domingo, 23 de agosto de 2009

Paulo Coelho

Raul, Gil e Veronika
Postado por Paulo Coelho em 21 de agosto de 2009 às 14:44
Hoje o dia parece rico em polêmicas. Não vale a pena discutir apenas pelo prazer de argumentar alguma coisa, mas não posso deixar passar três assuntos em branco – já que tenho uma direta relação com eles.
Começamos com Raul Seixas. Como declarei para a revista “Rolling Stone”, vinte anos atrás eu estava fazendo o Caminho de Roma quando soube de sua morte em uma cabine telefônica. Liguei para o Brasil (como fazia uma vez por semana) para ver se minha mulher estava bem. Tinha três moedas de cinco francos no bolso, um minuto e meio de conversa. Eu disse: “oi Cris, tudo bem?”. E ela: “Não sei se eu te conto”. Caiu a primeira moeda, depois a segunda e daí ela disse: “O Raul morreu”. Caiu a terceira moeda.
Fico muito contente ao ver que hoje Raul está mais vivo que nunca. Mas não se iludam: em seus últimos anos de vida era motivo de chacota para apresentadores de TV, e sistematicamente ignorado ou atacado pela imprensa. Eu acompanhei isso de perto – não é informação que me passaram. Mais de uma vez Raul me perguntou: “por que os jornalistas me odeiam tanto?” Infelizmente, a tragédia consagra. Assistimos a Jim Morrison no passado, e assistimos a Michael Jackson agora. A imprensa fez tudo para destruir Michael Jackson e, quando ele morreu, a comoção popular foi gigantesca. Longe de mim dizer que Raul morreu porque sentia-se rejeitado – sua morte foi uma escolha, e ponto final, não cabe a ninguém julgar sua decisão. Mas se estivesse vivo, não sei se seu ( ou nosso, dependendo das músicas) trabalho teria a repercussão que merece. Quem tiver paciência, que leia o brilhante discurso feito por Marco Antonio logo depois da morte de Julio Cesar, em “Julius Cesar” de Shakespeare.
Passamos para Gilberto Gil. Hoje um jornal paulista questiona o fato de Gil ter pedido apoio da Lei Rouanet. Ora bolas, não foi ele quem criou tal lei, e merece tanto respeito como todo e qualquer artista. Foi um ministro íntegro, levou a cultura brasileira a cantos aonde não conseguia chegar, teve o respeito, a atenção e o carinho de todos os seus pares estrangeiros. Para mim, foi talvez o melhor ministro da Cultura que tivemos recentemente. E no entanto, só pelo inscrever-se no programa, é imediatamente questionado. O atual detentor da pasta, Juca Ferreira, diz com toda razão: “a lei é para consagrados e não consagrados”. Gilberto Gil tem tanto direito de pleitear o apoio da Lei Rouanet como qualquer outro artista brasileiro. Ou será que é preciso que morra – como aconteceu com Raul – para ter seu inegável talento reconhecido?
Terminamos com “Veronika decide morrer”, o filme. Em primeiro lugar quero alertar a todos que não sei dos desígnios divinos, mas não tenho planos de morrer – como o personagem do título – tão cedo. Muito pelo contrário, espero completar meus vividos 62 anos na madrugada de domingo para segunda-feira. Não vi o filme. Recusei todas as entrevistas que me pediram, incluindo a do portal G1, onde mantenho este blog.
Tudo isso porque não sou o autor do roteiro, não dirigi, não conheço Sarah Michelle Gellar, e não acompanhei nada de perto. E qual minha surpresa hoje, ao ler as críticas? Em 80% dos casos, esqueceram o filme e preferiram partir para o ataque pessoal contra o autor do texto no qual “Veronika decide morrer”é baseado (neste caso, aquele que vos escreve). É a primeira vez que vejo o livro sendo mais importante que a película. Quais são os autores dos filmes baseados em livros que estão atualmente em cartaz? Eu sei alguns. Mas em nenhuma das resenhas o crítico os menciona. Mencionam diretor, ator etc. – mas é absolutamente irrelevante o livro que deu origem, porque a linguagem do cinema nada tem a ver com o autor do texto.
Exceto, claro, no caso de “Veronika decide morrer”. Evidente se a crítica fosse sobre o livro, eu não estaria aqui escrevendo isso. Mas não é, e não é justa a associação. Podem não gostar do que eu escrevo; podem também não gostar do filme. Mas um crítico com dignidade não faria associações que simplesmente não existem.
Raul Seixas, Gilberto Gil, Veronika. Todos, com muito orgulho, nascidos no Brasil (embora na ficção Veronika seja eslovena, e no filme foi transformada em nova-iorquina). Um país generoso, onde ainda bem as pessoas sabem o que querem – apesar das manipulações que têm data marcada para chegar, e data marcada para sair.


O amor cura
Postado por Paulo Coelho em 21 de agosto de 2009 às 00:58
Li no jornal sobre uma criança, em Brasília, que foi brutalmente espancada pelos pais. Como resultado, perdeu os movimentos do corpo e ficou sem fala.
Internada no Hospital de Base, ela foi cuidada por uma enfermeira que lhe dizia diariamente: “eu te amo”.
Embora os médicos garantissem que não conseguiria escutá-la, e que seus esforços eram inúteis, a enfermeira continuava a repetir: “Eu te amo, não esqueça”.
Três semanas depois, a criança havia recuperado os movimentos. Quatro semanas depois, voltava a falar e sorrir.
A enfermeira nunca deu entrevistas, e o jornal não publicava seu nome.
Mas fica aqui o registro, para que não esqueçamos nunca: o amor cura.


A porta da lei
Postado por Paulo Coelho em 20 de agosto de 2009 às 00:15
Kafka conta a história de um homem que procura justiça, caminha até o Palácio da Lei.
Diante da porta do palácio, um soldado monta a guarda. Como o sentinela não lhe dirige uma palavra, o homem resolve esperar. Espera um dia, mas o guarda continua mudo.
“Se eu ficar por aqui, ele perceberá que eu quero entrar”, pensa o homem. E ali permanece.
Passam-se dias, semanas, e anos inteiros. O homem continua diante da porta, e o sentinela continua montando guarda.
As décadas passam, o homem envelhece, e já não consegue mover-se.
Finalmente, quando nota que a morte se aproxima, reúne suas últimas forças e pergunta ao guarda: “Eu vim até aqui em busca de justiça. Por que você não me deixou entrar?”
“Eu não lhe deixei?”, responde, surpreso, o sentinela. “Você nunca me disse o que estava fazendo aí! A porta estava aberta, bastava empurrá-la. Por que você não entrou?”

A verdadeira importância
Postado por Paulo Coelho em 19 de agosto de 2009 às 00:22
Jean passeava com seu avô por uma praça de Paris. A determinada altura viu um sapateiro sendo destratado por um cliente, cujo calçado apresentava um defeito.
O sapateiro escutou calmamente a reclamação, pediu desculpas, e prometeu refazer o erro.
Pararam para tomar um café num bistrô. Na mesa ao lado, o garçom pediu a um homem que movesse um pouco a cadeira, para abrir espaço. O homem irrompeu numa torrente de reclamações, e negou-se.
“Nunca esqueça o que viu”, disse o avô para Jean. “O sapateiro aceitou uma reclamação, enquanto este homem a nosso lado não quis mover-se. Os homens úteis, que fazem algo útil, não se incomodam de serem tratados como inúteis. Mas os inúteis sempre se julgam importantes, e escondem toda a sua incompetência atrás da autoridade.

A reflexão
Postado por Paulo Coelho em 18 de agosto de 2009 às 00:26
Um texto que encontrei na Internet, e que não trazia o nome do autor:
A grande defesa contra a velhice é a capacidade que ainda temos de acreditar em nossos sonhos.
Não existe nada tão real quanto um sonho. Ele é o caminho que existe entre o que somos, e o que desejamos ser.
A realização de uma vida não é o dinheiro. Nem o poder. É a alegria.
O sonho é aquilo que nos unirá, no futuro, com a pessoa que somos neste instante - jovem, e cheia de esperança. Seguremos, portanto, esta benção, com toda a força que pudermos. E trabalhemos por ela.
Desta forma, você pode envelhecer, mas nunca será um velho.

O homem que perdoava
Postado por Paulo Coelho em 17 de agosto de 2009 às 01:14
Há muitos anos, vivia um homem que era capaz de amar e perdoar a todos que encontrava em seu caminho. Por causa disso, Deus enviou um anjo para conversar com ele.
- Deus pediu que eu viesse visitá-lo e lhe dizer que Ele quer recompensá-lo por sua bondade – disse o anjo. - Qualquer graça que desejar lhe será concedida. Você gostaria de ter o dom de curar?
- De maneira nenhuma – respondeu o homem. – Prefiro que o próprio Deus selecione aqueles que devem ser curados.
- E que tal trazer os pecadores para o caminho da Verdade?
- Isso é uma tarefa de anjos como você. Eu não quero ser venerado por ninguém e ficar servindo de exemplo o tempo todo.
- Eu não posso voltar para o céu sem ter lhe concedido um milagre. Se não escolher, será obrigado a aceitar um.
O homem refletiu um pouco, e terminou respondendo:
- Então, eu desejo que o Bem seja feito por meu intermédio, mas sem que ninguém perceba – nem eu mesmo, que poderei pecar por vaidade.
E o anjo fez com que a sombra daquele homem tivesse o poder de cura, mas só quando o sol estivesse batendo em seu rosto. Desta maneira, por onde passasse, os doentes eram curados, a terra voltava a ser fértil e as pessoas tristes recuperavam a alegria.
O homem caminhou muitos anos pela Terra, sem jamais se dar conta dos milagres que realizava. Porque, quando estava de frente para o sol, a sombra estava sempre nas suas costas.
Desta maneira, pode viver e morrer sem ter consciência da própria santidade.

Dando o que tem
Postado por Paulo Coelho em 16 de agosto de 2009 às 00:13
Um sábio chegou à cidade de Akbar, mas as pessoas não deram muita importância. Conseguiu reunir em torno de si apenas alguns jovens, enquanto o resto dos habitantes ironizava seu trabalho.
Passeava com os poucos discípulos pela rua principal, quando um grupo de homens e mulheres começou a insultá-lo. Ao invés de fingir que ignorava o que acontecia, o sábio foi até eles e abençoou-os.
Ao sair dali, um dos discípulos comentou:
- Eles dizem coisas horríveis, e o senhor responde com belas palavras.
O sábio respondeu:
- Cada um de nós só pode oferecer o que tem.

Vamos morrer um dia
Postado por Paulo Coelho em 15 de agosto de 2009 às 01:40
Grande parte das civilizações primitivas costumava enterrar seus mortos na posição fetal. “Ele está nascendo para uma outra vida, de modo que vamos colocá-lo na mesma posição que veio para este mundo”, diziam.
Para estas civilizações – em constante contato com o milagre da transformação – a morte era apenas mais um passo no longo caminho do Universo.
Aos poucos, fomos perdendo a suave visão da morte.
Mas não importa o que pensamos, o que fazemos, ou em que acreditamos: queiramos ou não, vamos todos morrer um dia. Então, é melhor fazer como os velhos índios iaqui: usar a morte como conselheira. Perguntar sempre: “já que vou morrer, o que devo fazer agora?”