terça-feira, 16 de março de 2010

RUBEM ALVES



Se eu fizer os exames vestibulares, não passarei.
E se o novo reitor da UNICAMP fizer os vestibulares, não passará.
Se o Ministro da Educação fizer os vestibulares, não passará.
Se os professores das universidades fizerem os vestibulares, não passarão.
Se os professores dos cursinhos que preparam os alunos para passar nos vestibulares fizerem os vestibulares, não passarão (cada professor só passará na disciplina em que é especialista...).
Se aqueles que preparam as questões para os vestibulares fizerem os vestibulares, não passarão.
Então me digam, por favor: por que é que os jovens adolescentes têm de passar no vestibular?
Os vestibulares são um desperdício de tempo, de dinheiro, de vida e de inteligência.
Passados os exames, a memória (inteligente) se encarrega de esquecer tudo.
A memória não carrega peso inútil. "

Rubem Alves Conversas com quem gosta de Ensinar!
"Não sei como preparar o educador.Talvez poruqe isso não seja possível nem necessário,nem possiível...
É necessário acordá-lo.E aí aprenderemos que educadores não se estinguiram como tropeiros e caixeiros. Poruqe, talvez,nem caixeiros e tropeiros tenham desaparecido,mas permaneçam como memórias de um passado que está mais próximo do nosso futuro que o ontem.
Basta que os chamemos de seu sono,por um ato de amor e coragem. E talve,acordados,repetirão o milagre da instauração de novos mundos."
O PINTASSILGO E AS RÃS - Rubem Alves
Num lugar muito longe daqui, havia um poço fundo, abandonado e escuro que alguém cavara, muitos e muitos anos atrás, não se sabe bem para que. Lá dentro se alojou um bando de rãs. As primeiras a entrar pensaram que aquele era um local bom de se viver, protegido, úmido, gostoso. De um pulo caíam lá dentro. Só que não perceberam que pular no buraco é fácil. O difícil é pular para fora dele. O poço era fundo demais e elas nunca mais puderam sair. Ficaram vivendo lá dentro. Casaram-se; tiveram filhos, multiplicaram-se. As mais velhas ainda se lembravam da beleza do mundo de fora e morriam de saudades. Contavam estórias para seus filhos e netos.-- Quando eu era jovem, e ainda não tinha caído neste buraco... Era assim que sempre começavam. A princípio, a meninada parava para ouvir e gostava. "Estórias da carochinha", eles diziam. O fato é que nunca haviam estado do lado de fora, e pensavam que as tais estórias não passavam de invenções de seus avós já caducos. O tempo passou, os velhos morreram, e até mesmo essas estórias foram esquecidas. As novas gerações foram educadas segundo novos princípios pedagógicos, currículos adequados à realidade, o que importa é passar no vestibular, e acabaram por acreditar que o seu buraco era tudo o que existe no universo. Isto era cientifico, resultado da rigorosa análise material do seu mundo. O real era um cilindro oco e profundo, onde a água, a terra e o ar se combinavam para formar tudo o que existia. As rãzinhas aprendiam que o seu era o melhor dos mundos e, na escola, aprendiam a recitar:"Rãzinha, não verás buraco algum como esteAma, com orgulho, o buraco em que nasceste..."A vida, lá dentro, era como a vida em todo lugar. Havia as rãs fortes e truculentas. Elas mandavam nas outras que eram fracas e tinham de obedecer e trabalhar dobrado. Os insetos mais gostosos iam sempre para as mais fortes. As rãs oprimidas achavam, com toda a razão, que isto era uma injustiça. E, por isso mesmo, preparavam-se para uma grande revolução que poria fim a esse estado de coisas. Quando a classe dominante fosse derrubada, a vida no fundo do poço ficaria democrática e os insetos seriam distribuídos com justiça...Se o buraco não era tão bom quanto cantava a poesia (assim diziam os ideólogos da revolução), era porque ele estava dominado pelas rãs fortes...Aconteceu, entretanto, que um pintassilgo que voava por ali viu a boca do poço. Ficou curioso e resolveu investigar. Baixou o vôo e entrou nas profundezas. Qual não foi a sua surpresa ao descobrir as rãs! Mas mais perplexas ficaram elas ante a presença daquela estranha criatura. A simples presença do pintassilgo punha em questão todas as teorias sobre o mundo, pois que dele não havia registro algum em seus arquivos históricos. O pintassilgo morreu de dó ao ver as pobres rãs, prisioneiras daquele buraco fétido e escuro, sem nada saber do lindo mundo que havia fora do poço. Como é que elas podiam viver ali dentro, sem nunca pensar em sair? Claro que para se planejar sair é preciso acreditar que existe um "lá fora". Mas as rãs sabiam que um "lá fora" não existia, pois os limites do seu buraco eram os limites do universo.O pintassilgo resolveu contar-lhes como era o mundo de fora. E se pôs a cantar furiosamente. Queria ajudar as pobres rãs...Trinou flores, campos verdes, riachos cristalinos, lagoas, insetos de todos os tipos, sapos de outras raças e outros coaxares, bichos os mais variados, o sol, a lua, as estrelas, as nuvens.As rãs ficaram em polvorosa e logo se dividiram.Algumas acreditaram e começaram a imaginar como seria lá fora. Ficaram mais alegres e até mesmo mais bonitas. Coaxaram canções novas. E começaram a fazer planos para a fuga do poço. Desinteressaram-se das esperanças políticas antigas.-- Não, não queremos democratizar o fundo do poço. Queremos é sair dele... Preferimos ser gente simples lá fora, onde tudo é bonito, a ser elite dominando aqui dentro, onde tudo é escuro e fedido...As outras fecharam a cara e coaxaram mais grosso ainda. Não acreditaram...O pintassilgo resolveu, então, trazer provas do que dizia. Chamou abe-lhas, com mel. Convidou borboletas coloridas. Trouxe flores perfumadas...Mas tudo foi inútil para os que não queriam acreditar.-- Este bicho é um grande enganador, eles diziam. Sabemos que estas coisas não existem. Aprendemos em nossas escolas...O rei reuniu seus generais e ponderou que as idéias do pintassilgo eram politicamente perigosas. As rãs estavam perdendo o interesse pelo trabalho. Produziam menos. Com isto havia menos recursos para as despesas do Estado, especialmente uma ferrovia que se pretendia construir, ligando um lado do poço ao outro. Trabalhavam menos, coaxavam mais. Claro que as palavras do pintassilgo só podiam ser mentiras deslavadas, intrigas de oposição...Os revolucionários, igualmente, puseram o pintassilgo de quarentena, pois o seu canto enfraquecia politicamente as rãs dominadas, que agora estavam mais interessadas em sair que em revolucionar o poço.As rãs intelectuais, por sua vez, se puseram a fazer a análise filosófica, ideológica e psicanalítica da fala do pintassilgo. O seu relatório foi longo. Nele concluíram que:de um ponto de vista filosófico, faltava rigor ao discurso do pássaro, pois ele mais se aproximava da poesia que da ciência;de um ponto de vista ideológico, tratava-se de um discurso alienado, no qual não se fazia nem mesmo uma análise crítica das condições objetivas da sociedade ranal;de um ponto de vista psicanalítico, era óbvio que o pintassilgo sofria de perigosas alucinações que, dado o seu conteúdo, poderiam se transformar num fenômeno de massas.Observaram, finalmente, que dadas as evidências, o pintassilgo se constituía num grave perigo tanto para a cultura como para as instituições do mundo das rãs. E com isto pediam das pessoas de boa vontade e responsabilidade as providências devidas para erradicar o mal.O manifesto das rãs foi acolhido unanimemente tanto pelos líderes da direita como pelos líderes da esquerda pois, para além de suas discordâncias conjunturais, estava seu compromisso comum com o bem-estar e a tranquilidade da família ranal.Por ocasião da próxima visita do pintassilgo, ele foi preso, acusado de enganador do povo, morto, empalhado e exposto no Museu de História.Quanto às rãs, foram para sempre proibidas de coaxar as canções que o pintassilgo lhes ensinara.Um aluninho-rã, que visitava o museu, perguntou à sua professora:-- Que é aquilo, professora?-- É um pintassilgo, ela respondeu.-- E que coisas estranhas são aquelas nas suas costas?, ele perguntou. -- São asas...-- E para que servem?, ele insistiu.-- Para voar...-- E nós voamos?-- Não, respondeu a professora. Nós não voamos. Nós pulamos...
E não seria melhor voar?A professora compreendeu então, com um discreto sorriso, que um pintassilgo, mesmo empalhado, nunca seria esquecido.