa pessoal, ao mesmo tempo que manifestação de desprezo à honra da profissão, que a linda Pia tivesse preferido o pobre pedreiro. Na véspera do casamento, andou por toda parte chocando planos de vingança e convidou seus colegas de Parodi e Mandrogne, aldeias vizinhas, a virem a Spinetta no dia seguinte, pois podia haver briga; e se o vinho subisse à cabeça dos camponeses, eles dois não bastariam para evitar desordens.Assim, quando estouraram aqueles tiros inocentes, surgiram no meio da estrada os seis gendarmes bem armados, pedindo a entrega das armas; e o rival repudiado, alcunhado Barbone, dirigiu-se a Maino com ar de triunfo, para prendê-lo como instigador de todo aquele barulho. Ou por já terem bebido em excesso do vinho tinto do ano anterior, ou por se acharem revoltados com tamanha malvadez, os rapazes opuseram-se abertamente à autoridade, e o próprio Maino, a quem semelhante humilhação em presença da noiva tornara quase branco, respondeu a Barbone com tão espirituosa ironia, que todos os presentes soltaram uma gargalhada. O rival furioso, esquecido de qualquer moderação, pegou o inimigo pela gola a fim de arrastá-lo pessoalmente à cadeia. Num relance a faca de Maino brilhou, como seus olhos em brasa; houve uma luta de punho contra punho, de espada contra faca, as mulheres e as crianças berraram, os homens foram tomados de verdadeira fúria. Entraram os gendarmes em luta com os amigos de Maino, e só houve trégua quando o sacerdote, que ouvira de longe o ruído da disputa, apareceu na soleira da igreja, todo paramentado, e levantou a voz para adverti-los. Verificou-se então, com espanto, que Barbone e dois gendarmes jaziam no chão, deitando sangue por várias feridas, e que os trajes domingueiros de Maino estavam também salpicados de sangue, enquanto pesadas gotas caíam duma fenda de sua manga de veludo.Uma pausa sombria e um espanto silencioso sucederam, de repente, ao tumulto. O sacerdote aproximava-se a passos rápidos. Ninguém sabia como ia terminar a festa tão brutalmente perturbada. Maino foi o primeiro em voltar a si. Lançou um olhar de ódio mortal a Barbone, que gemia no chão, segredou ao ouvido da noiva petrificada uma palavra que ninguém compreendeu, abraçou-a com veemência, beijou-a na boca descorada, fez sinal a seus companheiros, e num abrir e fechar de olhos desapareceu em meio à multidão, no momento exato em que chegava o cura, ofegante, chamando o noivo pelo nome para informar-se do ocorrido.Os tiros ouvidos pouco antes e a vista dos defensores da lei estendidos no chão fizeram-no adivinhar a verdade. Apenas mandou vir o barbeiro e perguntou aos feridos como se sentiam, vieram-lhe anunciar que o noivo e todos os seus companheiros tinham de novo cavalgado e partido com a rapidez do raio, provavelmente para a mata próxima de Tortona, a menos que houvessem tomado esse caminho para despistar os perseguidores. Nesse caso teriam encontrado um esconderijo nos montes e nas selvas em redor de Novi.Tal foi o lastimável desfecho das bodas. O noivo fugiu para o mato como um criminoso, um bandido; quanto à noiva, teve de retornar à sua casa solitária e recomeçar a antiga e monótona vida de solteirona ao lado da irmãzinha.Depois do primeiro susto, no entanto, a linda moça pensativa parecia resignar-se a esse partido sem maior dificuldade. Esquiva a todas as manifestações de compaixão, pegou Margaridinha pelo braço e enfiou pelo caminho de sua casinha abandonada, onde os vizinhos tornaram a vê-la, naquele mesmo dia, no traje de sempre, a cuidar com indiferença dos trabalhos da casa.Ao cura, que, fiel ao dever, veio visitá-la à noitinha para se informar do seu estado de espírito, declarou que naturalmente lamentava o acontecido, mas confiava na sua estrela e na de Maino. Sabia serem ambos fadados a um destino excepcional e excelso; tudo estava em não desanimar durante o tempo da espera.De suas palavras se depreendia que o noivo lhe estava mais perto que nunca do coração, por se haver oposto com tamanho heroísmo à impertinente arbitrariedade. Quanto a esse ponto, não se deixara convencer nem sequer pelo padre. O próprio imperador Napoleão — afirmava — não teria realizado nem metade do que fizera, se tivesse dado a qualquer gendarme o direito de lembrar-lhe as prescrições existentes.O padre viu, perplexo, que uma estranha espécie de mania de grandezas se apoderara daquela cabecinha de mulher, e resolveu combatê-la na medida de suas forças. Naturalmente isto só podia ser feito aos poucos. Não tardou se soubesse, na aldeia, que Maino fora visto com os seus companheiros nas proximidades de Novi. Embora fossem insignificantes as feridas de Barbone e de seus colegas, governo e polícia não podiam tomar o caso por brincadeira, num momento em que o carbonarismo, mal refreado, continuava ardendo sob as cinzas e só esperava o primeiro sopro de vento para inflamar-se. Iniciou-se, pois, enérgica perseguição ao perturbador da ordem e aos seus cúmplices, no estilo de todas as razias policiais, em que sempre se deixa à fera perseguida o tempo de escapar, em parte para prolongar quanto possível o prazer da caça. Dessa maneira o poder do Estado transformou os pobres-diabos, que apenas se haviam ensaiado como diletantes e por necessidade na arte de saltear, em refinados virtuoses, que terminaram fazendo da necessidade virtude, e por nada neste mundo trocariam o seu novo ofício pela antiga profissão, tão penosa.Tudo isso chegava aos ouvidos de Pia, que parecia considerá-lo sem o menor desespero, como coisa natural e de modo algum infamante. Concordavam todos, aliás, em dizer que o seu Maino exercia de modo generoso o ofício de salteador, poupando e até auxiliando os pobres e miseráveis, atacando só os grandes e poderosos, sem se manchar com atos sanguinários ou traiçoeira crueldade. A aldeia de Spinetta, onde até então ele não gozava de nenhuma consideração particular, começava a aludir ao filho famoso com admiração e respeito. Quem por acaso o encontrasse nos montes não se cansava de elogiar-lhe a aparência vistosa e a maneira fidalga como tratava os concidadãos. Pelo contrário, a Barbone — que ao cabo de umas semanas de hospital, embora manquejando por causa da ferida na coxa e arrimado a um bordão, retomara o serviço — todos o evitavam; com toda a sua dignidade oficial, ele só via caras fechadas e ouvia pragas mal reprimidas, andasse por onde andasse.Assim decorreram alguns meses. O verão aproximava-se do fim. A noiva solitária perguntava a si mesma, suspirando, que fim levara nos montes, durante a estação rigorosa, a fera perseguida, e sua confiança na estrela de Maino entrava a declinar. Uma noite, no momento em que a Lua apontou, brilhante, acima do telhado da igrejinha, o cura de Spinetta, a quem a velha criada acabava de servir a terrina com a polenta e o prato com o pão e as azeitonas, estava sentado na cozinha, onde usava tomar as suas refeições, a uma mesinha perto do fogão. Preparava-se para descer à adega, a fim de encher de vinho tinto um frasquinho, quando a porta se abriu muito devagar. Ouviu-se um “boa noite, Sr. Cura”, e um homem de vestes estranhas passou pela soleira. Na realidade, assemelhava-se às figuras de ladrões fantasticamente enfeitados que, na Itália, só se vêem no teatro, nas representações de Fra Diavolo. Trazia a tiracolo uma excelente espingarda inglesa de dois canos; do grande xale de seda vermelha que lhe envolvia a cinta emergiam duas pistolas de cabo prateado; tinha o rosto e as mãos limpas, e os cabelos crespos reluzentes de óleo aromático.O cura, que de pronto reconhecera o famoso herói de Spinetta, assustou-se, apesar de tudo, e fitou a aparição sem falar, de olhos escancarados, enquanto a velha criada se refugiava, berrando, ao pé do fogão. Maino, porém, aproximou-se com um cordial aceno de cabeça, tirou o chapéu de abas largas e pluma trêmula, cuja longa corrente de ouro fez tinir nos ladrilhos, e pediu ao reverendo que ficasse descansado: não tinha contra ele más intenções, nem queria incomodá-lo senão o tempo necessário para resolver o assunto que ali o trouxera, a saber, que seu casamento, tão desagradavelmente obstado havia algum tempo, fosse afinal efetuado com todas as regras.Fez um sinal em direção à porta, e Pia entrou, tímida, de vestido de noiva como da última vez, mas via-se quão poucos momentos tivera para se enfeitar. Atrás dela, divisavam-se no corredor várias silhuetas escuras com as espingardas cintilantes; e em frente à casa uma grande multidão, aparentemente toda a população de Spinetta, aguardava o que ia acontecer.O cura, embora muito mais corajoso que o seu famoso colega D. Abbondio, compreendeu que não podia pensar em resistência; e como todas as formalidades de praxe tinham sido satisfeitas antes do primeiro dia marcado para a cerimônia, sua consciência sacerdotal nada tinha que opor à bênção daquele consórcio. Contudo, julgou necessário perguntar se Maino estava certo de que a cerimônia não seria outra vez impedida por um protesto do poder secular, ao que o noivo, que depois de chefe de bando parecia ter crescido algumas polegadas, declarou com um sorriso superior que até o dia seguinte certamente não seriam incomodados, pois tivera o cuidado de pôr em segura custódia os pérfidos desmancha-prazeres: os dois malditos tratantes, o Barbone e seu miserável adjunto, jaziam atados por cordas novas no depósito das bombas, mais que suficientemente aferrolhado e vigiado. Ele queria, aliás, passar a noite com sua jovem esposa em casa desta, e no dia seguinte deixar a aldeia por muito tempo, talvez para sempre.— Sr. Cura -— concluiu, com um sorriso que lhe pôs à mostra todos os dentes, iluminados pela luz do fogão —, um galantuomo encontra a sua pátria em qualquer lugar onde há galantuomini, e neste nosso bendito Piemonte essas frutas são tão raras como figos no telhado da igreja. Tenciono ir morar com minha mulher na França ou na Espanha, onde cada um tem o tratamento que merece. O melhor prato, Sr. Cura, perde o sabor se é queimado, e os meus desafetos daqui levantaram uma fumaça e um fedor tais que fazem brotar as lágrimas. Não lhe peço, aliás, reverendo, serviço gratuito: eis aqui a taxa!Aproximou-se da mesinha e contou uma dúzia de brilhantes ducados de ouro, depondo-os junto à lâmpada. A essa altura o padre notou que ele vacilava e as mãos lhe tremiam um pouco. Devia ter bebido copiosamente, e o menor empecilho à sua vontade podia transformar o travesso bom humor que lhe dera o vinho numa raiva incontida.Não hesitou o padre um instante sequer: recebeu o pagamento principesco e declarou-se pronto a preceder os noivos no caminho da igreja.Nesse ínterim a tardinha fora substituída pela noite, mas o trecho de rua entre a casa paroquial e a igreja estava alumiado por uma porção de archotes empunhados pelo numeroso séquito de Maino, sem falar nos lampiões e nas velas com que, por ordem superior, os habitantes da aldeia haviam iluminado as suas janelinhas. Também esses pareciam ter esvaziado mais de um copo, a expensas de seu famoso concidadão. Assim como assim, estavam todos alegres, e receberam o sacerdote e os noivos com vivas e jubilosos disparos de armas, que tinham um som maligno, agora que os inimigos dessa música inocente só podiam ouvi-los de longe, do fundo da prisão escura. Nem faltavam outros instrumentos: havia na aldeia duas guitarras e uma clarineta, cuja exibição se reservava, porém, para o banquete nupcial, na taberna.No momento em que o padre e os nubentes pararam diante do altar, houve pequena demora. Fazia o noivo questão de que, além das duas velas acesas, se colocassem outras em todos os candelabros da igreja, e que esta fosse toda iluminada como nas maiores festas. Sem se deter muito em contá-lo, jogou o dinheiro necessário na pia batismal e ordenou tocassem ao órgão suas canções prediletas — uns cantos de guerra então em voga e uma ária de ópera célebre. Entretanto a humilde igreja se revestia de um esplendor fabuloso; e quando o belo rapaz fardado e armado conduziu a linda noiva ao altar, um grito de admiração irrompeu da numerosa assistência; e qualquer dos moços presentes haveria trocado a sorte com o noivo, e qualquer moça com a noiva, mesmo ao preço do exílio e da excomunhão.O cura, porém, o único a sentir-se pouco à vontade, apressava-se em pôr termo ao discurso e à bênção; e agora que os noivos haviam realizado o seu intento, ligando-se indissoluvelmente um ao outro, queria retirar-se para a sacristia com um rápido adeus. No entanto, Maino embargou-lhe o passo e disse-lhe cortes mente, mas também naquele tom estranho:— Reverendo, estamos casados, a despeito do Sr. Barbone e do respeitável governo; mas V. Revma. tem de nos prestar mais um serviço.— Não te compreendo, filho — respondeu o padre, que mal alcançava esconder a sua consternação ao ouvir falar em nova exigência.— Prestei juramento sagrado, pelas sete chagas de nosso Salvador — disse Maino —, de não sair desta igreja com minha querida esposa, a Sra. Pia Maino, antes de sermos coroados imperador e imperatriz de Spinetta. V. Revma. deve saber que minha mulher é a coroa e a pérola de todas as mulheres, e foi reconhecida como tal desde criança pelo maior dos heróis do século e de todos os tempos, que a beijou na fronte, querendo com isso proclamá-la sua igual, digna de trazer um dia uma coroa. Eis por que lhe rogo, visto que se acha entre nós, proceda à nossa coroação e unção. Isto se faz num instante; e quanto à taxa, para compensá-lo do incômodo...Meteu mais uma vez a mão no bolso para tirar dinheiro.— Estás brincando, meu filho — disse o eclesiástico, procurando sorrir. — Quem sou eu, para conferir honrarias profanas, ainda que tu e tua jovem esposa sejais dignos delas? Além disso, com que vos coroaria e ungiria? Na nossa humilde igreja...— Nada de rodeios, reverendo, nada de farsas, com perdão da palavra. V. Revma. não quer executar o ato sagrado e não nos considera dignos dele. Mas eu sei o que estou dizendo. Possa eu valer tão pouco quanto um pêlo da barba do Barbone, se sair desta igreja sem ser coroado! Não faça, pois, tantas cerimônias! Tem santos óleos à vontade lá na lâmpada eterna, ao pé da Madona; e quanto às coroas...Passeou os olhos ao longo das paredes, aproximou-se tranquilo de um par de figuras de santos, de tamanho natural, postas sobre colunelos, e que traziam antiqüíssimas coroas de zinco dourado, cobertas de pó. Arrancou duas delas, soprou a poeira dos furos ornamentais e limpou a douração na manga do casaco de seda; levou-as cuidadoso ao altar e colocou-as na tampa do tabernáculo:— Ei-las! À falta de outras, servem. Vamos, mãos à obra!— Maino! — gritou a jovem esposa, no auge do horror e do espanto. — Que fizeste? Os santos do Céu...Não chegou ao fim; um olhar do marido a emudeceu.Porém o cura não se deixou intimidar por aqueles olhos dominadores.— Protesto solenemente contra tamanho sacrilégio! — bradou em voz tão alta, que até os destemidos companheiros de Maino estremeceram. — Sabes, fanático, que estás provocando a cólera de Deus ao tocares nos adornos da igreja, nas coroas dos santos, para pô-los ao serviço de teu orgulho profano? Sai daqui, e implora à Santíssima Virgem que te perdoe esse ato sacrílego e interceda em teu favor junto ao Senhor do Céu! Por mim, lavo as mãos; não tenho parte nesta profanação.Com tais palavras, deu meia-volta e, em companhia do menino que o auxiliara no casamento, desapareceu na sacristia antes que alguém pudesse lembrar-se de o deter.Durante um momento pareceu que esse corajoso protesto exercera realmente alguma impressão na alma empedernida de Maino. Mas a antiga impertinência reacendeu-se, e ele gritou numa gargalhada:— Vai-te embora, mesquinho servidor da tradição, pobre padreco de aldeia que não sabes tratar com pessoas ilustres! O que eu jurei, hei de cumpri-lo contra a tua vontade e sem o teu auxílio. Não pôs o grande imperador, em pessoa, a coroa de ferro na própria cabeça, em Milão, porque sabia que as mãos de um poltrão dizedor de missas tremeriam se ele lhes atribuísse tal encargo? Pois, meus amigos, farei o mesmo: coroarei com as minhas próprias mãos a mim e à minha querida esposa, e direi como ele disse em Milão: “Deus me deu esta coroa: ai de quem nela tocar!”Dizendo, tomou com as duas mãos as duas coroas e pôs uma na própria cabeça e a outra na de sua recente esposa, sem se importunar com os gestos de protesto de Pia, que novamente caíra de joelhos e, como que mordida por uma cobra, estremeceu quando o leve adorno de metal lhe tocou a fronte. A coroazinha, aliás, não lhe ficou presa no cabelo; caiu nas escadas do altar. Um menino da aldeia apanhou-a. Maino, porém, trazia o seu diadema imperial como se fora forjado sobre a cabeça; e quando, a um seu gesto senhoril, os companheiros levantaram um brado de júbilo e acorreram a dar parabéns ao imperador e à imperatriz de Spinetta, ergueu do tapete a moça ajoelhada, pediu-lhe, a um tempo com seriedade e ternura, que voltasse a si e se lembrasse de sua dignidade; e conduziu-a, entre alas de povo, à taberna, aonde todas as testemunhas dessa estranha cerimônia afluíram em tropel.Ouviram-se novas salvas de regozijo, às quais se vieram misturar os sons mais modestos da clarineta e da guitarra; mas os convidados haviam emudecido inteiramente. Só o vinho, que a expensas do noivo corria em jorros, pôde soltar-lhes as línguas empedernidas. No meio da festa, não cessavam os circunstantes de olhar com íntimo horror para a brilhante coroa que o hospedeiro trazia em seus cabelos crespos; e observavam baixinho, entre si, como a linda mulher ficava pálida e muda ao lado de Maino, de espírito completamente alheado, sem ter umedecido os lábios com o vinho rubro e sem ter-se rido uma única vez das picantes pilhérias do entrevado Beppo, o bufão oficial da aldeia, pilhérias de praxe em todas as bodas, e a que nem agora ele fugia.— Tudo está certo — murmurou o barbeiro ao ferreiro seu compadre —, tudo está certo: nem por estar no mato o pessoal pode dispensar mulheres, e o casamento foi feito in regola; mas este negócio de coroação ainda vai custar-lhe caro, sou eu quem lhe digo, compadre. Um sacrilégio é um sacrilégio; a gente pode se indispor com o governo, mas com a Igreja não tem conversa. Olha só a Pia. Até parece que atrás da fronte alguma coisa se transformou em pedra, quando a coroa benta a tocou. Mas, afinal, que temos nós com isso? Bebemos o vinho de Maino por sermos a isto obrigados, senão ele se ofendia e se vingava de nós. Podemos jurá-lo no tribunal, se eles se lembrarem de nos prender. Maino que veja como se sai desta.O homem a quem se referiam tais palavras não parecia preocupar-se absolutamente com a maneira por que teria de responder pelo que fizera. De rosto radiante em meio dos convidados, que bebiam à larga, só uma que outra vez esvaziava o seu copo, mas era o mais alegre e o mais loquaz de todos. Ria de cada uma das gracinhas tolas com que o bufão lhe homenageava a alteza imperial e o estado de marido, e contava toda espécie de historietas divertidas da vida livre e ousada que levava nos montes. De vez em vez até cantava uma cançãozinha de amor, apertando mais a si a sua muda noiva, sem lhe estranhar a atitude absorta e rígida. Somente quando os moços começaram a dançar, e eles dois também se levantaram, foi que reparou na palidez mortal do rosto dela. Com suave insistência, levou-a para o quintal silencioso da taberna e perguntou-lhe o que tinha, se não se sentia bem. Em vez de responder, ela o abraçou com ansiosa veemência e com tamanha força, que lhe fez quase parar a respiração; e ele sentiu-lhe tremer todo o corpo, como presa de febre.Em vão lhe fazia perguntas e pedidos. Pia se obstinava em seu mutismo, de tal sorte que ele acabou deixando de interrogá-la; afinal, tão grandes eram as emoções daquele dia, que poderiam fazer sair dos eixos até um temperamento forte. Decidiu, pois, retirá-la do tumulto da festa, uma vez que não podiam dormir muito tempo, devendo cavalgar e partir para o seu esconderijo nos montes antes da alvorada.Sem se despedir dos seus convidados, Maino conduziu a noiva, que o acompanhava feita uma sonâmbula, até à casinha dela. A pequena Margaridinha fora recolhida, por aquela noite, em casa de uma boa senhora, que tencionava tomar conta dela definitivamente: assim, não teria a criança de abandonar para sempre a sua terra. Os recém-casados foram acompanhados unicamente pelo cachorrinho Brusco, que ia alegre à frente dos dois, com a sua campainha a tinir, e introduziu-se até na câmara nupcial, onde se agachou na esteira, no cantinho de costume.Por volta da meia-noite Maino também adormecera, e a Lua, que espiava através do postigo aberto da janela, não podia encontrar em toda a redondeza rosto mais ingênuo e pacato que o do jovem proscrito, que parecia dormir o sono dos justos. Depusera a coroa na mesinha-de-cabeceira, sobre as vestes e as armas. No meio das paredes nuas e da mobília pobre, o adorno reluzia de maneira admirável. Quanto à coroa de Pia, essa ficara na taberna.Não devia ter dormido muito. O galo ainda não cantara, e mal aparecia na barra oriental do céu a tênue primeira luz do arrebol, quando Maino, em meio ao mais deleitável sonho de amor, ouviu um latido do cãozinho; e com a agilidade que aprendera em sua vida de bandido, afugentou das pálpebras o peso do sono e ergueu-se na cama.O lugar a seu lado achava-se vazio. Com o postigo meio aberto, pôde vislumbrar na penumbra tudo o que havia no quarto. Viu uma jovem sentada numa cadeira de palha, ao pé da janela, segurando um espelho nos joelhos e procurando com a outra mão fixar a coroa na cabeça, o que só dificilmente conseguiu. Vestida apenas da camisa em que saíra da cama, tinha os cabelos soltos a cobrirem-lhe em ondas largas as espáduas nuas. Sorria para o seu retrato no espelho e cantarolava em voz surda uma das estrofes que Maino cantara aquela noite. Foi a sua voz que despertou o cachorro, que rondava agora a ama com um ganido tímido.— Pia! — gritou Maino, num susto mortal — já acordaste? Que estás fazendo aí perto da janela? Ainda não amanheceu. Eles virão chamar a gente quando for preciso; ordenei-o com toda a severidade. Vem! Depõe a coroa. Dorme mais uma horazinha... o caminho é longo, e não estás acostumada a andar a cavalo...— Silêncio! — disse ela com o dedo em riste, mas sem se voltar para ele. — Não ouves? Estão chegando. Tive de me preparar para a recepção... uma imperatriz não deve mostrar-se ao povo sem a sua coroa... porém ela não quer ficar em minha cabeça... bem... agora... agora, sim... está certo... Só me falta o manto de púrpura.Num instante Maino saltou da cama e vestiu-se às pressas.— Pia — implorou-lhe, enquanto enfiava o casaco —, peço-te por todos os santos!— Silêncio! — volveu Pia. — Não invoques os santos! Com eles estragamos o negócio. Estão zangados conosco, por lhes havermos tirado as coroas. Mas — e sorriu, com ar estranhamente esperto — um burro faminto come a palha da cama. A necessidade não tem lei... por que é que o joalheiro não aprontou as nossas coroas para o momento útil? Uma vez os bons santos podem ficar de cabeça descoberta... ah-ah-ah!Maino correu para ela, agarrou-lhe as mãos frias como gelo e tocou-lhe a fronte, que parecia de mármore:— Misericórdia! Estás sonhando, Pia! Acorda! Olha, aqui estou eu, Maino, o teu marido, a quem partes o coração com as tuas palavras sem nexo. Deita-te, mulherzinha, curte essa loucura com o sono. Infeliz de mim, que sou a causa de tudo isso!— Não, não, não! — respondeu ela, olhando para a frente. — Não me enganes! Meu marido, o imperador, esteve aqui esta noite, mas depois saiu para a guerra, pois temos tantos inimigos! Horrível como a grandeza é odiada, como a alteza provoca inveja! Mas o imperador meu senhor há de esmagá-los todos, e eu lhes porei o pé no pescoço. Depois poderemos reinar em paz e grandeza, e Brusco será lugar-tenente de Spinetta, enquanto nós partirmos em visita às nossas províncias. Assim... assim... será que a coroa dá agora um ar bem imperial à minha cabeça? Ainda há uma teia de aranha pegada nela... não faz mal... melhor até, é mais santo assim... Imperatriz Pia... é esse o nome que me devem dar... e quanto a meu marido... espere, como é que se chama, mesmo? Tem um nome bonito... tem-me beijado mil vezes... mas são criancices... Só poderemos pensar nisso quando todos os nossos inimigos... mas ouve! Ei-los!Levantou-se da cadeira; o espelho deslizou-lhe dos joelhos e quebrou-se, tinindo, nos ladrilhos do quarto. Ela nem reparou; encostou-se à janela e fitou de olhos escancarados o amanhecer, lá fora. Maino, subjugado pela dor, estava diante dela. A desordem mental daquele ente querido, da qual ele devia sentir-se culpado, não lhe deixava outro pensamento. Buscou apartá-la da janela, implorando-a baixinho. Porém ela parecia não entender-lhe a voz, afastava-o com as mãos e permanecia como colada ao peitoril.— Ei-los! — gritou de repente. — Ainda não os estás ouvindo? Ei-los! Que venham; estou pronta.A essa altura, ele também ouviu um ruído esquisito, que vinha chegando pelo ar cinzento da manhã. Não era, porém, o tropel dos cavalos em que os seus companheiros deviam galopar em frente da casa, para despertá-lo e lembrar-lhe a fuga. Aproximava-se uma multidão de pessoas, mas a pé, cautelosamente; vinham pela rua principal. Deviam estar a uns cinquenta passos, no máximo. Com rápida resolução, Maino correu ao quarto maior, ao lado, que servia ao mesmo tempo de moradia e cozinha, e tinha uma janela para a rua. Através da fenda do postigo, pôde espiar a aldeia. Viu uma tropa de soldados aproximando-se com precaução, depois parando não longe da casa. Reconheceu o velho inimigo, o Barbone, que parecia aconselhar-se com o sargento. Uma terrível claridade iluminou-lhe o cérebro: os dois prisioneiros tinham conseguido desvencilhar-se dos laços, abrir os ferrolhos do cárcere, por ardil ou traição, e trazer reforços de Alexandria. Onde os seus infelizes companheiros? Certo, não fora muito difícil vencê-los, aturdidos que estavam pelo vinho. Faltava o remate: surpreender o chefe dos bandidos no leito nupcial e tirá-lo dali, como os filisteus a Sansão, em corrente e laços.Com uma praga enérgica, o moço duplamente infeliz recuou. Compreendera, num relance, que tudo estaria perdido se não se pusesse ao largo imediatamente.— Pia! — disse, precipitando-se no quarto — querem prender-nos e levar-nos. O inimigo está pertinho, mas ainda nos podemos salvar; aqui, por esta janela, através do milharal, por detrás do celeiro... ninguém me apanha assim tão facilmente, e, se te apressares...— Está certo — respondeu ela. — É bom sairmos daqui; estou impaciente de ver o nosso palácio. Mas a pé não é possível; não convém a uma imperatriz; manda-me o coche com os seis cavalos brancos... bonito... nem os santos os têm melhores...— Se a tua vida e a minha te são caras, minha mulherzinha, vem! — disse ele com desesperada pressa, enquanto procurava atirar-lhe um lenço à nuca descoberta. — Três segundos mais, e será tarde... e nós... não me estás ouvindo? já não me conheces?— Não me toques, atrevido! — gritou ela, com os olhos chamejantes. — Conheço-te bem... estás ligado aos nossos inimigos... não queres homenagear a minha majestade, como deves... mas juro-te pela coroa que tenho na cabeça...— Deus se compadeça da tua pobre alma! — bradou Maino, retirando-a da janela. — Fugirei sozinho, e virei buscar-te quando a tua pobre cabeça voltar a regular bem. Boa noite, minha mulher.Apanhou do banquinho, à pressa, as suas armas, apertou ao coração a pálida jovem, e pulou, pelo baixo peitoril, no quintal escuro. No mesmo instante se ouviram as coronhadas dos soldados no portão da frente; vozes ressoaram, chamando Maino; o cachorrinho latiu forte, e a casa estremeceu aos golpes com que procuravam rebentar a porta. Súbito, ressoou um tiro dentro da casa; houve um gemido, gritos e berros — “Assassinos!” — de todos os lados; o portão cedeu, e a tropa armada penetrou na casa silenciosa. Como não encontrassem ninguém, entraram no quarto, onde deram com a pálida criatura sentada à beira do leito, a coroa na cabeça, os braços cruzados no peito, a saudá-los com um riso silencioso e solene, como para lhes agradecer o terem vindo render-lhe homenagem.O espetáculo paralisou o ímpeto dos invasores, e por alguns minutos ninguém se atreveu a quebrar o silêncio. Só depois de alguns soldados haverem trazido o Barbone — que, ao querer prender Maino, fora abatido por uma bala mortal do seu inimigo — é que a tropa, intimidada, pegou a mexer-se, inquieta. Quiseram pôr o agonizante na cama, onde a louca permanecia como quem não tem a menor noção do que se lhe passa em redor. Porém o moribundo, ao reconhecer, com os olhos mortiços, aquela figura branca, fez um violento gesto de horror, indicando que não queria tocar naquele leito. Estenderam-no, pois, no chão, aos pés da coroada, que o fitou com sorriso condescendente. Poucos minutos depois ele expirava, antes que lhe pudessem trazer o sacerdote.Nunca mais viram Maino, que logrou escapar. Soube-se apenas, por uma velha que fora passar a noite na cozinha para vigiar a pobre demente, que mais ou menos uma semana depois desses acontecimentos aparecera, montado num cavalo de cascos envolvidos em panos, a fim de ver a bem-amada e levá-la consigo em sua peregrinação pelo mundo fora. Pia reconheceu-o de pronto e manifestou alegria ao revê-lo; mas, quando ele a quis abraçar, recuou estremecendo, como se a morte quisesse atraí-la, e pôs-se a chorar e a lamentar-se com tanta veemência, que ele teve de convencer-se da inanidade de qualquer esforço. Então separou-se dela com profunda mágoa, deixando-lhe numa bolsa de couro um monte de ouro, a fim de protegê-la para sempre contra a miséria, e desapareceu para nunca mais voltar.A bolsa foi encontrada no dia seguinte, no peitoril, pela guarda de Pia, e entregue ao cura, que deu o dinheiro à igreja para se rezarem missas por alma da pobre louca e do pecador seu esposo. Ignora-se que fim levou o fugitivo. Consta, porém, que até quase 1850 se via diariamente, em frente à última casa de Spinetta, uma pobre mulher sentada ao sol, trazendo na mão uma roca vazia, que inclinava como um cetro para os transeuntes, sempre meiga e cordial, os grisalhos cabelos trançados na fronte à feição de um diadema, pois a coroa fora devolvida aos santos. As crianças que passavam por ela, ao irem à escola, acenavam-lhe, dizendo:— Deus te abençoe, imperatriz de Spinetta!— Para sempre, amém! — ela respondia.(Aurélio Buarque de Holanda Ferreira e Paulo Rónai, Mar de histórias – Nova Fronteira, vol. 5, p. 266)

A FLAUTA DO MONGE INOCENTE - Jean de Quercy

Sabeis por que todos os anos multidões de peregrinos vão rezar em Dégagnazès? É que antigamente ocorreram lá as grandes coisas que eu vos contarei.No bosque, no local em que os mercadores montam suas barracas no dia de peregrinação, havia um convento com trinta monges vestidos todos de branco. Na realidade eram trinta e um, mas eu disse trinta, como todo mundo, porque o trigésimo primeiro não contava. Era um mongezinho não maior que uma criança, todo corcunda e um tanto coxo, conhecido como ‘o inocente’, por causa da sua simplicidade.Não falava com ninguém, mas sabia-se que era bom, porque tinha os olhos doces e os animais gostavam dele. Era o pastor do convento, e todas as manhãs, ao raiar do dia, saía do estábulo, onde dormia ao lado das suas ovelhas, e com elas atravessava os bosques floridos, à procura dos locais de pastagem.O monge amava suas ovelhas, mas amava ainda mais sua flauta. Era uma flauta de bambu, com seis orifícios, que ele mesmo fizera. Quando ele a levava à boca e soprava, abrindo e fechando com seus dedos os orifícios, poder-se-ia dizer que ela falava. Eu não sei se de fato falava, mas o certo é que todos, homens e animais, a compreendiam. A flauta punha ordem em todas as atividades da vizinhança. De manhã, quando o monge saía do convento tocando alegremente, os galos que o ouviam compreendiam que era hora de cantar, e cantavam a plenos pulmões. Os camponeses diziam: "Ouça a flauta do mongezinho. Está na hora de levantar". E se levantavam. As flores que se fecham durante a noite preparavam-se para abrir. O vento que dormia nos bosques começava a se mover e sacudir as árvores, para acordar os passarinhos.Ao meio-dia, quando o monge tocava uma música faustosa, as ovelhas se deitavam sobre as patas cruzadas, para o descanso do meio-dia, e os camponeses interrompiam o trabalho para comer o pão. Ao fim do dia, quando o monge voltava ao convento tocando uma música lenta e suave, as galinhas nos seus poleiros compreendiam que era hora de dormir, e também os camponeses cansados iam para suas camas. Que faria a pobre Dégagnazès sem o monge? Não saberia viver conforme a ordem e o horário que agrada ao bom Deus.Um dia o monge não saiu do convento, e tudo ficou de pernas para o ar. É que os ingleses devastavam a região, e os camponeses se refugiaram no convento com todos os seus animais. Mas, como não era fortificado, os ingleses entraram, apreenderam os seus bois, suas ovelhas, as tapeçarias da igreja, os cálices de ouro e toda a prata do mosteiro. Mas não ligaram para a flauta nem para as ovelhas do mongezinho. Logo que os ingleses se foram, o monge recomeçou a sair no horário de costume, tocando sua flauta e acordando os galos na hora em que eles deviam ser acordados.O prior do convento ficou furioso. Era um homem grande e vermelho, que queria ser sempre o mais forte, e que desprezava os simples e pequenos. Como os ingleses estavam por perto e podiam voltar, ele decidiu fortificar o mosteiro. Uma noite ele reuniu seus vinte e nove monges e lhes mandou porem mãos à obra, para trazer as pedras da montanha negra e quebrá-las, a fim de levantar um grande muro. Mas os monges desataram a rir:— Precisaríamos de cem anos para esse trabalho. Somos apenas homens, e o próprio diabo não o conseguiria.— Veremos — disse o prior. — Voltai para vossas celas, seus desocupados, porque eu vou à procura do diabo.O prior não sabia aonde ir e o que fazer para encontrar o diabo. Mas era tão orgulhoso, que estava certo de o diabo vir por si mesmo. Compreendeis bem que nessas circunstâncias o diabo não se faria de rogado. E realmente ele apareceu ao prior em uma clareira do bosque, vestido com roupa cor de fogo e trazendo na mão um tridente. O prior, que tremia um pouco, procurou dar a impressão de olhá-lo de cima.— Então você está por aí, seu preguiçoso. Quer dizer que você me ouviu quando pronunciei seu nome!— Fale com menos arrogância — respondeu o diabo. — Estamos sós, e é você que precisa de mim. E só o servirei se você me pagar bem. O que quer que eu faça?— Eu quero um muro que contorne o convento, com 10 metros de altura e três de espessura, com cem seteiras e um grosso portão de ferro. E precisa ser construído durante a próxima noite, entre o pôr-do-sol e o primeiro canto do galo.— Vejamos então a minha parte no negócio. Se eu construir o muro antes do canto do galo, você me dará sua alma e a de todos os monges que te pertencem por voto de obediência, e dos quais, portanto, você pode dispor... Mas o que é isto que eu estou ouvindo?Era o som da flauta, porque o mongezinho corcunda tinha visto raiar a aurora, e começava a tocá-la enquanto saía do convento. Como de costume, os galos acordados pela flauta se puseram a cantar, e toda a vizinhança começou a se movimentar. O diabo ficou mal à vontade com todo esse bulício do trabalho honesto, e não sabia mais o que dizer. Teve até desejo de fugir, quando viu aparecer na clareira o mongezinho entre suas ovelhas e cordeiros.— Não gosto desse anão mal construído — disse enfim. — Ele está com jeito de quem quer nos espionar. Eu vou-me embora, Sr. Prior, e depois apareço na sua cela.— Não se preocupe — disse o prior, que desprezava o mongezinho. — Esse anão é um tolo, um fraco de espírito, mais ignorante que os próprios animais. Ele não ouve nada, não sabe nada e não compreende nada. Podemos concluir tranqüilamente o nosso negócio.Parcialmente tranqüilizado, o diabo redigiu o contrato em um pergaminho e o leu em voz alta, fazendo-o assinar pelo prior, e em seguida desapareceu. O mongezinho havia compreendido tudo, como bem o podeis imaginar, e ficou triste o dia todo. Até se esqueceu de tocar a flauta ao meio-dia e à tarde, desorganizando novamente todas as atividades da vizinhança.Quando o sol se pôs, ele viu chegar um batalhão de diabos. Havia milhares, de todas as cores. Uns puxavam carroças carregadas de pedras, outros cavavam as fundações, outros assentavam as pedras. Todos permaneciam em silêncio. Não se ouvia nada, mas o muro ia se erguendo, e o mestre dos diabos ia de um lado para outro, em uma nuvem de fogo, empurrando com um tridente aqueles que não trabalhavam rápido. Chegou a meia-noite, o que significa que restavam ainda três horas para terminarem o trabalho antes do canto do galo. O muro estava quase concluído, e logo chegou a porta. O diabo deu um assovio, e todos os outros diabos se aproximaram para assentá-la. Era um trabalho difícil, mas os diabos, numerosos e fortes, acabaram colocando-a nos gonzos.O mongezinho compreendeu então que tudo estava perdido. Olhou para a flauta e chorou, pensando que no inferno ela não lhe valeria de nada. Mas tanto olhou para a flauta através de suas lágrimas, que afinal teve uma idéia. Acordou sem ruído suas ovelhas e cordeiros, que o acompanharam enquanto saía de mansinho, com a flauta à mão.Quando os diabos, lá no alto do muro, assentavam a última camada de pedras, ele começou a tocar a flauta, com toda sua força e toda sua fé. As notas da flauta se espalharam pelos campos e chegaram até os galos, que acordaram sobressaltados. E todos os galos de Dégagnazès, com medo de terem perdido a hora, puseram-se a cantar com todas as suas forças, e o seu canto chegou às muralhas ainda inacabadas do convento.O diabo compreendeu que havia perdido, e fugiu com todos os seus operários, urrando, enquanto o monge, alegre, continuava a tocar sua flauta, como para agradecer ao bom Deus.(Jean de Quercy, Contes de la Vieille France – Fernand Lanore, Paris, 1945)

A DEMONSTRAÇÃO DO PROF. ROUSS - Josef e Karel Capek

Entre os presentes sobressaíam: o Ministro do Interior e o da Justiça, o chefe da Polícia, vários deputados, altos funcionários, juristas preeminentes, cientistas de renome e, naturalmente, representantes da imprensa, pois estes metem o nariz em tudo.— Meus senhores — começou o Sr. C.G. Rouss, professor da Universidade de Harvard, nosso famoso patrício, hoje cidadão americano —, a experiência que eu vai demonstrar estar baseada em trabalhos já antigos de um grupo de eruditos cientistas, colegas e colaboradores meus. Indeed o assunto, de modo geral, não é novidade, e... realmente... é coisa até... batida — continuou, contente por lhe haver ocorrido a palavra exata. — Só the method, e, hum... a aplicação prática de some experiences teoréticas foram object do meu trabalho. Then, peço, principalmente aos senhores criminalistas, julgarem a coisa na base de sua própria prática. Well! Vejamos! É o seguinte: Eu direi uma palavra, e os senhores deverão responder-me com outra palavra que just in the moment lhes ocorra, ainda que seja um nonsense... ou... uma bobagem, quer dizer, um disparate. E no fim da experiência eu ir dizer, conforme as palavras respondidas pelos senhores, o que há nas suas cabeças, o que estão pensando e o que estão escondendo. Compreendem, gentlemen? Eu não vai esclarecer teoreticamente: trata-se de associações, idéias reprimidas, um pouco de sugestão e something else. Eu vai ser muito breve: o que se precisa, é... well... é eliminar a vontade e a reflexão; assim se revelam as connections subconscientes e eu vai reconhecendo, por aí, o que... o que... — o famoso ilustre professor procurava a expressão — well, what’s on the bottom of your mind.— O que está no âmago de sua alma — soprou alguém no auditório.— Perfeitamente — concordou C.G. Rouss, satisfeito. — Os gentlemen vão apenas dizer, automaticamente, o que lhes vier à cabeça no momento, sem nenhum control of reserve. Meu business será, então, to analyse tais idéias. That’s all. Quero demonstrá-lo primeiro num caso, hum... criminal, depois em alguém do auditório que se prontifique a isso. Well, o Sr. Chefe da Polícia irá dizer-nos what is the matter about o caso desse homem. Faça o favor.O chefe da Polícia levantou-se e esclareceu:— Meus senhores, o homem que mandarei introduzir neste recinto é Tcheniek Sukanek, serralheiro e lavrador em Zabiehlice. Está preso há uma semana, por suspeita de ser o assassino do chofer de táxi José Tchepelka, desaparecido há quinze dias. Os motivos de tal suspeita são os seguintes: o carro de Tchepelka foi encontrado no palheiro do preso; no volante e debaixo do banco do chofer notaram-se manchas de sangue humano. O indiciado naturalmente nega tudo, afirmando haver comprado o carro de Tchepelka por seis mil coroas, pois tem a intenção, ele mesmo, de começar a trabalhar como chofer de praça. Apuramos que o desaparecido vinha efetivamente falando em abandonar o negócio, vender o carro e empregar-se como chofer. Aí, porém, terminam os vestígios. À falta de outros indícios, o preso deverá ser entregue amanhã à Casa de Detenção de Pankrats. Pedi a autorização a fim de que o Prof. Rouss, nosso ilustre compatriota, o submeta à sua experiência. Quando quiser, professor...— Well — disse o professor, que atentamente ia tomando algumas notas. — Mande-o entrar, please.A um sinal do chefe da Polícia, um guarda introduziu Tcheniek Sukanek, rapaz de cara fechada, com uma expressão que denunciava o mais profundo desprezo, parecendo dizer que estava resolvido a não se entregar.— Venha cá — disse o professor em tom severo. — Não lhe vou fazer perguntas; apenas direi umas palavras, e você terá de retrucar imediatamente com a primeira palavra que lhe vier à cabeça. Está compreendendo? Pois preste atenção: copo!— M...a! — respondeu o Sr. Sukanek, teimoso.— Escute, Sukanek — interveio veemente o Chefe da Polícia —, se você não quiser responder direito, eu o mando a novo interrogatório, compreendeu? E isso, você sabe, durará a noite toda. Tome cuidado! Recomecemos!— Copo — repetiu o Prof. Rouss.— Cerveja — resmungou Sukanek.— Assim, como você vê — disse o ilustre professor —, vai tudo indo bem.Sukanek olhava desconfiado. Não haveria nisso algum truque? — pensava.— Rua — diz o professor.— Carros — responde Sukanek de má vontade.— Deve responder mais depressa. Casa! — Campo. — Torno! — Latão.— Muito bem! — Parecia que Sukanek já não fazia objeções à brincadeira.— Mãe! — Tia. — Cachorro! — Canil. — Soldado! — Artilheiro.Assim foi indo, golpe a golpe, cada vez mais depressa; agora Sukanek parecia achar graça; lembrava-se da maneira de trunfar no jogo de cartas. Meu Deus! De quanta coisa ele se lembrava com essa brincadeira!— Caminho! — Estrada. — Praga! — Beroun. — Esconder! — Enterrar. — Limpar! — Manchas. — Trapo! — Saco. — Enxada! — Quintal. — Buraco! — Cerca. — Cadáver!Silêncio.— Cadáver! — insistiu o professor. — Então você o enterrou ao pé da cerca, não?— Não disse isto! — explodiu o Sr. Sukanek.— Você enterrou o cadáver ao pé da cerca do seu quintal — repetiu firmemente C.G. Rouss — depois de o ter matado quando ia a caminho de Beroun! Limpou as manchas de sangue do carro com um saco. Que fez desse saco?— Não é verdade! — gritou Sukanek. — Comprei o carro do Sr. Tchepelka. Ninguém me embrulha assim, não, ouviu?!— Espere, homem — disse Rouss —, pedirei aos policemen que vão lá verificar. Isto não é mais o meu business. O homem pode sair. Reparem, meus senhores, que gastamos dezessete minutos. Foi muito rápido. É que era um caso muito banal. Quase sempre dura uma hora. Agora eu gostaria de pedir que viesse algum dos senhores, a quem direi também umas palavras. Desta vez vai demorar muito, porque não sei qual é o seu hidden... hidden... como é mesmo que se diz?— Segredo — ajudou alguém do auditório.— Isto, segredo — repetiu o nosso grande patrício, todo radiante. — Conheço muito a ópera de Smetana que tem esse nome. A experiência vai nos custar muito tempo, até que o paciente nos revele o seu caráter, o seu passado e as suas mais recônditas idéias.— Pensamentos — explicou a voz do auditório.— Well. Pergunto, senhores: quem quer submeter-se à análise?A pergunta não teve resposta. Um dos presentes deu uma risada, mas ninguém se mexeu.— Por favor — insistiu C.G. Rouss —, não vai doer.— Vá o senhor — sussurrou o Ministro do Interior ao da Justiça.— Você deve ir, como representante do seu partido — insinuou um deputado a outro.— Sr. Chefe de Departamento, faça o favor de vir — encorajou um alto funcionário a um colega de outro ministério.A situação começava a tornar-se penosa. Nenhum dos presentes se levantara.— Façam o favor, senhores — repetiu o cientista americano pela terceira vez. — Será que têm medo de se trair?A essa altura o ministro do Interior voltou-se para trás e disse entre dentes:— Então! Alguém que se resolva, meus senhores!Nas últimas filas do auditório alguém tossiu modestamente e levantou-se. Era um velhinho um tanto ressequido, já bem coçado, e cujo pomo-de-adão tremia.— Eu... hum — lançou timidamente —, se ninguém... então, com licença, eu...— Venha cá — interrompeu o americano em tom autoritário. — Sente-se aqui. Tem de dizer a primeira coisa que lhe vier à cabeça. Não deve pensar, tem de falar mechanically, sem se preocupar com o que irá dizer. Entendeu?— Pois não! — disse o homem-cobaia, com boa vontade, um pouco intimidado ante auditório tão distinto.Tossiu de leve e piscou, como um estudante em dia de exame. O cientista disparou a primeira palavra:— Árvore!— Gigantesca — sussurrou o velhinho.— Como, por favor? — perguntou o sábio, como se não houvesse entendido bem.— Gigante da floresta — esclareceu o homem, tímido.— Oh, I see. — Rua!— Rua... ruas de aspecto festivo — replicou o homem.— Que quer dizer com isso?— Uma festa, não? Ou um enterro.— Isso mesmo. O senhor deveria dizer apenas festa. Sempre que possível, só uma palavra.— Pois não!— Continuemos. — Comércio!— Animado. Crises nos negócios. Negociata política.— Hum... — Canal!— Que canal, por favor?— Não importa. Diga uma palavra, depressa.— Se o senhor pudesse dizer, por exemplo, canais...— Well, canais.— Competentes — retrucou satisfeito o homenzinho.— Torquês!— Martelo. Martelando as palavras do discurso. Desferiu violentas marteladas.— Very curious! — murmurou o cientista. — Sangue!— Sangue subindo às faces. Sangue inocente derramado. História escrita com sangue.— Fogo!— A ferro e fogo. Heróicos bombeiros. Discurso flamejante. Mane, tekel.1— É um esquisito case — disse o professor, perturbado. — Mais uma vez, homem: O senhor deve dizer só a primeira idéia, compreende? Só o que lhe ocorrer automatically, ao ouvir a minha palavra. Prossigamos. Mão!— Fraterna que ajuda. Segura a bandeira. De punhos cerrados. Mãos sujas. Cascudo.— Olhos!— Testemunha ocular. À vista do público. Olhos inocentes de criança. Olhos úmidos de lágrimas...— Basta, basta! Cerveja!— Chope duplo. Demônio do álcool.— Música!— Música do futuro. Orquestra coroada de êxito. Concerto das grandes potências. Harmonia da paz. Hinos nacionais.— Frasco!— Vitríolo. Amor infeliz. Dores terríveis. Faleceu no hospital em meio aos mais atrozes sofrimentos.— Veneno!— Veneno e fel. Poços envenenados.C.G. Rouss coçou a cabeça:— Never heard that. Outra vez, por favor. Eu queria chamar a atenção dos senhores: começamos sempre por coisas... hum... plain, quer dizer, comuns, simples, para encontrar o principal interest e a profession do paciente.— Continuemos. Conta!— Ajustar contas com o inimigo. Isso vai por conta dos nossos adversários. Prestar contas à posteridade...— Hum... Papel!— Até o papel enrubesce de vergonha — declarou o homem energicamente. — Papel-moeda. O papel agüenta tudo.— Bless you!2 — solta o cientista, já meio zangado. — Pedra!— Apedrejar. Pedra de túmulo. Saudade eterna — respondeu o homem-cobaia, místico.— Ave, anima pia!3 Carro!— Carro de triunfo. Rodas do destino. Pronto-socorro. Rico préstito, com carros alegóricos.— Ah! that’s it!4 — exclamou C.G. Rouss — Horizonte!— Escuro. Nuvens negras toldam os horizontes políticos. Horizontes estreitos. Abrir novos horizontes.— Armas!— Desleais. Armadura completa. Bandeiras desfraldadas. Atacar pelas costas com setas envenenadas — exclamou logo o homem, entusiasmado. — Não recuaremos da luta. Pandemônio do combate. Luta eleitoral.— Elemento.— Fúria dos elementos. Forças elementares. Deveres elementares das classes dominantes.— Basta! O senhor é jornalista, não?— Sim, senhor — afirmou o homem-cobaia —, e já há trinta anos. Sou o redator Vachatko.— Thank you — agradeceu secamente nosso famoso patrício. — Finished, gentlemen. Analysing as respostas deste senhor, podemos verificar que é um jornalista. Creio que seria inútil continuar a experiência. Só perderíamos nosso tempo. Excuse me, a experiência falhou. Lamento, gentlemen.— Vejam só! — exclamou o Sr. Vachatko à noite, na redação, correndo os olhos pelo material de serviço. — Então a polícia informa que encontrou o cadáver do tal José Tchepelka; estava enterrado no quintal do Sukanek, junto da cerca, e debaixo do cadáver encontraram um saco manchado de sangue. Estão vendo? O diabo do Rouss acertou tudo, direitinho. Parece incrível, meus colegas. Eu não disse uma única palavra a respeito de jornais, e ele descobriu, sem mais nem menos, que eu sou jornalista: “Senhores, estão diante de um eminente jornalista, de grande mérito”... Eu mesmo escrevi, aliás, na nota sobre a conferência: “As declarações do nosso famoso patrício foram acolhidas com lisonjeiro apreço pelos nossos círculos profissionais”. Mas esperem, será melhor assim: “As declarações altamente interessantes do nosso patrício foram acolhidas com o merecido apreço, vivo e lisonjeiro, pelos nossos círculos profissionais”. Esta é que é a verdade!NOTAS:1 - Mane, tekel, fares — Palavras proféticas de ameaça que, segundo a Bíblia, apareceram escritas em letras de fogo, por mão invisível, nas paredes da sala onde Baltasar, o último rei da Babilônia, se entregava a um festim orgíaco, justamente quando Ciro, rei dos persas, penetrava na cidade. Significam: pesado, contado, dividido.2 - Bless you! — Valha-me Deus!3 - Ave, anima pia (latim): Salve, alma piedosa.(Aurélio Buarque de Holanda Ferreira e Paulo Rónai, Mar de histórias — Nova Fronteira, vol. 10, p. 396)

A DAMA OU O TIGRE - Frank R. Stockton

A DAMA OU O TIGRE - Frank R. Stockton
Em tempos remotos, vivia um rei semi-bárbaro, cujas idéias, embora tornadas um tanto brilhantes e sutis pelo progresso dos seus distantes vizinhos latinos, eram ainda opulentas, floridas e arbitrárias, como convinha à metade bárbara da sua natureza.Era um homem de imaginação exuberante. Além disso, de uma autoridade tão irresistível que, a um simples desejo seu, transmudava em realidade as suas variadas fantasias. Era grandemente dado à auto-determinação: quando entrava em acordo consigo mesmo sobre uma coisa qualquer, essa coisa se podia considerar realizada. Quando todos os membros dos seus sistemas domésticos e políticos se moviam maciamente no rumo indicado, a sua natureza era branda e alegre; mas se acaso surgisse um pequeno impedimento, e um ou outro dos elementos desses sistemas desgarrassem das suas órbitas, ele ainda ficava mais brando e alegre, pois nada lhe agradava mais do que endireitar o que estava torto e destruir qualquer irregularidade.Dentre as noções importadas, pelas quais o seu barbarismo se havia reduzido à metade, contava-se a arena pública, onde, pelas exibições da valentia humana e animal, os espíritos dos seus vassalos eram aperfeiçoados e cultivados. Mas ainda aqui a fantasia exuberante e bárbara afirmava-se.A arena do rei fora construída, não para dar ao povo uma oportunidade de ouvir as rapsódias de gladiadores moribundos, nem para habilitá-los a ver o inevitável desfecho de um conflito entre opiniões religiosas e fauces famintas, mas com propósitos muito mais aptos a alargar e desenvolver as energias mentais do povo. Esse vasto anfiteatro, com suas galerias circulares, suas misteriosas abóbadas e suas passagens secretas, constituía um agente de poética justiça, onde o crime era punido ou a virtude recompensada, pelos decretos de uma imparcialidade e incorruptível fortuna.Quando um vassalo era acusado de um crime de importância tal que pudesse interessar o rei, baixava-se um aviso público, designando o dia em que o destino da pessoa acusada seria decidido na arena do rei. Era uma construção que bem merecia este nome. Embora a sua forma e a sua planta tivessem sido importadas do estrangeiro, o fim a que era destinada provinha unicamente do cérebro desse homem, que não conhecia tradição a que devesse maior lealdade do que agradar a sua fantasia, e que imprimia a cada forma alienígena do pensamento e da ação humana o rico vigor de seu bárbaro idealismo.Quando todo o povo se encontrava reunido nas galerias, o rei, rodeado pela sua corte, depois de se sentar no seu alto trono, dava um sinal, e uma porta abaixo dele se abria, saindo dela para o anfiteatro o súdito acusado. Diretamente em oposição a ele, no outro lado do espaço fechado, havia duas portas exatamente iguais, colocadas lado a lado. Era dever e privilégio do indivíduo em julgamento caminhar diretamente para essas portas e abrir uma delas. Ele poderia abrir a porta que lhe agradasse; não estava sujeito a nenhuma orientação ou influência, à exceção da própria sorte, imparcial e incorruptível.Se abrisse uma, sairia dela um tigre faminto, o mais feroz e cruel que tivesse sido encontrado, o qual imediatamente saltaria sobre ele e o faria em pedaços, como punição pela sua falta. No momento em que o caso do criminoso assim se decidia, dolentes sinos ressoavam, grandes lamentos eram lançados por indivíduos alugados para esse fim e colocados nas bordas exteriores da arena. E aquela enorme multidão, de cabeças inclinadas e coração abatido, tomava vagarosamente o caminho de suas casas, lamentando grandemente que uma pessoa tão jovem e bela, ou tão velha e respeitada, tivesse merecido tão horrível destino.Mas se a pessoa acusada abrisse a outra porta, sairia dela uma dama, a mais adequada à sua idade e condição, que pudesse ter sido escolhida por Sua Majestade entre as suas belas vassalas; e com essa dama ele iria imediatamente se casar, como recompensa de sua inocência. Não importava que ele já possuísse mulher e filhos, ou que seu coração se houvesse comprometido com outra de sua própria escolha: o rei não consentia que tais obrigações viessem a interferir no seu grande plano de retribuição e recompensa.Como no outro caso, esses atos tinham lugar imediatamente, ainda na própria arena: uma outra porta se abria abaixo do rei, e um sacerdote, seguido por um bando de coristas e de bailarinas, modulando epitalâmios em cornetas douradas, avançava até o lugar onde se achava o par; e o casamento era pronta e alegremente celebrado. Então os festivos sinos de bronze repicavam alegremente, o povo lançava brados de contentamento, e o homem inocente, precedido por crianças que espalhavam flores no seu caminho, conduzia a noiva para a sua casa.Ora o tigre saía de uma porta, ora de outra. O criminoso não podia saber de que porta sairia a dama. Abriria a que lhe agradasse, sem a menor idéia do que lhe estava reservado para aquele instante mesmo: se iria ser devorado ou casado. Era esse o método semi-bárbaro a que o monarca recorria para administrar justiça. A perfeita retidão do método é evidente.As decisões desse tribunal eram não somente honestas, mas concretamente executadas: o acusado via-se instantaneamente punido, quando culpado; quando inocente, era recompensado no ato, quer quisesse, quer não. Não havia como escapar aos julgamentos da arena do rei.A instituição era verdadeiramente popular. Quando o povo se reunia num dos grandes dias de julgamento, nunca sabia se iria testemunhar uma morte sangrenta ou um festivo casamento. Esse elemento de incertezas emprestava à ocasião um interesse que de outro modo não poderia ser atingido. Assim, divertia-se a massa, e a parte pensante da comunidade não poderia acusar o sistema de iníquo; pois não tinha o acusado o julgamento nas suas próprias mãos?Esse rei semi-bárbaro possuía uma filha, tão bela como as suas mais esplêndidas fantasias, e com uma alma tão ardente e imperiosa como a sua própria. Como acontece em tais casos, ela era a menina dos seus olhos, e ele a amava acima de toda a humanidade. Entre os seus cortesãos havia um jovem com aquela pureza de sangue e vileza de condições, comuns aos heróis de romance que amam as donzelas reais. Essa donzela real estava bem satisfeita com o seu amado, porque ele era belo e bravo, num grau não ultrapassado em todo o reino; e ela o amava com um ardor que possuía o barbarismo suficiente para fazê-lo excessivamente ardente e forte.O amor desses dois jovens transcorreu feliz durante muitos meses, até o dia em que o acaso levou o rei a descobrir a sua existência. E não hesitou quanto ao que lhe cumpria fazer. O jovem foi imediatamente lançado na prisão, e marcou-se o dia para o seu julgamento na arena do rei. Naturalmente, essa era uma ocasião especialmente importante, e Sua Majestade, assim como todo o povo, estava grandemente interessado no desenvolvimento dessa prova. Jamais ocorrera caso semelhante; jamais havia um súdito ousado amar a filha dum rei. Nos anos posteriores tais coisas tornaram-se bastante comuns, mas então elas constituíam uma espantosa novidade.As jaulas de tigres do rei foram vistoriadas, a fim de se selecionar o monstro mais feroz para ser levado à arena. E todas as categorias de virgens jovens e belas foram cuidadosamente inspecionadas por juízes competentes, de modo a que o jovem pudesse ter uma noiva conveniente, no caso de a fortuna não lhe reservar diferente destino.Naturalmente, todos sabiam que ato lhe era imputado: havia-se enamorado da princesa, e nem ele nem ela, ou quem quer que fosse, pensava jamais em negar esse fato. Mas o rei não permitiria que uma circunstância como essa fosse interferir nos trabalhos do tribunal, dos quais ele tirava tão grande deleite e satisfação. Não importava como o fato se processara, o jovem iria privar-se desse amor; e o rei tomaria um prazer estético em observar o curso dos acontecimentos, que determinavam se o moço tinha cometido um erro ou não, ao permitir-se amar a princesa real.O dia designado chegou. Proveniente de longe e de perto, o povo foi-se reunindo e comprimindo nas grandes galerias da arena; e multidões, impossibilitadas de entrar, amontoavam-se contra as paredes exteriores. O rei e a sua corte achavam-se nos seus lugares, em oposição às portas gêmeas — aquelas portas fatídicas, tão terríveis na sua similitude.Tudo estava pronto. O sinal foi dado. Uma porta por baixo da bancada real abriu-se, e o namorado da princesa apareceu na arena. Alto, belo, elegante, o seu aparecimento foi saudado com um surdo cochichar de admiração e ansiedade. Metade da assistência não sabia que um tão magnífico jovem pudesse viver entre eles. Não era de admirar que a princesa o amasse! Que terrível situação a dele!Quando o jovem avançou dentro da arena, voltou-se, como era o costume, para reverenciar o rei; mas ele não pensava absolutamente naquele personagem real; seus olhos estavam fixos na princesa, sentada à direita de seu pai. Não fosse pela metade de barbarismo que entrava na sua natureza, é provável que aquela dama não estivesse ali; mas sua alma intensa e ardente não lhe permitira subtrair-se a um espetáculo que tão terrivelmente lhe interessava.Desde o momento em que fora divulgado o decreto, segundo o qual seu amado decidiria o próprio destino na arena do rei, ela não tinha pensado em mais nada, noite e dia, senão nesse grande acontecimento e nos vários assuntos com ele relacionados. Possuindo mais poder, influência e força de caráter do que qualquer outra pessoa interessada no caso, ela tinha feito aquilo que nenhuma outra pessoa conseguira: havia-se apossado do segredo das portas. Sabia em qual dos dois compartimentos, que ficavam por detrás daquelas portas, se achava a jaula do tigre, e em qual deles a dama esperava. Através daquelas espessas portas, pesadamente forradas com peles pelo lado de dentro, era impossível que algum ruído denunciador chegasse aos ouvidos da pessoa que se aproximasse para levantar a aldrava de uma delas; mas o ouro e poder de vontade de uma mulher tinham entregue esse segredo à princesa.Não somente ela sabia em que compartimento estava a dama pronta para aparecer, toda ruborizada e radiante, assim que a sua porta se abrisse, como também sabia quem era a dama. Era uma das mais belas e amáveis donzelas da corte, que havia sido escolhida como recompensa para o jovem acusado, caso ele fosse julgado inocente. E a princesa a odiava. Muitas vezes ela tinha visto, ou imaginado ver, aquela bela criatura lançando olhares de admiração sobre a pessoa do seu amado, e às vezes pensava que esses olhares eram percebidos e até retribuídos. Uma ou outra vez, ela os tinha visto conversando. Conversas que haviam durado apenas um momento, porém muita coisa pode ser dita num breve espaço de tempo. Talvez eles se houvessem ocupado de assuntos de pouca importância, mas como poderia ela sabê-lo? A jovem era adorável, mas tinha ousado levantar os olhos para o amado de uma princesa; e com toda a intensidade do sangue selvagem transmitido através de longas linhagens de ancestrais inteiramente bárbaros, ela odiava a mulher que corava e tremia atrás daquela porta silenciosa.Quando se voltou para ela e a viu sentada, com a face mais pálida do que qualquer outra no vasto oceano de fisionomias ansiosas que o rodeavam, ele sentiu ao encontrarem-se os seus olhares, pelo poder de rápida percepção que é dado a todos aqueles cujas almas se acham fundidas numa só, que ela sabia atrás de que porta se achava o tigre e atrás de qual delas se encontrava a dama. Ele havia esperado que ela tivesse conseguido saber isso. Compreendia-lhe a natureza, e estava seguro de que ela nunca descansaria, até que se houvesse esclarecido sobre essa coisa que permanecia ignorada de todos os outros espectadores, até do rei. A única esperança que tinha o jovem, de agir de maneira certa e segura, era baseada no bom êxito da princesa em descobrir o mistério; e no momento em que a fitava, percebeu que ela tinha obtido o êxito que ele tanto lhe almejara.Quando seu rápido e ansioso olhar formulou a pergunta “qual?”, foi para ela tão claro como se, do lugar onde se achava, ele houvesse feito a pergunta em alta voz. Não havia um instante a perder. A pergunta fora feita num relâmpago; deveria ser respondida num outro.O braço direito da princesa repousava sobre o parapeito almofadado que se estendia à sua frente. Ela levantou a mão, e fez um leve e rápido movimento para a direita. Ninguém, a não ser seu amado, viu esse gesto. Todos os olhos, a não ser os dele, estavam fixos no homem que se encontrava no centro da arena.Ele voltou-se, e com passo firme e rápido atravessou o espaço vazio. Todos os corações pararam de bater, toda respiração foi suspensa. Sem a menor hesitação, ele dirigiu-se à porta da direita, e abriu-a.A questão, agora, é esta: Foi o tigre que saiu daquela porta? Ou foi a dama?Quanto mais refletimos sobre a questão, tanto mais difícil se torna o responder. Ela envolve um estudo do coração humano, que nos conduz através os mais extraviados labirintos de paixões, fora dos quais é difícil achar um caminho. Pense nela, honrado leitor, não como se a resposta à questão dependesse de você mesmo, mas daquela princesa de sangue ardente e semi-bárbara, com a alma aquecida ao branco, sob os fogos combinados do desespero e do ciúme. Ela o tinha perdido. Mas quem o possuiria?Quantas vezes, nas suas horas de vigília e nos seus sonhos, tinha ela estremecido de desenfreado horror, e havia coberto a face com as mãos, quando pensava no seu amado abrindo a porta, do outro lado da qual o esperavam as garras cruéis do tigre!Mas vezes sem conta ela o tinha visto na outra porta! Nos seus mortificantes devaneios, tinha rangido os dentes e arrancado os cabelos, ao ver o tremor de arrebatadora satisfação que se apossava dele, quando abria a porta da dama! Como a sua alma ardera na agonia, ao vê-lo lançar-se ao encontro daquela mulher, que ostentava uma face ruborizada e um fascinante olhar de triunfo; ao vê-lo conduzindo-a para fora, com todo o seu corpo abrasado na alegria da vida recuperada; ao ouvir os brados alegres da multidão e o desenfreado e festivo repicar dos sinos; ao ver o sacerdote, com sua alegre comitiva, avançando até onde se achava o par, para fazê-los marido e mulher diante dos seus próprios olhos; e ao vê-los afastarem-se, juntos, pisando o seu caminho de flores, acompanhados pelos tremendos brados da alegre multidão, onde um único grito de desespero — o dela — ficara perdido e afogado!E aquele terrível tigre, aqueles gritos, aquele sangue! Não seria melhor que ele morresse de uma vez, e que fosse esperar por ela nas bem-aventuradas regiões da sua semi-bárbara vida futura?A sua decisão tinha sido tomada depois de dias e noites de angustiosa deliberação. Sabia que ele lhe faria aquela pergunta, e tinha decidido o que lhe responderia. Sem a mais leve hesitação, havia movido a sua mão para a direita.A decisão constitui um ponto que não deve ser levianamente considerado; e eu não me julgo a pessoa capaz de responder à questão. Assim, deixo-a para você, leitor: quem saiu da porta aberta — a dama ou o tigre?(Frank R. Stockton, in Contos norte-americanos – Biblioteca Universal Popular, Rio, 1963)

OS TRINTA E CINCO CAMELOS - Malba Tahan


Poucas horas havia que viajávamos sem interrupção, quando nos ocorreu uma aventura digna de registro, na qual meu companheiro Beremiz, com grande talento, pôs em prática as suas habilidades de exímio algebrista.Encontramos, perto de um antigo caravançará meio abandonado, três homens que discutiam acaloradamente ao pé de um lote de camelos. Por entre pragas e impropérios, gritavam possessos, furiosos:— Não pode ser!— Isto é um roubo!— Não aceito!O inteligente Beremiz procurou informar-se do que se tratava.— Somos irmãos — esclareceu o mais velho — e recebemos como herança esses 35 camelos. Segundo a vontade expressa de meu pai, devo eu receber a metade, o meu irmão Hamed Namir uma terça parte, e ao Harim, o mais moço, deve tocar apenas a nona parte. Não sabemos, porém, como dividir dessa forma 35 camelos. A cada partilha proposta, segue-se a recusa dos outros dois, pois a metade de 35 é 17 e meio! Como fazer a partilha, se a terça parte e a nona parte de 35 também não são exatas?— É muito simples — atalhou o “homem que calculava”. — Encarregar-me-ei de fazer com justiça essa divisão, se permitirem que eu junte aos 35 camelos da herança este belo animal, que em boa hora aqui nos trouxe.Neste ponto, procurei intervir na questão:— Não posso consentir em semelhante loucura! Como poderíamos concluir a viagem, se ficássemos sem o nosso camelo?— Não te preocupes com o resultado, ó “bagdali”! — replicou-me, em voz baixa, Beremiz. — Sei muito bem o que estou fazendo. Cede-me o teu camelo e verás, no fim, a que conclusão quero chegar.Tal foi o tom de segurança com que ele falou, que não tive dúvida em entregar-lhe o meu belo jamal, que imediatamente foi reunido aos 35 ali presentes, para serem repartidos pelos três herdeiros.— Vou, meus amigos — disse ele, dirigindo-se aos três irmãos — fazer a divisão justa e exata dos camelos, que são agora, como vêem, em número de 36.E voltando-se para o mais velho dos irmãos, assim falou:— Deves receber, meu amigo, a metade de 35, isto é, 17 e meio. Receberás a metade de 36, ou seja, 18. Nada tens a reclamar, pois é claro que saíste lucrando com esta divisão.Dirigindo-se ao segundo herdeiro, continuou:— E tu, Hamed Namir, devias receber um terço de 35, isto é, 11 e pouco. Vais receber um terço de 36, isto é, 12. Não poderás protestar, pois tu também saíste com visível lucro na transação.E disse, por fim, ao mais moço:— E tu, jovem Harim Namir, segundo a vontade de teu pai, devias receber uma nona parte de 35, isto é, 3 e pouco. Vais receber um terço de 36, isto é, 4. O teu lucro foi igualmente notável. Só tens a agradecer-me pelo resultado.Numa voz pausada e clara, concluiu:— Pela vantajosa divisão feita entre os irmãos Namir — partilha em que todos os três saíram lucrando — couberam 18 camelos ao primeiro, 12 ao segundo e 4 ao terceiro, o que dá um total de 34 camelos. Dos 36 camelos sobraram, portanto, dois. Um pertence, como sabem, ao “bagdali” meu amigo e companheiro; outro, por direito, a mim, por ter resolvido a contento de todos o complicado problema da herança.— Sois inteligente, ó estrangeiro! — confessou, com admiração e respeito, o mais velho dos três irmãos. — Aceitamos a vossa partilha, na certeza de que foi feita com justiça e eqüidade.E o astucioso Beremiz — o “homem que calculava” — tomou logo posse de um dos mais belos camelos do grupo, e disse-me, entregando-me pela rédea o animal que me pertencia:— Poderás agora, meu amigo, continuar a viagem no teu camelo manso e seguro. Tenho outro, especialmente para mim.E continuamos a nossa jornada para Bagdá.(Malba Tahan, Seleções - Os melhores contos – Conquista, Rio, 1963)

Era uma vez... numa terra muito distante...uma princesa linda, independente e cheia de auto-estima.Ela se deparou com uma rã enquanto contemplava a natureza e pensava em como o maravilhoso lago do seu castelo era relaxante e ecológico...Então, a rã pulou para o seu colo e disse: linda princesa, eu já fui um príncipe muito bonito.Uma bruxa má lançou-me um encanto e transformei-me nesta rã asquerosa.Um beijo teu, no entanto, há de me transformar de novo num belo príncipe e poderemos casar e constituir lar feliz no teu lindo castelo.A tua mãe poderia vir morar conosco e tu poderias preparar o meu jantar, lavar as minhas roupas, criar os nossos filhos e seríamos felizes para sempre...Naquela noite, enquanto saboreava pernas de rã sautée, acompanhadas de um cremoso molho acebolado e de um finíssimo vinho branco, a princesa sorria, pensando consigo mesma:- Eu, hein?... nem morta
Esta é uma história exemplar, só não está muito claro qual é o exemplo. De qualquer jeito, mantenha-a longe das crianças. Também não tem nada a ver com a crise brasileira, o apartheid, a situação na América Central ou no Oriente Médio ou a grande aventura do homem sobre a Terra. Situa-se no terreno mais baixo das pequenas aflições da classe média. Enfim. Aconteceu com um amigo meu. Fictício, claro.Ele estava voltando para casa como fazia, com fidelidade rotineira, todos os dias à mesma hora. Um homem dos seus 40 anos, naquela idade em que já sabe que nunca será o dono de um cassino em Samarkand, com diamantes nos dentes, mas ainda pode esperar algumas surpresas da vida, como ganhar na loto ou furar-lhe um pneu. Furou-lhe um pneu. Com dificuldade ele encostou o carro no meio-fio e preparou-se para a batalha contra o macaco, não um dos grandes macacos que o desafiavam no jângal dos seus sonhos de infância, mas o macaco do seu carro tamanho médio, que provavelmente não funcionaria, resignação e reticências... Conseguiu fazer o macaco funcionar, ergueu o carro, trocou o pneu e já estava fechando o porta-malas quando a sua aliança escorregou pelo dedo sujo de óleo e caiu no chão. Ele deu um passo para pegar a aliança do asfalto, mas sem querer a chutou. A aliança bateu na roda de um carro que passava e voou para um bueiro. Onde desapareceu diante dos seus olhos, nos quais ele custou a acreditar. Limpou as mãos o melhor que pôde, entrou no carro e seguiu para casa. Começou a pensar no que diria para a mulher. Imaginou a cena. Ele entrando em casa e respondendo às perguntas da mulher antes de ela fazê-las.— Você não sabe o que me aconteceu! — O quê?— Uma coisa incrível. — O quê?— Contando ninguém acredita. — Conta!— Você não nota nada de diferente em mim? Não está faltando nada?— Não. — Olhe.E ele mostraria o dedo da aliança, sem a aliança.— O que aconteceu?E ele contaria. Tudo, exatamente como acontecera. O macaco. O óleo. A aliança no asfalto. O chute involuntário. E a aliança voando para o bueiro e desaparecendo.— Que coisa - diria a mulher, calmamente.— Não é difícil de acreditar?— Não. É perfeitamente possível. — Pois é. Eu...— SEU CRETINO!— Meu bem...— Está me achando com cara de boba? De palhaça? Eu sei o que aconteceu com essa aliança. Você tirou do dedo para namorar. É ou não é? Para fazer um programa. Chega em casa a esta hora e ainda tem a cara-de-pau de inventar uma história em que só um imbecil acreditaria.— Mas, meu bem...— Eu sei onde está essa aliança. Perdida no tapete felpudo de algum motel. Dentro do ralo de alguma banheira redonda. Seu sem-vergonha!E ela sairia de casa, com as crianças, sem querer ouvir explicações. Ele chegou em casa sem dizer nada. Por que o atraso? Muito trânsito. Por que essa cara? Nada, nada. E, finalmente:— Que fim levou a sua aliança? E ele disse:— Tirei para namorar. Para fazer um programa. E perdi no motel. Pronto. Não tenho desculpas. Se você quiser encerrar nosso casamento agora, eu compreenderei.Ela fez cara de choro. Depois correu para o quarto e bateu com a porta. Dez minutos depois reapareceu. Disse que aquilo significava uma crise no casamento deles, mas que eles, com bom-senso, a venceriam.— O mais importante é que você não mentiu pra mim. E foi tratar do jantar.(Do livro "As mentiras que os homens contam)
Tem uma crônica do Paulo Mendes Campos em que ele conta de um amigo que sofria de pressão alta e era obrigado a fazer uma dieta rigorosa. Certa vez, no meio de uma conversa animada de um grupo, durante a qual mantivera um silêncio triste, ele suspirou fundo e declarou:- Vocês ficam ai dizendo que bom mesmo é mulher. Bom mesmo é sal!O que realmente diferencia os estágios da experiência humana nesta Terra é o que o homem, a cada idade, considera bom mesmo. Não apenas bom. Melhor do que tudo. Bom MESMO.Um recém-nascido, se pudesse participar articuladamente de uma conversa com homens de outras idades, ouviria pacientemente a opinião de cada um sobre as melhores coisas do mundo e no fim decretaria:- Conversa. Bom mesmo é mãe.Depois de uma certa idade, a escolha do melhor de tudo passa a ser mais difícil. A infância é um viveiro de prazeres. Como comparar, por exemplo, o orgulho de um pião bem lançado, o volume voluptuoso de uma bola de gude daquelas boas entre os dedos, o cheiro da terra úmida e o cheiro de caderno novo?- Bom mesmo é o cheiro de Vick VapoRub.Mas acho que, tirando-se uma média das opiniões de pré-adolescentes normais brasileiros, se chegaria fatalmente à conclusão de que nesta fase bom mesmo, melhor do que tudo, melhor até do que fazer xixi na piscina, é passe de calcanhar que dá certo.Mais tarde a gente se sente na obrigação de pensar que bom mesmo é mulher (ou prima, que é parecido com mulher), mas no fundo ainda acha que bom mesmo é acordar na segunda-feira com febre e não precisar ir à aula.Depois, sim, vem a fase em que não tem conversa. Bom mesmo é sexo!Esta fase dura geralmente até o fim da vida, mesmo quando o sexo precisa disputar a preferência com outras coisas boas (“Pra mim é sexo em primeiro e romance policial em segundo, mas longe”). Quando alguém diz que bom mesmo é outra coisa, está sendo exemplarmente honesto ou desconcertantemente original.- Bom mesmo é figada com queijo.- Melhor do que sexo?- Bom...Cada coisa na sua hora.Com a chamada idade madura, embora persista o consenso de que nada se iguala ao prazer, mesmo teórico, do sexo, as necessidades do conforto e os pequenos prazeres da vida prática vão se impondo.- Meu filho, eu sei que você aí, tão cheio de vida e de entusiasmo, não vai compreender isto. Mas tome nota do que eu digo porque um dia você concordará comigo: bom mesmo é escada rolante.E esta é a trajetória do homem e seu gosto inconstante sobre a Terra, do colo da mãe, que parece que nada, jamais, substituirá, à descoberta final de que uma boa poltrona reclinável, se não é igual, é parecido. E que bom, mas bom MESMO, é nunca mais ser obrigado a ir a lugar nenhum, mesmo sem febre.
Luiz Fernando Veríssimo

DAR NÃO É FAZER AMOR
Dar é dar.Fazer amor é lindo, é sublime, é encantador, é esplêndido.Mas dar é bom pra cacete.Dar é aquela coisa que alguém te puxa os cabelos da nuca...Te chama de nomes que eu não escreveria...Não te vira com delicadeza...Não sente vergonha de ritmos animais. Dar é bom.Melhor do que dar, só dar por dar.Dar sem querer casar....Sem querer apresentar pra mãe...Sem querer dar o primeiro abraço no Ano Novo.Dar porque o cara te esquenta a coluna vertebral...Te amolece o gingado... Te molha o instinto.Dar porque a vida é estressante e dar relaxa.Dar porque se você não der para ele hoje, vai dar amanhã, ou depois de amanhã.Tem pessoas que você vai acabar dando, não tem jeito.Dar sem esperar ouvir promessas, sem esperar ouvir carinhos, sem esperar ouvir futuro.Dar é bom, na hora.Durante um mês.Para os mais desavisados, talvez anos.Mas dar é dar demais e ficar vazio.Dar é não ganhar.É não ganhar um eu te amo baixinho perdido no meio do escuro. É não ganhar uma mão no ombro quando o caos da cidade parece querer te abduzir.É não ter alguém pra querer casar, para apresentar pra mãe, pra daro primeiro abraço de Ano Novo e pra falar:"Que que cê acha amor?". É não ter companhia garantida para viajar.É não ter para quem ligar quando recebe uma boa notícia.Dar é não querer dormir encaixadinho...É não ter alguém para ouvir seus dengos...Mas dar é inevitável, dê mesmo, dê sempre, dê muito. Mas dê mais ainda, muito mais do que qualquer coisa, uma chance ao amor.Esse sim é o maior tesão.Esse sim relaxa, cura o mau humor, ameniza todas as crises e faz você flutuarExperimente ser amado...
Luís Fernando Veríssimo

Dez Coisas que Levei Anos Para Aprender
1. Uma pessoa que é boa com você, mas grosseira com o garçom, não pode ser uma boa pessoa.
2. As pessoas que querem compartilhar as visões religiosas delas com você, quase nunca querem que você compartilhe as suas com elas.
3. Ninguém liga se você não sabe dançar. Levante e dance.
4. A força mais destrutiva do universo é a fofoca.
5. Não confunda nunca sua carreira com sua vida.
6. Jamais, sob quaisquer circunstâncias, tome um remédio para dormir e um laxante na mesma noite.
7. Se você tivesse que identificar, em uma palavra, a razão pela qual a raça humana ainda não atingiu (e nunca atingirá) todo o seu potencial, essa palavra seria "reuniões".
8. Há uma linha muito tênue entre "hobby" e "doença mental".
9. Seus amigos de verdade amam você de qualquer jeito.
10. Nunca tenha medo de tentar algo novo. Lembre-se de que um amador solitário construiu a Arca. Um grande grupo de profissionais construiu o Titanic.
Luís Fernando Veríssimo

Para se roubar um coração, é preciso que seja com muita habilidade, tem que ser vagarosamente, disfarçadamente, não se chega com ímpeto, não se alcança o coração de alguém com pressa. Tem que se aproximar com meias palavras, suavemente, apoderar-se dele aos poucos, com cuidado. Não se pode deixar que percebam que ele será roubado, na verdade, teremos que furtá-lo, docemente. Conquistar um coração de verdade dá trabalho, requer paciência, é como se fosse tecer uma colcha de retalhos, aplicar uma renda em um vestido, tratar de um jardim, cuidar de uma criança. É necessário que seja com destreza, com vontade, com encanto, carinho e sinceridade. Para se conquistar um coração definitivamente tem que ter garra e esperteza, mas não falo dessa esperteza que todos conhecem, falo da esperteza de sentimentos, daquela que existe guardada na alma em todos os momentos. Quando se deseja realmente conquistar um coração, é preciso que antes já tenhamos conseguido conquistar o nosso, é preciso que ele já tenha sido explorado nos mínimos detalhes, que já se tenha conseguido conhecer cada cantinho, entender cada espaço preenchido e aceitar cada espaço vago. ...e então, quando finalmente esse coração for conquistado, quando tivermos nos apoderado dele, vai existir uma parte de alguém que seguirá conosco. Uma metade de alguém que será guiada por nós e o nosso coração passará a bater por conta desse outro coração. Eles sofrerão altos e baixos sim, mas com certeza haverá instantes, milhares de instantes de alegria. Baterá descompassado muitas vezes e sabe por que? Faltará a metade dele que ainda não está junto de nós. Até que um dia, cansado de estar dividido ao meio, esse coração chamará a sua outra parte e alguém por vontade própria, sem que precisemos roubá-la ou furtá-la nos entregará a metade que faltava. ... e é assim que se rouba um coração, fácil não? Pois é, nós só precisaremos roubar uma metade, a outra virá na nossa mão e ficará detectado um roubo então! E é só por isso que encontramos tantas pessoas pela vida a fora que dizem que nunca mais conseguiram amar alguém... é simples... é porque elas não possuem mais coração, eles foram roubados, arrancados do seu peito, e somente com um grande amor ela terá um novo coração, afinal de contas, corações são para serem divididos, e com certeza esse grande amor repartirá o dele com você.
Luís Fernando Veríssimo

Acho a maior graça. Tomate previne isso,cebola previne aquilo, chocolate faz bem, chocolate faz mal, um cálice diário de vinho não tem problema, qualquer gole de álcool é nocivo, tome água em abundância, mas não exagere... Diante desta profusão de descobertas, acho mais seguro não mudar de hábitos. Sei direitinho o que faz bem e o que faz mal pra minha saúde. Prazer faz muito bem. Dormir me deixa 0 km. Ler um bom livro faz-me sentir novo em folha. Viajar me deixa tenso antes de embarcar, mas depois rejuvenesço uns cinco anos. Viagens aéreas não me incham as pernas; incham-me o cérebro, volto cheio de idéias. Brigar me provoca arritmia cardíaca. Ver pessoas tendo acessos de estupidez me embrulha o estômago. Testemunhar gente jogando lata de cerveja pela janela do carro me faz perder toda a fé no ser humano. E telejornais... os médicos deveriam proibir - como doem! Caminhar faz bem, dançar faz bem, ficar em silêncio quando uma discussão está pegando fogo, faz muito bem! Você exercita o autocontrole e ainda acorda no outro dia sem se sentir arrependido de nada. Acordar de manhã arrependido do que disse ou do que fez ontem à noite é prejudicial à saúde! E passar o resto do dia sem coragem para pedir desculpas, pior ainda! Não pedir perdão pelas nossas mancadas dá câncer, não há tomate ou mussarela que previna. Ir ao cinema, conseguir um lugar central nas fileiras do fundo, não ter ninguém atrapalhando sua visão, nenhum celular tocando e o filme ser espetacular, uau! Cinema é melhor pra saúde do que pipoca! Conversa é melhor do que piada. Exercício é melhor do que cirurgia. Humor é melhor do que rancor. Amigos são melhores do que gente influente. Economia é melhor do que dívida. Pergunta é melhor do que dúvida. Sonhar é melhor do que nada!
A Pessoa ErradaPensando bem, em tudo o que a gente vê, e vivencia, e ouve e pensa, não existe uma pessoa certa pra gente. Existe uma pessoa, que se você for parar pra pensar, é na verdade, a pessoa errada. Porque a pessoa certa faz tudo certinho: chega na hora certa, fala as coisas certas, faz as coisas certas.Mas nem sempre precisamos das coisas certas. Aí é a hora de procurar a pessoa errada. A pessoa errada te faz perder a cabeça, fazer loucuras, perder a hora, morrer de amor. A pessoa errada vai ficar um dia sem te procurar, que é para na hora que vocês se encontrarem a entrega seja muito mais verdadeira.A pessoa errada, é na verdade, aquilo que a gente chama de pessoa certa. Essa pessoa vai te fazer chorar, mas uma hora depois vai estar enxugando suas lagrimas, essa pessoa vai tirar seu sono, mas vai te dar em troca uma inesquecível noite de amor. Essa pessoa pode não estar 100% do tempo ao seu lado, mas vai estar toda a vida esperando você.A pessoa errada tem que aparecer para todo mundo, porque a vida não é certa, nada aqui é certo. O certo mesmo é que temos que viver cada momento, cada segundo amando, sorrindo, chorando, pensando, agindo, querendo e conseguindo. Só assim, é possível chegar aquele momento do dia em que a gente diz: "Graças a Deus, deu tudo certo!", quando na verdade, tudo o que Ele quer, é que a gente encontre a pessoa errada, Para que as coisas comecem a realmente funcionar direito prá gente.Nossa missão: Compreender o universo de cada ser humano, respeitar as diferenças, brindar as descobertas, buscar a evolução.
Mulheres"Certo dia parei para observar as mulheres e só pude concluir uma coisa: elas não são humanas. São espiãs. Espiãs de Deus, disfarçadas entre nós.Pare para refletir sobre o sexto-sentido.Alguém duvida de que ele exista?E como explicar que ela saiba exatamente qual mulher, entre as presentes, em uma reunião, seja aquela que dá em cima de você?E quando ela antecipa que alguém tem algo contra você, que alguém está ficando doente ou que você quer terminar o relacionamento?E quando ela diz que vai fazer frio e manda você levar um casaco? Rio de Janeiro, 40 graus, você vai pegar um avião pra São Paulo. Só meia-hora de vôo. Ela fala pra você levar um casaco, porque "vai fazer frio". Você não leva. O que acontece?O avião fica preso no tráfego, em terra, por quase duas horas, depois que você já entrou, antes de decolar. O ar condicionado chega a pingar gelo de tanto frio que faz lá dentro!"Leve um sapato extra na mala, querido.Vai que você pisa numa poça..."Se você não levar o "sapato extra", meu amigo, leve dinheiro extra para comprar outro. Pois o seu estará, sem dúvida, molhado...O sexto-sentido não faz sentido!É a comunicação direta com Deus!Assim é muito fácil...As mulheres são mães!E preparam, literalmente, gente dentro de si.Será que Deus confiaria tamanha responsabilidade a um reles mortal?E não satisfeitas em ensinar a vida elas insistem em ensinar a vivê-la, de forma íntegra, oferecendo amor incondicional e disponibilidade integral.Fala-se em "praga de mãe", "amor de mãe", "coração de mãe"...Tudo isso é meio mágico...Talvez Ele tenha instalado o dispositivo "coração de mãe" nos "anjos da guarda" de Seus filhos (que, aliás, foram criados à Sua imagem e semelhança).As mulheres choram. Ou vazam? Ou extravazam?Homens também choram, mas é um choro diferente. As lágrimas das mulheres têm um não sei quê que não quer chorar, um não sei quê de fragilidade, um não sei quê de amor, um não sei quê de tempero divino, que tem um efeito devastador sobre os homens...É choro feminino. É choro de mulher...Já viram como as mulheres conversam com os olhos?Elas conseguem pedir uma à outra para mudar de assunto com apenas um olhar.Elas fazem um comentário sarcástico com outro olhar.E apontam uma terceira pessoa com outro olhar.Quantos tipos de olhar existem?Elas conhecem todos...Parece que freqüentam escolas diferentes das que freqüentam os homens!E é com um desses milhões de olhares que elas enfeitiçam os homens.EN-FEI-TI-ÇAM !E tem mais! No tocante às profissões, por que se concentram nas áreas de Humanas?Para estudar os homens, é claro!Embora algumas disfarcem e estudem Exatas...Nem mesmo Freud se arriscou a adentrar nessa seara. Ele, que estudou, como poucos, o comportamento humano, disse que a mulher era "um continente obscuro".Quer evidência maior do que essa?Qualquer um que ama se aproxima de Deus.E com as mulheres também é assim.O amor as leva para perto dEle, já que Ele é o próprio amor. Por isso dizem "estar nas nuvens", quando apaixonadas.É sabido que as mulheres confundem sexo e amor.E isso seria uma falha, se não obrigasse os homens a uma atitude mais sensível e respeitosa com a própria vida.Pena que eles nunca verão as mulheres-anjos que têm ao lado.Com todo esse amor de mãe, esposa e amiga, elas ainda são mulheres a maior parte do tempo.Mas elas são anjos depois do sexo-amor.É nessa hora que elas se sentem o próprio amor encarnado e voltam a ser anjos.E levitam.Algumas até voam.Mas os homens não sabem disso.E nem poderiam.Porque são tomados por um encantamentoque os faz dormir nessa hora."
Faleceu ontem a pessoa que atrapalhava sua vida... Um dia, quando os funcionários chegaram para trabalhar, encontraram na portaria um cartaz enorme, no qual estava escrito:"Faleceu ontem a pessoa que atrapalhava sua vida na Empresa. Você está convidado para o velório na quadra de esportes".No início, todos se entristeceram com a morte de alguém, mas depois de algum tempo, ficaram curiosos para saber quem estava atrapalhando sua vida e bloqueando seu crescimento na empresa. A agitação na quadra de esportes era tão grande, que foi preciso chamar os seguranças para organizar a fila do velório. Conforme as pessoas iam se aproximando do caixão, a excitação aumentava:- Quem será que estava atrapalhando o meu progresso ?- Ainda bem que esse infeliz morreu !Um a um, os funcionários, agitados, se aproximavam do caixão, olhavam pelo visor do caixão a fim de reconhecer o defunto, engoliam em seco e saiam de cabeça abaixada, sem nada falar uns com os outros. Ficavam no mais absoluto silêncio, como se tivessem sido atingidos no fundo da alma e dirigiam-se para suas salas. Todos, muito curiosos mantinham-se na fila até chegar a sua vez de verificar quem estava no caixão e que tinha atrapalhado tanto a cada um deles.A pergunta ecoava na mente de todos: "Quem está nesse caixão"?No visor do caixão havia um espelho e cada um via a si mesmo... Só existe uma pessoa capaz de limitar seu crescimento: VOCÊ MESMO! Você é a única pessoa que pode fazer a revolução de sua vida. Você é a única pessoa que pode prejudicar a sua vida. Você é a única pessoa que pode ajudar a si mesmo. "SUA VIDA NÃO MUDA QUANDO SEU CHEFE MUDA, QUANDO SUA EMPRESA MUDA, QUANDO SEUS PAIS MUDAM, QUANDO SEU(SUA) NAMORADO(A) MUDA. SUA VIDA MUDA... QUANDO VOCÊ MUDA! VOCÊ É O ÚNICO RESPONSÁVEL POR ELA."O mundo é como um espelho que devolve a cada pessoa o reflexo de seus próprios pensamentos e seus atos. A maneira como você encara a vida é que faz toda diferença. A vida muda, quando "você muda".
Luís Fernando Veríssimo

DAR NÃO É FAZER AMOR
Dar é dar.Fazer amor é lindo, é sublime, é encantador, é esplêndido.Mas dar é bom pra cacete.Dar é aquela coisa que alguém te puxa os cabelos da nuca...Te chama de nomes que eu não escreveria...Não te vira com delicadeza...Não sente vergonha de ritmos animais. Dar é bom.Melhor do que dar, só dar por dar.Dar sem querer casar....Sem querer apresentar pra mãe...Sem querer dar o primeiro abraço no Ano Novo.Dar porque o cara te esquenta a coluna vertebral...Te amolece o gingado... Te molha o instinto.Dar porque a vida é estressante e dar relaxa.Dar porque se você não der para ele hoje, vai dar amanhã, ou depois de amanhã.Tem pessoas que você vai acabar dando, não tem jeito.Dar sem esperar ouvir promessas, sem esperar ouvir carinhos, sem esperar ouvir futuro.Dar é bom, na hora.Durante um mês.Para os mais desavisados, talvez anos.Mas dar é dar demais e ficar vazio.Dar é não ganhar.É não ganhar um eu te amo baixinho perdido no meio do escuro. É não ganhar uma mão no ombro quando o caos da cidade parece querer te abduzir.É não ter alguém pra querer casar, para apresentar pra mãe, pra daro primeiro abraço de Ano Novo e pra falar:"Que que cê acha amor?". É não ter companhia garantida para viajar.É não ter para quem ligar quando recebe uma boa notícia.Dar é não querer dormir encaixadinho...É não ter alguém para ouvir seus dengos...Mas dar é inevitável, dê mesmo, dê sempre, dê muito. Mas dê mais ainda, muito mais do que qualquer coisa, uma chance ao amor.Esse sim é o maior tesão.Esse sim relaxa, cura o mau humor, ameniza todas as crises e faz você flutuarExperimente ser amado...
Luís fernando verissimo

EXIGÊNCIAS DA VIDA MODERNA
Dizem que todos os dias você deve comer uma maçã por causa do ferro.E uma banana pelo potássio.E também uma laranja pela vitamina C. Uma xícara de chá verde sem açúcar para prevenir a diabetes.Todos os dias deve-se tomar ao menos dois litros de água. E uriná-los, o que consome o dobro do tempo.Todos os dias deve-se tomar um Yakult pelos lactobacilos (que ninguém sabe bem o que é, mas que aos bilhões, ajudam a digestão). Cada dia uma Aspirina, previne infarto. Uma taça de vinho tinto também. Uma de vinho branco estabiliza o sistema nervoso. Um copo de cerveja, para... não lembro bem para o que, mas faz bem. O benefício adicional é que se você tomar tudo isso ao mesmo tempo e tiver um derrame, nem vai perceber.Todos os dias deve-se comer fibra. Muita, muitíssima fibra. Fibra suficiente para fazer um pulôver.Você deve fazer entre quatro e seis refeições leves diariamente. E nunca se esqueça de mastigar pelo menos cem vezes cada garfada. Só para comer, serão cerca de cinco horas do dia...E não esqueça de escovar os dentes depois de comer. Ou seja, você tem que escovar os dentes depois da maçã, da banana, da laranja, das seis refeições e enquanto tiver dentes, passar fio dental, massagear a gengiva, escovar a língua e bochechar com Plax. Melhor, inclusive, ampliar o banheiro e aproveitar para colocar um equipamento de som, porque entre a água, a fibra e os dentes, você vai passar ali várias horas por dia.Há que se dormir oito horas por noite e trabalhar outras oito por dia, mais as cinco comendo são vinte e uma.Sobram três, desde que você não pegue trânsito. As estatísticas comprovam que assistimos três horas de TV por dia. Menos você, porque todos os dias você vai caminhar ao menos meia hora (por experiência própria, após quinze minutos dê meia volta e comece a voltar, ou a meia hora vira uma).E você deve cuidar das amizades, porque são como uma planta: devem ser regadas diariamente, o que me faz pensar em quem vai cuidar delas quando eu estiver viajando.Deve-se estar bem informado também, lendo dois ou três jornais por dia para comparar as informações.Ah! E o sexo! Todos os dias, tomando o cuidado de não se cair na rotina. Há que ser criativo, inovador para renovar a sedução. Isso leva tempo - e nem estou falando de sexo tântrico.Também precisa sobrar tempo para varrer, passar, lavar roupa, pratos e espero que você não tenha um bichinho de estimação. Na minha conta são 29 horas por dia.A única solução que me ocorre é fazer várias dessas coisas ao mesmo tempo! Por exemplo, tomar banho frio com a boca aberta, assim você toma água e escova os dentes. Chame os amigos junto com os seus pais. Beba o vinho, coma a maçã e a banana junto com a sua mulher... na sua cama.Ainda bem que somos crescidinhos, senão ainda teria um Danoninho e se sobrarem 5 minutos, uma colherada de leite de magnésio.Agora tenho que ir.É o meio do dia, e depois da cerveja, do vinho e da maçã, tenho que ir ao banheiro.E já que vou, levo um jornal... Tchau!Viva a vida com bom humor!!!Luís Fernando Veríssimo
O homem trocadoO homem acorda da anestesia e olha em volta. Ainda está na sala derecuperação. Há uma enfermeira do seu lado. Ele pergunta se foi tudo bem.- Tudo perfeito - diz a enfermeira, sorrindo.- Eu estava com medo desta operação...- Por quê? Não havia risco nenhum.- Comigo, sempre há risco. Minha vida tem sido uma série de enganos...E conta que os enganos começaram com seu nascimento. Houve uma trocade bebês no berçário e ele foi criado até os dez anos por um casal deorientais, que nunca entenderam o fato de terem um filho claro com olhosredondos. Descoberto o erro, ele fora viver com seus verdadeiros pais. Oucom sua verdadeira mãe, pois o pai abandonara a mulher depois que esta nãosoubera explicar o nascimento de um bebê chinês.- E o meu nome? Outro engano.- Seu nome não é Lírio?- Era para ser Lauro. Se enganaram no cartório e...Os enganos se sucediam. Na escola, vivia recebendo castigo pelo que nãofazia. Fizera o vestibular com sucesso, mas não conseguira entrar nauniversidade. O computador se enganara, seu nome não apareceu na lista.- Há anos que a minha conta do telefone vem com cifras incríveis. No mêspassado tive que pagar mais de R$ 3 mil.- O senhor não faz chamadas interurbanas?- Eu não tenho telefone!Conhecera sua mulher por engano. Ela o confundira com outro. Não foramfelizes.- Por quê?- Ela me enganava.Fora preso por engano. Várias vezes. Recebia intimações para pagar dívidasque não fazia. Até tivera uma breve, louca alegria, quando ouvira o médicodizer:- O senhor está desenganado.Mas também fora um engano do médico. Não era tão grave assim. Umasimples apendicite.- Se você diz que a operação foi bem...A enfermeira parou de sorrir.- Apendicite? - perguntou, hesitante.- É. A operação era para tirar o apêndice.- Não era para trocar de sexo?
Nunca tinha entendido por que as necessidades sexuais dos homens e das mulheres são tão diferentes. Nunca tinha entendido tudo isso de Marte e Vênus. E nunca tinha entendido por que os homens pensam com a cabeça e as mulheres com o coração. Uma noite, semana passada, minha mulher e eu estávamos indo para a cama. Bom, começamos a ficar à vontade, fazer carinhos, e nesse momento, ela fala: "Acho que agora não quero, só quero que você me abrace". Eu falei: "O QUEEEEEE??????" Ela falou: "Você não sabe se conectar com as minhas necessidades emocionais como mulher". Comecei a pensar onde podia ter falhado. No final, assumi que naquela noite não ia rolar nada, virei e dormi. No dia seguinte fomos a um grande hipermercado, com muitas lojas dentro dele. Dei uma volta enquanto ela experimentava três modelitos caríssimos. Como não podia decidir por um ou outro, falei para comprar os três. Então ela me falou que precisava de uns sapatos que combinassem, a R$ 200,00 cada par. Respondi que tudo bem. Depois fomos à seção de joalheria, de onde saiu com uns brincos de diamantes. Estava tão emocionada! Deveria estar pensando que fiquei louco, agora penso que estava me testando quando pediu também uma raquete de tênis, porque nem tênis ela joga. Acredito que acabei com seus esquemas e paradigmas quando falei que sim. Ela estava quase excitada sexualmente depois de tudo isso; Vocês tinham que ver a carinha dela, toda feliz! Quando ela falou: "Vamos passar no caixa para pagar" , tive dificuldade para me segurar ao falar com ela: "Não, meu bem, acho que agora não quero comprar tudo isso". Ela ficou pálida. Ainda falei: "Só quero que você me abrace". No momento em que começou a ficar com cara de querer me matar, falei: "Você não sabe se conectar com as minhas necessidades financeiras como homem.." Acredito que o sexo acabou para mim até o natal de 2008... >Luis Fernando Veríssimo
Já deve ter acontecido com você.- Não está se lembrando de mim?Você não está se lembrando dele. Procura, freneticamente, em todas as fichas armazenadas na memória o rosto dele e o nome correspondente, e não encontra. E não há tempo para procurar no arquivo desativado. Ele está ali, na sua frente, sorrindo, os olhos iluminados, antecipando a sua resposta. Lembra ou não lembra?Neste ponto, você tem uma escolha. Há três caminhos a seguir.Um, o curto, grosso e sincero.- Não.Você não está se lembrando dele e não tem por que esconder isso. O “Não” seco pode até insinuar uma reprimenda à pergunta. Não se faz uma pergunta assim, potencialmente embaraçosa, a ninguém, meu caro. Pelo menos não entre pessoas educadas. Você devia ter vergonha. Não me lembro de você e mesmo que lembrasse não diria. Passe bem.Outro caminho, menos honesto mas igualmente razoável, é o da dissimulação.- Não me diga. Você é o... o...“Não me diga”, no caso, quer dizer “Me diga, me diga”. Você conta com a piedade dele e sabe que cedo ou tarde ele se identificará, para acabar com a sua agonia. Ou você pode dizer algo como:- Desculpe deve ser a velhice, mas...Este também é um apelo à piedade. Significa “Não torture um pobre desmemoriado, diga logo quem você é!” É uma maneira simpática de dizer que você não tem a menor idéia de quem ele é, mas que isso não se deve à insignificância dele e sim a uma deficiência de neurônios sua.E há o terceiro caminho. O menos racional e recomendável. O que leva à tragédia e à ruína. E o que, naturalmente, você escolhe.- Claro que estou me lembrando de você!Você não quer magoá-lo, é isso. Há provas estatísticas que o desejo de não magoar os outros está na origem da maioria dos desastres sociais, mas você não quer que ele pense que passou pela sua vida sem deixar um vestígio sequer. E, mesmo, depois de dizer a frase não há como recuar. Você pulou no abismo. Seja o que Deus quiser. Você ainda arremata:- Há quanto tempo!Agora tudo dependerá da reação dele. Se for um calhorda, ele o desafiará.- Então me diga quem eu sou.Neste caso você não tem outra saída senão simular um ataque cardíaco e esperar, falsamente desacordado, que a ambulância venha salvá-lo. Mas ele pode ser misericordioso e dizer apenas:- Pois é.Ou:- Bota tempo nisso.Você ganhou tempo para pesquisar melhor a memória. Quem é esse cara, meu Deus? Enquanto resgata caixotes com fichas antigas do meio da poeira e das teias de aranha do fundo do cérebro, o mantém à distância com frases neutras como “jabs” verbais.- Como cê tem passado?- Bem, bem.- Parece mentira.- Puxa.(Um colega da escola. Do serviço militar. Será um parente? Quem é esse cara, meu Deus?)Ele está falando:- Pensei que você não fosse me reconhecer...- O que é isso?!- Não, porque a gente às vezes se decepciona com as pessoas.- E eu ia esquecer você? Logo você?- As pessoas mudam. Sei lá.- Que idéia!(É o Ademar! Não, o Ademar já morreu. Você foi ao enterro dele. O... o... como era o nome dele? Tinha uma perna mecânica. Rezende! Mas como saber se ele tem uma perna mecânica? Você pode chutá-lo, amigavelmente. E se chutar a perna boa? Chuta as duas. “Que bom encontrar você!” e paf, chuta uma perna. “Que saudade!” e paf, chuta a outra. Quem é esse cara?)- É incrível como a gente perde contato.- É mesmo.Uma tentativa. É um lance arriscado, mas nesses momentos deve-se ser audacioso.- Cê tem visto alguém da velha turma?- Só o Pontes.- Velho Pontes!(Pontes. Você conhece algum Pontes? Pelo menos agora tem um nome com o qual trabalhar. Uma segunda ficha para localizar no sótão. Pontes, Pontes...)- Lembra do Croarê?- Claro!- Esse eu também encontro, às vezes, no tiro ao alvo.- Velho Croarê!(Croarê. Tiro ao alvo. Você não conhece nenhum Croarê e nunca fez tiro ao alvo. É inútil. As pistas não estão ajudando. Você decide esquecer toda a cautela e partir para um lance decisivo. Um lance de desespero. O último, antes de apelar para o enfarte.)- Rezende...- Quem?Não é ele. Pelo menos isso está esclarecido.- Não tinha um Rezende na turma?- Não me lembro.- Devo estar confundindo.Silêncio. Você sente que está prestes a ser desmascarado.- Sabe que a Ritinha casou?- Não!- Casou.- Com quem?- Acho que você não conheceu. O Bituca.Você abandonou todos os escrúpulos. Ao diabo com a cautela. Já que o vexame é inevitável, que ele seja total, arrasador. Você está tomado por uma espécie de euforia terminal. De delírio do abismo. Como que não conhece o Bituca?- Claro que conheci! Velho Bituca...- Pois casaram...É a sua chance. É a saída. Você passa ao ataque.- E não me avisaram nada?!- Bem...- Não. Espera um pouquinho. Todas essas coisas acontecendo, a Ritinha casando com o Bituca, o Croarê dando tiro, e ninguém me avisa nada?!- É que a gente perdeu contato e...- Mas o meu nome está na lista, meu querido. Era só dar um telefonema. Mandar um convite.- É...- E você ainda achava que eu não ia reconhecer você. Vocês é que esqueceram de mim!- Desculpe, Edgar. É que...- Não desculpo não. Você tem razão. As pessoas mudam...(Edgar. Ele chamou você de Edgar. Você não se chama Edgar. Ele confundiu você com outro. Ele também não tem a mínima idéia de quem você é. O melhor é acabar logo com isso. Aproveitar que ele está na defensiva. Olhar o relógio e fazer cara de “Já?!”)- Tenho que ir. Olha, foi bom ver você, viu?- Certo, Edgar. E desculpe, hein?- O que é isso? Precisamos nos ver mais seguido.- Isso.- Reunir a velha turma.- Certo.- E olha, quando falar com a Ritinha e o Mutuca...- Bituca.- E o Bituca, diz que eu mandei um beijo. Tchau, hein?- Tchau, Edgar!Ao se afastar, você ainda ouve, satisfeito, ele dizer “Grande Edgar”. Mas jura que é a última vez que fará isso. Na próxima vez que alguém lhe perguntar “Você está me reconhecendo?” não dirá nem não. Sairá correndo.Este texto está nos livros As mentiras que os homens contam, Comédias da vida privada e O suicida e O computador.
Luis Fernando Verissímo

Pensando bem em tudo o que a gente vê e vivenciae ouve e pensa, não existe uma pessoa certa pra gente.Existe uma pessoa que se você for parar pra pensar é, na verdade, a pessoa errada.Porque a pessoa certa faz tudo certinho!Chega na hora certa, fala as coisas certas,faz as coisas certas, mas nem sempre a gente tá precisando das coisas certas.Aí é a hora de procurar a pessoa errada.A pessoa errada te faz perder a cabeça, perder a hora, morrer de amor...A pessoa errada vai ficar um dia sem te procurarque é pra na hora que vocês se encontrarema entrega ser muito mais verdadeira.A pessoa errada, é na verdade, aquilo que a gente chama de pessoa certa.Essa pessoa vai te fazer chorar, mas uma hora depois vai estar enxugando suas lágrimas.Essa pessoa vai tirar seu sono.Essa pessoa talvez te magoe e depois te enche de mimos pedindo seu perdão.Essa pessoa pode não estar 100% do tempo ao seu lado, mas vai estar 100% da vida dela esperando você.Vai estar o tempo todo pensando em você.A pessoa errada tem que aparecer pra todo mundo, porque a vida não é certa.Nada aqui é certo!O que é certo mesmo, é que temos que viver cada momento, cada segundo, amando, sorrindo, chorando, emocionando, pensando, agindo,querendo,conseguindo...E só assim, é possível chegar àquele momento do dia em que a gente diz: "Graças à Deus deu tudo certo"Quando na verdade, tudo o que Ele quer é que a gente encontre a pessoa errada pra que as coisas comecem a realmente funcionar direito pra gente...
Luis Fernando Veríssimo

E tudo mudou...O rouge virou blush O pó-de-arroz virou pó-compacto O brilho virou gloss O rímel virou máscara incolor A Lycra virou stretch Anabela virou plataforma O corpete virou porta-seios Que virou sutiã Que virou lib Que virou silicone A peruca virou aplique, interlace, megahair, alongamento A escova virou chapinha "Problemas de moça" viraram TPM Confete virou MM A crise de nervos virou estresse A chita virou viscose. A purpurina virou gliter A brilhantina virou mousse Os halteres viraram bomba A ergométrica virou spinning A tanga virou fio dental E o fio dental virou anti-séptico bucal Ninguém mais vê... Ping-Pong virou Babaloo O a-la-carte virou self-service A tristeza, depressão O espaguete virou Miojo pronto A paquera virou pegação A gafieira virou dança de salão O que era praça virou shopping A areia virou ringue A caneta virou teclado O long play virou CD A fita de vídeo é DVD O CD já é MP3 É um filho onde éramos seis O álbum de fotos agora é mostrado por email O namoro agora é virtual A cantada virou torpedo E do "não" não se tem medo O break virou street O samba, pagode O carnaval de rua virou Sapucaí O folclore brasileiro, halloween O piano agora é teclado, também O forró de sanfona ficou eletrônico Fortificante não é mais Biotônico Bicicleta virou Bis Polícia e ladrão virou counter strike Folhetins são novelas de TV Fauna e flora a desaparecer Lobato virou Paulo Coelho Caetano virou um chato Chico sumiu da FM e TV Baby se converteu RPM desapareceu Elis ressuscitou em Maria Rita? Gal virou fênix Raul e Renato, Cássia e Cazuza, Lennon e Elvis, Todos anjos Agora só tocam lira... A AIDS virou gripe A bala antes encontrada agora é perdida A violência está coisa maldita! A maconha é calmante O professor é agora o facilitador As lições já não importam mais A guerra superou a paz E a sociedade ficou incapaz... ... De tudo. Inclusive de notar essas diferenças
Minha mulher e eu temos o segredo para fazer um casamento durar:Duas vezes por semana, vamos a um ótimo restaurante, com uma comida gostosa, uma boa bebida e um bom companheirismo. Ela vai às terças-feiras e eu, às quintas. Nós também dormimos em camas separadas: a dela é em Fortaleza e a minha, em SP. Eu levo minha mulher a todos os lugares, mas ela sempre acha o caminho de volta. Perguntei a ela onde ela gostaria de ir no nosso aniversário de casamento, "em algum lugar que eu não tenha ido há muito tempo!" ela disse. Então, sugeri a cozinha. Nós sempre andamos de mãos dadas... Se eu soltar, ela vai às compras! Ela tem um liquidificador, uma torradeira e uma máquina de fazer pão, tudo elétrico. Então, ela disse: "nós temos muitos aparelhos, mas não temos lugar pra sentar".Daí, comprei pra ela uma cadeira elétrica. Lembrem-se: o casamento é a causa número 1 para o divórcio. Estatisticamente, 100 % dos divórcios começam com o casamento. Eu me casei com a "senhora certa".Só não sabia que o primeiro nome dela era "sempre".Já faz 18 meses que não falo com minha esposa. É que não gosto de interrompê-la. Mas, tenho que admitir: a nossa última briga foi culpa minha. Ela perguntou: "O que tem na TV?" E eu disse: "Poeira".