quinta-feira, 15 de julho de 2010

Historinhas malcriadas



Historinhas malcriadas

O dia em que eu mordi Jesus Cristo
Eu estava numa escola onde não tinha aula de religião.
E todos os meus amigos já tinham feito a primeira comunhão, menos eu.
Então me deu uma vontade danada de fazer primeira comunhão. Eu nem sabia direito o que era isso, mas falei pra minha mãe e pro meu pai e eles acharam que até podia ser bom, que eu andava muito lavada e coisa e tal, e me arranjaram uma tal de aula de catecismo, que era na igreja.
Aí eu não gostei muito, que todo sábado de manhã, enquanto meus amigos ficavam brincando na rua, eu tinha que ir na tal aula. Eu ia, né, e aí eu arranjei uns amigos e tinha uma menina boazinha que vinha me buscar que ela também ia na aula e a gente ia pra igreja rindo de tudo que a gente via.
E na aula a gente aprendia uma porção de coisas, e tinha uma que eu achava engraçada e que era uma rezinha bem curtinha, que se chamava jaculatória. Eu achava esse nome meio feio, sei lá, me lembrava alguma coisa esquisita...
E o padre uma vez mostrou pra gente um livrão, que tinha uma figura com o inferno e uma porção de gente se danando lá dentro.
E a gente tinha que aprender a rezar a Ave-Maria e o Padre-Nosso e o Creindeuspadre.
E tinha um tal de ato de contrição, e uma tal de ladainha, que a gente morria de rir.
E aí a gente começou a aprender como é que se confessava, que tinha que dizer todos os pecados pro padre e eu perguntava pro padre o que era pecado e ele parece que nem sabia direito.
Quando eu chegava em casa e contava essas coisas, meu pai e minha mãe meio que achavam graça e eu comecei a achar que esse negócio de primeira comunhão era meio engraçado...
E aí o padre começou a explicar pra gente como era a comunhão e que a gente ia comer o corpo de Cristo, que na hora da missa aquela bolachinha chamada hóstia vira o corpo de Cristo.
Eu estava muito animada era com o meu vestido novo, que era branco e era cheio de babados e rendas, e na cabeça eu ia botar um véu, que nem a minha avó na missa, só que o meu era branco e mais parecia uma roupa de noiva.
E eu ganhei um livro de missa lindo, todo de madrepérola, e um terço que eu nem sabia usar, minha mãe disse que antigamente as pessoas rezavam terço, mas que agora não se usava mais...
E o dia da comunhão estava chegando e a minha mãe preparou um lanche, ia ter chocolate e bolo e uma porção de coisas, que a gente ia voltar bem depressa da igreja, que quem ia comungar não ia poder comer antes da missa. E era só eu que ia comungar.
E eu perguntei pra minha mãe por que é que ela nunca comungava e ela disse que um dia desses ela ia.
E eu perguntei por que é que o meu pai nunca ia na igreja e ele disse que um dia desses ele ia.
E aí chegou a véspera da minha comunhão e eu tive de ir confessar. E eu morri de medo de errar o tal ato de contrição e na hora que eu fui confessar mandaram eu ficar de um lado do confessionário, que é uma casinha com uma janelinha de grade de cada lado e um lugar de cada lado para ajoelhar, e o padre fica lá dentro.
Eu ajoelhei onde me mandaram e aí eu ouvia tudo que a menina do outro lado estava dizendo pro padre e era que ela tinha desobedecido a mãe dela e o padre mandou rezar vinte Ave-Marias.
Eu fiquei meio que achando que era pecado ouvir os pecados dos outros, mas como ninguém tinha falado nada pra mim eu fiquei quieta, e quando o padre veio pro meu lado eu fui logo falando o ato de contrição: eu pecador me confesso e o resto que vem depois.
E eu contei os meus pecados, que pra falar a verdade eu nem achava que eram pecados, mas foi assim que me ensinaram. E aí o padre disse uma coisa que eu não entendi e eu perguntei “o quê” e o padre disse "vai tirar o cera do ouvido”. E eu disse “posso ir embora?” e ele disse “vai, vai logo e reze vinte Ave-Marias”. E eu achei que ele nem tinha escutado o que eu disse e que ele que precisava tirar a cera do ouvido.
No dia seguinte eu botei o meu vestido branco e eu não comi nadinha, nem bebi água, e nem escovei os dentes, de medo de engolir uma aguinha.
E eu estava morrendo de medo, que todo mundo tinha dito que se a gente mordesse a hóstia saía sangue.
A igreja cheirava a lírio, que é um cheiro que até hoje eu acho enjoado.
As meninas e os meninos que iam fazer primeira comunhão ficavam lá na frente, nos primeiros bancos e davam pra gente uma vela pra segurar.
O padre foi rezando uma missa comprida que não acabava mais e às tantas chegou a hora da gente comungar e as meninas foram saindo dos bancos e foram indo lá pra frente e ajoelhando num degrau que tem perto de uma grade.
E o padre veio vindo com uma taça dourada na mão e ele tirava a hóstia lá de dentro e ia dando uma por uma para cada menina e menino.
Aí chegou a minha vez e abri bem a boca e fechei os olhos que nem eu vi as outras crianças fazerem e o padre botou a hóstia na minha língua. Eu não sabia o que fazer, que morder não podia e a minha boca estava sequinha e a hóstia grudou no céu da boca eu empurrava com a língua e não desgrudava e enquanto isso eu tinha que levantar e voltar pro meu lugar que já tinha gente atrás de mim querendo ajoelhar.
E eu nem aprestei atenção e tropecei no vestido da Carminha e levei o maior tombo da minha vida.
É claro que eu fiquei morrendo de vergonha e eu levantei e nem prestei atenção se eu tinha machucado o joelho. O que estava me preocupando mesmo é que eu tinha dado a maior mordida na hóstia.
Eu estava sentindo tudo que é gosto na boca, que devia de estar saindo sangue da hóstia, mas não tinha coragem de pegar pra olhar.
Aí eu pensei assim: “se eu não olhar se saiu sangue agora, nunca mais na minha vida eu vou saber se é verdade essa história”.
Aí eu meti o dedo na boca e tirei um pedaço da hóstia, meio amassado, meio molhado. E estava branquinho que nem tinha entrado.
E foi assim que eu aprendi que quando as pessoas falam pra gente coisas que parecem besteira não é pra acreditar, que tem muita gente besta neste mundo!





Apanhei assim mesmo...



Precisa de ver como o meu pai é bravo!

Ele nem pergunta muito...

Qualquer coisa e a gente já leva uns safanões.

Mas minha madrinha sempre dá um jeito de me livrar das encrencas que eu apronto.

E quando eu apronto, eu apronto, mesmo!

Neste dia que eu estou contando foi assim.

Apareceu na minha casa um cara, que era meio parente do meu pai.

E quando ele foi embora eu descobri que ele tinha esquecido um maço de cigarros inteirinho.

Eu nunca na minha vida tinha fumado.

Todos os meninos da minha classe já tinha fumado e eles viviam gozando da minha cara por isso.

Eu queria fumar, nem que fosse pra dizer pros outros.

Então eu roubei o maço, quer dizer, roubei não, que achado não é roubado. Eu achei!



Arranjei uma caixa de fósforo na cozinha, escondi o maço e fui pro fundo do quintal.

Subi no muro, que eu gostava muito de ficar encarapitado no muro.

Então eu peguei o maço de cigarros e comecei a fumar.

Pra falar a verdade eu achei uma droga! Mas eu já sabia que no começo a gente acha uma porcaria. A gente tem que insistir, até acostumar. Não é fácil não!

Eu fui fumando, fumando, fui tossindo, tossindo, até que eu comecei a enjoar.



Mas eu não parei, que ser homem não é mole!

Eu ia acendendo um cigarro atrás do outro. Cada vez que um cigarro ia acabando eu acendia outro, que nem meu pai faz.

Aí eu não vi mais nada!

Depois me contaram que eu caí do muro, do outro lado, na casa de dona Esmeralda.

Quando dona Esmeralda me viu caído no meio do quintal, com uma porção de cigarros espalhados em volta de mim, viu logo o que tinha acontecido. E pensou que se chamasse meu pai eu ia entrar na maior surra da minha vida.

Então ela chamou minha madrinha que, como eu já disse, costumava me livrar das minhas trapalhadas.

Minha madrinha veio correndo.

Então ela e dona Esmeralda me levaram pra dentro, passaram água fria na minha cara, até que eu acordei. E eu vomitei uns quinze minutos.

Minha madrinha estava muito assustada, que ela disse que eu estava cheirando cigarro puro, e que o meu pai ia me matar de pancada se eu voltasse pra casa daquele jeito.



Então ela fez eu lavar a boca, foi até lá em casa buscar a minha escova de dentes...

Mas não adiantava nada...

Então dona Esmeralda veio lá de dentro com um copo de pinga. Ela disse que a melhor coisa pra tirar cheiro de cigarro é pinga.

E me fez lavar a boca com pinga, até que ela achou que eu não estava mais cheirando cigarro...



Aí eu e minha madrinha voltamos pra casa.

A gente entrou de mansinho pra não chamar a atenção do meu pai.

Ele estava sentado no sofá, vendo televisão.

Eu passei por trás dele e fui indo pro meu quarto, bem devagar...

Meu pai nem olhou pra trás.

- Tuca, - meu pai chamou – vem cá.

Precisa de ver que surra que eu levei! Meu pai achou que eu tinha tomado pinga!





Bom pra tosse

A mãe do Alvinho andava meio zangada, que o Alvinho estava muito vagabundo, não estudava nada de nada, só queria ouvir música e comer sucrilho. E ele repetiu de ano por causa de uma tal de equacão de 1° grau.

Então a mãe dele foi lá na escola e ficou um tempão conversando com a psicóloga.

O Alvinho ficou esperando na sala de espera e só ouvia dona Branca dizer:

- Paciência? Estou cansada de ter paciência...



E a psicóloga falava baixinho que ele não ouvia nada.

Aí dona Branca saiu e catou o Alvinho pelo braço e foi até em casa resmungando, que essas psicólogas não têm o que fazer e só querem que as mães tenham paciência e que ela já estava cansada de aturar essas crianças, e que o Alvinho tinha repetido o ano porque era muito sem vergonha e vagabundo e etc. e tal.

E que a psicóloga quando tivesse os filhos delas ia ver o que é bom pra tosse...

E que o Alvinho de agora em diante ia entrar num cortado: pra começo de conversa ele ia trabalhar, pra ver como é duro ganhar dinheiro, que o pai dele estava ficando velho de tanto trabalhar e que ela também; e que ela ia arranjar um emprego pra botar ele no batente...



E ela arranjou mesmo. Um emprego de entregador do supermercado.

O Alvinho, que remédio! foi trabalhar.

Nos primeiros dias a família inteira queria saber o que ele estava achando.

A mãe perguntava:

- Como é que foi, Alvinho?

E o Alvinho respondia:

- Bem, ué...

O pai perguntava:

- Então, meu filho, o que é que você está achando? Dureza não é?

O Alvinho respondia:

- É ééé...

Mas ninguém conseguia que ele falasse muito.



Todo mundo achava que ele estava arrependido da vagabundagem que ele tinha feito o ano todo.

Dona Branca dizia em segredo pras amigas:

- Desta vez o Alvinho conserta!

Vocês vão ver!

Até que chegou a hora de fazer matrícula do Alvinho no colégio.

Um dia dona Branca chamou o filho:

- Olha aqui, Alvinho, amanhã você não vai trabalhar. É preciso avisar seu chefe. Nós vamos ao colégio fazer sua matrícula.

Alvinho olhou espantado para a mãe:

- Matrícula? Que matrícula? Eu não vou mais pra escola, não!

- Que é isso, meu filho? Como não vai pra escola?

- Pois é, resolvi – disse o Alvinho – estou achando ótimo esse negócio de trabalhar. Eu fico o dia inteiro na rua, cada vez que eu vou fazer uma entrega eu vou pra um lugar diferente... conheço uma porção de gente nova, ganho um bom dinheirinho, me encho de sorvete e de chocolate o dia inteiro, não me amolo com lição disso, lição daquilo, não tenho mais que me incomodar com equação de 1° grau, estou achando ótimo...



Dona Branca passou o dia inteiro no colégio conversando com a psicóloga.

O Alvinho ficou na sala de espera esperando.

E só ouvia dona Branca dizer:

- Paciência? Estou cansada de ter paciência...




O dia em que meu primo quebrou a cabeça do meu pai


Vocês precisavam conhecer meu primo, puxa vida!

Que chato que ele é!

Ele é tão certinho, mas tão certinho, que eu tenho sempre vontade de chutar a canela dele...

E nem isso eu posso, que ele é maior do que eu e é faixa marrom de caratê.

E joga futebol...

Ele é goleiro, e tem luva de goleiro e camisa de goleiro e uma joelheira de verdade que o Juju falou que é cotoveleira de gente grande e que criança usa de joelheira.



E na escola? Primeiro da classe perde. Ele sabe tudo! Só tira 10. Nunca vai pra fora de classe, nunca tem anotação na caderneta.

E quando ele vai na minha casa, puxa vida!

Meu pai fica dizendo “Olha a caderneta do Armandinho. Só tem 10...”

E a minha mãe fala “Olha como o Armandinho se comporta direitinho e cumprimenta todo mundo, não é como você que entra que nem furacão, sem falar com ninguém...”

E as canetas do Armandinho não estouram e não sujam a mão dele toda de tinta, os cadernos dele não enrolam nos cantos que nem os meus e os lápis de cor dele gastam todos iguaizinhos, não ficam que nem os meus que logo acaba o vermelho e o azul.

É por isso que eu não posso nem ouvir falar de Armandinho... e é por isso que quando aconteceu o que eu vou contar eu fiquei bem me divertindo...

Nesse dia o Armandinho já tinha enchido as minhas medidas. Vocês não vão acreditar, mas o Armandinho trouxe flores pra minha vó. Pode?

E ele veio com uma roupa que eu acho que a minha mãe e a dele compraram no mesmo dia e que era um horror e que eu disse pra minha mãe que eu não ia vestir nem que fosse amarrado.



E minha mãe e minha vó só faltaram babar quando viram o Armandinho com aquela roupa de palhaço.

E na hora do almoço tinha fígado e o engraçadinho gostava de fígado!

E ele tinha ganho um prêmio na escola e tocou piano pra minha mãe ver e tinha entrado na aula de natação.

Quando ele começou a contar que ia à Disneylândia nas férias e que ele tinha ganho um aparelho de video-cassete eu até levantei da mesa e disse que ia vomitar.

E fui pro meu quarto e me tranquei lá em cima e fingi que não ouvia quando minha mãe me chamou.

Mas depois de um tempo eu comecei a ouvir um berreiro, minha mãe falava sem parar e fui descendo a escada devagar e eu ouvi minha avó dizer pra minha mãe:

- Foi o Armandinho... ele quebrou a cabeça do Pacheco...

Eu podia perceber que a minha vó estava muito sem jeito. Pudera! Pacheco era meu pai. Se o Armandinho tinha quebrado a cabeça do meu pai...

Eu não sabia ao que fazer e eu só ouvia o Amandinho

chorando feito um bezerro desmamado.

Aí eu fiquei preocupado, que eu nem sabia que o meu pai estava em casa e eu não ouvia a voz dele...

“Será que meu pai morreu?” eu pensei, e fiquei aflitíssimo com essa idéia.

E aí eu cheguei na sala e estava aquela zona!

O Armandinho chorando, no colo da minha vó.

Minha mãe abaixada junto ao piano catando uma coisa que eu não sabia o que era.

E eu já entrei gritando:

- Cadê meu pai? Meu pai morreu?

Minha mãe ficou muito assustada e correu pra mim:

- Seu pai morreu? Que é que você está dizendo?

E eu então percebi o que tinha acontecido e comecei a rir que não parava mais.

Cheguei a sentar no chão de tanto rir.

É que o Armandinho tinha quebrado a cabeça do meu pai, sim. Mas não era a cabeça dele mesmo. Era a cabeça de gesso que tinha em cima do piano e que era de um tal de Beethoven...






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