quinta-feira, 15 de julho de 2010

O que os olhos não veem






Havia uma vez um rei

num reino muito distante,

que vivia em seu palácio

com toda a corte reinante.

Reinar pra ele era fácil,

ele gostava bastante.




Mas um dia, coisa estranha!

Como foi que aconteceu?

Com tristeza do seu povo

nosso rei adoeceu.

De uma doença esquisita,

toda gente, muito aflita,

de repente percebeu...




Pessoas grandes e fortes

o rei enxergava bem.

Mas se fossem pequeninas,

e se falassem baixinho,

o rei não via ninguém.



Por isso, seus funcionários

tinham de ser escolhidos

entre os grandes e falantes,

sempre muito bem nutridos.


Que tivessem muita força,

e que fossem bem nascidos.

E assim, quem fosse pequeno,

da voz fraca, mal vestido,

não conseguia ser visto.

E nunca, nunca era ouvido.




O rei não fazia nada

contra tal situação;
pois nem mesmo acreditava

nessa modificação.


E se não via os pequenos

e sua voz não escutava,

por mais que eles reclamassem

o rei nem mesmo notava.




E o pior é que a doença

num instante se espalhou.

Quem vivia junto ao rei

logo a doença pegou.

E os ministros e os soldados,

funcionários e agregados,

toda essa gente cegou.




De uma cegueira terrível,

que até parecia incrível

de um vivente acreditar,

que os mesmos olhos que viam

pessoas grandes e fortes,

as pessoas pequeninas

não podiam enxergar.




E se, no meio do povo,

nascia algum grandalhão,

era logo convidado

para ser o assistente

de algum grande figurão.

Ou senão, pra ter patente

de tenente ou capitão.

E logo que ele chegava,

no palácio se instalava;

e a doença, bem depressa,

no tal grandalhão pegava.



Todas aquelas pessoas,

com quem ele convivia,

que ele tão bem enxergava,

cuja voz tão bem ouvia,

como num encantamento,

ele agora não tomava

o menor conhecimento...





Seria até engraçado

se não fosse muito triste;

como tanta coisa estranha

que por esse mundo existe.




E o povo foi desprezado,

pouco a pouco, lentamente.

Enquanto que próprio rei

vivia muito contente;

pois o que os olhos não vêem,

nosso coração não sente.





E o povo foi percebendo

que estava sendo esquecido;

que trabalhava bastante,

mas que nunca era atendido;

que por mais que se esforçasse

não era reconhecido.




Cada pessoa do povo

foi chegando á convicção,

que eles mesmos é que tinham

que encontrar a solução

pra terminar a tragédia.

Pois quem monta na garupa

não pega nunca na rédea!




Eles então se juntaram,

Discutiram, pelejaram,

E chegaram à conclusão

Que, se a voz de um era fraca,

Juntando as vozes de todos

Mais parecia um trovão.


E se todos, tão pequenos,

Fizessem pernas de pau,

Então ficariam grandes,

E no palácio real

Seriam logo avistados,
Ouviriam os seus brados,

Seria como um sinal.




E todos juntos, unidos,

fazendo muito alarido

seguiram pra capital.

Agora, todos bem altos

nas suas pernas de pau.


Enquanto isso, nosso rei

continuava contente.

Pois o que os olhos não vêem

nosso coração não sente...




Mas de repente, que coisa!

Que ruído tão possante!

Uma voz tão alta assim

só pode ser um gigante!

- Vamos olhar na muralha.

- Ai, São Sinfrônio, me valha

neste momento terrível!


Que coisa tão grande é esta

que parece uma floresta?

Mas que multidão incrível!



E os barões e os cavaleiros,

ministros e camareiros,

damas, valetes e o rei

tremiam como geléia,

daquela grande assembléia,

como eu nunca imaginei!





E os grandões, antes tão fortes,

que pareciam suportes

da própria casa real;

agora tinham xiliques

e cheios de tremeliques

fugiam da capital.




O povo estava espantado

pois nunca tinha pensado

em causar tal confusão,

só queriam ser ouvidos,

ser vistos e recebidos

sem maior complicação.





E agora os nobres fugiam,

apavorados corriam

de medo daquela gente.

E o rei corria na frente,

dizendo que desistia

de seus poderes reais.

Se governar era aquilo

ele não queria mais!




Eu vou parar por aqui

a história a que estou contando.

O que se seguiu depois

cada um vá inventando.

Se apareceu novo rei

ou se o povo está mandando,

na verdade não faz mal.


Que todos naquele reino

guardam muito bem guardadas

as suas pernas de pau.



Pois temem que seu governo

possa cegar de repente.

E eles sabem muito bem

que quando os olhos não vêem

nosso coração não sente.





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