A rua onde eu moro chama Rua do Sol.
É uma rua estreitinha, que não tem saída.
Quer dizer, saída tem. Pra gente. Pra carro é que não tem.
No fundo da rua tem um portão que dá para o parque das freiras. A gente chama o parque de parque das freiras até hoje. Só que agora não é mais delas.
Naquele tempo que eu estou contando o parque era do colégio das freiras. Mas elas sempre abriram o portão e a gente ia brincar lá dentro.
Minha casa ficava na esquina, encostada ao beco da padaria à casa da Mariana.
A Mariana era uma menina gordinha que tinha um cachorrinho muito cabeludo. Era engraçada, usava cabelo Maria-chiquinha.
Foi a Mariana que trouxe o Davi pra nossa turma.
O Davi mudou pra casa da outra esquina, lá na ponta da rua. Ele era muito envergonhado, não falava com ninguém.
Aí o Bingo - o cachorro da Mariana - viu o portão da casa do Davi aberto e foi entrando sem pedir licença.
Também, nunca na minha vida eu vi cachorro pedir licença...
Aí o cachorro entrou na casa do Davi e começou a fazer festa pra ele, e ele gostou; e quando a Mariana chegou pra pegar o cachorro eles ficaram logo amigos.
No começo, logo que a Mariana trouxe o Davi pra turma, a gente não gostava muito dele não. Ele tinha medo das coisas, não sabia brincar direito...
Também, ele era o menor de todos da rua.
A gente ia convidar o Davi pra brincar, ele falava:
- Minha mãe não quer que eu vou.
- Não quer que eu vá - dizia Mariana.
- Minha mãe não se importa se você vai ou não, ela não quer que eu vou.
Mariana ria e puxava o Davi.
- Ah, vem bobo, vamos brincar!
De tanto que a Mariana chateava, ele acabava indo.
Aí a gente falava:
- Vamos jogar futebol?
Ele respondia:
- Minha mãe não quer que eu me sujo.
- Que eu me suje - dizia Mariana.
- Minha mãe tá pouco se importando de você se suja. Ela não quer que eu me sujo!
Mariana ria e puxava o Davi.
- Ah, vem bobo!
E ele acabava indo.
E daí a pouco ele já estava amigo de todo mundo e fazendo quase tudo que a gente fazia.
E depois que o Davi entrou na escola e começou a ir todo dia com a gente pra aula, a gente ainda ficou mais amigo.
Ele ia o tempo todo com o lápis na mão, e ia riscando tudo que era parede branca que ele via.
A gente levou cada corrida por causa disso...
Mas eu estava contando a história di parque das freiras. Era lá qie a gente se reunia pra tudo. Pra combinar piquenique, festa de São João ou campeonato de bolinha de gude.
Era lá que a gente jogava futebol e empinava papagaio.
Foi lá que eu aprendi a subir em árvore e a jogar cacheta.
E acho que foi lá que eu aprendi eu quando a gente quer muito alguma coisa tem de lutar por ela.
Um dia, eu estava oltando da escola, era mais ou menos uma hora da tarde.
Eu fiquei espantado, porque lá no fim da rua, perto da minha casa, estava toda a nossa turma reunida.
Estavam todos parados, em frente ao parque das freiras.
Tinha uns homens lá, pregando uma placa enorme bem na frente do terreno.
Na placa estava escrito:
SUPERULTRA MERCADÃO GOLIAS
O pessoal estava muito impressionado.
- Eles vão fazer um supermercado aí - dizia o Beto.
- Vão estragar nosso parque - reclamava Mariana.
- Vão acabar com o nosso campinho - gritava Cassiano.
- Mas como é que pode? - perguntou a Gabriela. - o terreno não é das freiras? Elas vão deixar construir esse tal de supermercado?
- Minha mãe disse que elas venderam - disse o Cassiano.
A mãe e o pai do Cassiano eram jornalistas. Eles sabiam de tudo que acontecia.
- E o seu Golias já não tem um supermercado aí do lado? Pra que ele quer outro? - perguntou Mariana.
O Davi nessa altura já estava rabiscando o mudo com uma porção de manbsofpwjskndslkjlksgd que
Que ele tinha aprendido na escola.
- Que que você sta escrevendo aí? - perguntou Mariana.
- Eu sei lá! Eu ainda não sei ler... - respondeu Davi.
Aí a gente resolveu que tinha de falar com o seu Golias.
Fomos eu, a Mariana, a Gabriela e o Beto. E o Davi, que não desgrudava da Mariana.
Seu Golias ficou muito espantado da gente dizer que não queria que ele fizesse o supermercado. Ele era um sujeiro esquisito e falava de um jeito gozado:
- Olha aqui, meninos, se eu não construir o supermercado não vou vender muitas mercadorias. Certo? Se eu não vender muitas mercadorias não vou ganhar muito dinheiro. Certo? Se eu não ganhar muito dinheiro não vou poder pagar minhas contas. Certo? Se eu não pagar minhas contas vou parar na cadeia. Certo? Vocês querem que eu vá parar na cadeia? É isso que vocês querem?
- Que é isto, seu Golias? A gente não quer nada disso não - respondeu o Beto.
E então ele começou a imitar o seu Golias.
- Vamos começar tudo de novo. Se o senhor não construir o supermercado não vai poder vender muitas mercadorias. Certo? Se o senhor não vender muitas mercadorias não vai precisar comprar muitas mercadorias. Certo? Se o senhor não comprar muitas mercadorias não vai precisar pagar muitas contas. Certo? Se o senhor não precisar pagar muitas contas, o dinheiro vai sobrar. Certo? O senhor pode até comprar uma casa no Guarujá. Não vai ser bom?
Seu Golias ficou pensando se o Beto estava falando serio ou estava gozando:
-Que é - sei Golias falou - tão me gozando, é?
- Puxa, seu Golias, não estamos gozando não - disse Mariana.
Mas seu Golias não estava gostando da conversa:
- Olha aqui, minha gente, eu estou muito ocupado, não posso perder tempo. O terreno sta comprado, certo? Eu vou fazer o supermercado, certo? E isso vai ser um grande progresso para o bairro, certo?
- Erradíssimo! Disse Mariana. - Supererrado! Ultra-errado! Supermercado tem muitos! O senhor mesmo já tem um. E parque neste bairro, não tem nenhum!
Nesta altura seu Golias reparou eu Davi estava escrevendo na parede uma porção de letras:
Aí seu Golias ficou louco da vida.
- Chega de conversa! Eu tenho mais o que fazer do que ficar dando satisfações a um bando de pirralhos! E esse pequenininho fica rabiscando minhas paredes! Onde é que já se viu?
- Ih, seu Golias - a Mariana falou - já se viu no bairro inteiro. É só o que o Davi faz... Rabiscar a parede em toda parte!
- Pois vá rabiscar a parede no raio que o parta! - gritou seu Golias furioso.
E lá fomos embora, com seu Golias gritando atrás da gente.
E o Davi ia dizendo:
- Minha mãe não quer eu vou neste tal de Raiquioparta!
A gente então resolveu fazer uma reunião p´ra conversar sobre o que é que se podia fazer.
A reunião foi na casa do Calota. A mãe dele chegava tarde em casa, e a gente podia ficar conversando sem ninguém ficar ouvindo. E graças a Deus ele não tinha irmãos mais velhos, que querem mandar na gente, e nem irmãos mais moços que se metem em tudo.
A gente discutiu um bocado antes que alguém tivesse uma idéia boa:
- O seu Golias só pensa em ganhar dinheiro, não é? - disse o Beto. -Então o jeito é atrapalhar tanto os negócios dele que ele fique louco e desista do supermercadão.
- E como é que a gente pode atrapalhar os negócios dele? - disse Mariana.
- Há, isso é fácil - disse Cassiano, que era louco por uma desordem. - Eu vou lá e derrubo as latas, solto umas bobinas, pego os frangos e jogo tudo no chão e ...
- Chega, Cassiano! - gritou Madalena. - Assim a gente não consegue nada. Seu Golias pega a gente pela orelha e aindachama a polícia, chama os Bombeiros, chama o Exército da Salvação e, pior ainda, chama o pai da gente!
A gente tem que atrapalhar os negócios dele de um jeito mais disfarçado... Que as pessoas não percebem que é de propósito.
- Eu sei um jeito bom - disse o Beto. - A gente pega um montão de bala, depois vai na caixa, deixa a moça fazer aquelas contas todas e depois a gente fala que não tem dinheiro pra pagar.
- Essa é boa! - disse Caloca. - E eu posso arrancar os preços das coisas, que fica a maior confusão!
A Madalena também teve uma boa ideia.
- E a gente pode trocar as coisas de lugar. Depois ninguém encontra o que foi procurar...
- Eu posso dar umas voltas e patins lá por dentro? - perguntou o Cassiano, que queria de todo jeito fazer bagunça.
- Um pouco, pode - disse Beto - mas não demais, pra não dar na vista.
- E quando é que nós vamos começar? - quis saber o Caloca.
Beto pensou um pouco:
- Acho que a gente devia começar no sábado, que é o dia que o supermercado fica mais cheio.
E a reunião acabou, que a mãe do Caloca estava chegando e a gente não queria que ela desconfiasse de nada.
No sábado nós esperamos que o supermercado ficasse bem cheio. Então a turma foi entrando e se espalhando lá por dentro.
O Beto juntou um carrinho cheinho de balas, bombons, biscoitos, chocolates e se pôs na fila da caixa pra pagar.
As pessoas passavam e achavam graça:
- Puxa, menino, vai comer tudo isso? Olha a dor de barriga, hein?
- Menino guloso, hein?
- Vai ter festa em casa, neném?
E o Beto, firme.
Aí ele chegou na caia,a moça somou o preço de tudo. Fez uma tira de papel de um metro e comprimento.
Quando acabou de somar, o Beto, muito inocente, disse:
- Ué! tudo isso? Meu dinheiro não dá não. É melhor devolver tudo pro lugar..
A moça ficou vermelhinha de raiva e chamou o gerente:
- Seu Asdrúbal, venha cá, por favor!
Enquanto isso o Cassiano já estava pra lá e pra cá de patins. Não sei como é que ele conseguiu entrar de patins. O gerente já tinha mandado um empregado atrás dele, mas ele se escondia atrás das pilha de latas, se enfiava entre as filas de mercadorias, e o coitado do empregado não conseguia descobrir aonde ele ia.
Ao mesmo tempo Mariana, Gabriela e Madalena estavam trocando tudo de lugar. Já tinha frango no lugar dos ovos, ovos no lugar do café e café no lugar do desodorante. Tinha cebola no meio dos sabões, tinha queijo no meio dos feijões e tinha cadernos no meio da farinha de trigo.
O gerente corria de um lado pro outro.e no meio da confusão o Caloca começou a trocar as compras dos carrinhos, enquanto os compradores estavam distraídos.
E era m tal das pessoas chegarem à caixa e começarem a reclamar que não tinham comprado nada daquilo, o que é que estava acontecendo, meu Deus?
O Davi só o que fazia era rabiscar as paredes do supermercado do mesmo jeito que ele fazia na rua. Uma porção de letras, eu não queriam dizer nada, as, bês, cês e até erres, todas ao contrário, assim:
Quando seu Golias ouviu o barulho, lá do escritório, veio ver o que é que havia e ficou furioso, porque ele logo reconheceu a turma e percebeu que era tudo molecagem.
Então começou a gritar, que ia chamar a polícia, e coisa e tal, e nós, quando vimos a coisa malparada, tratamos de dar o fora. E saímos correndo pelo beco da padaria e só fomos parar na outra rua, longe da vista do seu Golias.
A gente pensou que ia ficar por isso mesmo, mas quando chegamos em casa cada pai e mãe estava com uma cara de meter medo. Seu Golias foi dar queixa de todos na casa de um por um.
Não sei qual dos pais qual das mães estava brava.
O Caloca eram mais feliz que a gente, que a mãe ele é separada do pai, e o pai Del mora no Rio Grande do Sul e só tinha um pra brigar com ele.
Mas foi um tal de palmada pra cá, castigo pra lá, o-senhor-não-vai-ver-televisão-o-mês-inteiro-o-senhor-não
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