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quinta-feira, 15 de julho de 2010
Luís da Câmara Cascudo
"Queria saber a história de todas as cousas do campo e da cidade. Convivência dos humildes, sábios, analfabetos, sabedores dos segredos do Mar das Estrelas, dos morros silenciosos. Assombrações. Mistérios. Jamais abandonei o caminho que leva ao encantamento do passado. Pesquisas. Indagações. Confidências que hoje não têm preço."
Em entrevista ao jornal "A Província", Luís da Câmara Cascudo recriou a atmosfera da sua meninice, revelando os interesses que desde então o levariam a se tomar dos mais respeitáveis pesquisadores do folclore e da etnografia de nosso país.
Filho de um coronel e de uma dona de casa, de família abastada, Luís da Câmara Cascudo estudou no Externato Coração de Jesus, um colégio feminino dirigido por religiosas. Teve professores particulares e depois, por vontade do pai, transferiu-se para o Colégio Santo Antonio.
Durante a adolescência, teve fama de namorador, mas acabou apaixonando-se por uma moça de dezesseis anos, Dália, com quem se casou em 1929. Tiveram dois filhos, Fernando Luís e Ana Maria Cascudo.
Câmara Cascudo exerceu várias funções públicas, entre as quais professor, diretor de escola, secretário do Tribunal de Justiça e consultor jurídico do Estado. Como jornalista, assinou uma crônica diária no jornal "A República" e colaborou para vários outros órgãos de imprensa do Recife e de outras capitais.
Na política, foi divulgador da ideologia integralista (uma adaptação brasileira do fascismo), exercendo militância na imprensa. Em 1951 tornou-se professor de direito internacional público na Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Três anos mais tarde, lançou a sua obra mais importante como folclorista, o "Dicionário do Folclore Brasileiro", obra de referência no mundo inteiro. No campo da etnografia, publicou vários livros importantes como "Rede de Dormir", em 1959, "História da Alimentação no Brasil", em 1967, e "Nomes da Terra", em 1968. Publicou depois, entre outros, "Geografia dos Mitos Brasileiros", com o qual recebeu o prêmio João Ribeiro da Academia Brasileira de Letras.
Em 1965, Câmara Cascudo escreveu uma obra definitiva, "História do Rio Grande do Norte", coligindo pesquisa sobre sua terra natal, da qual jamais se desligou. Sua obra completa, densa e vastíssima, engloba mais de 150 volumes. O pesquisador trabalhou até seus últimos anos e foi agraciado com dezenas de honrarias e prêmios. Morreu aos 87 anos.
Uma obra fundamental para conhecer o folclore brasileiro
Oscar D'Ambrosio*
Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação
"O Brasil não tem problemas, só soluções adiadas". Esta frase mostra bem o universo mental do historiador, antropólogo, advogado e jornalista potiguar Luís da Câmara Cascudo (1898-1996). Autor de aproximadamente 190 livros, plaquetes e traduções, possui uma obra ampla e fundamental para mergulhar no folclore brasileiro.
De sua extensa produção, alguns livros são indispensáveis. O mais conhecido é o "Dicionário do Folclore Brasileiro". Lançado em 1954, após uma década de pesquisa, contou em sua elaboração com uma equipe informal de amigos do autor por todo o Brasil. Embora peque nas referências bibliográficas exatas ou acadêmicas, conquista pela quantidade e qualidade das informações.
Outra referência obrigatória é "História da Alimentação no Brasil". Publicado em 1967, teve o patrocínio do jornalista Assis Chateaubriand, responsável pelo financiamento das viagens de Cascudo a África, continente onde o autor estudou as raízes de uma parte fundamental da culinária brasileira.
Gestos e charutos
As outras duas obras são de 1973. "Civilização e Cultura" focaliza a etnografia, definindo, por exemplo, vocábulos essenciais em pesquisas nas áreas de sistemas de ideias, conhecimentos teóricos e organização social, religiosa e estética. Fica evidente aqui o amor do autor pelas línguas grega e latina numa busca constante pela origem das palavras. "O vício da literatura grego-latina vacinou-me contra as ditaduras mentais contemporâneas", comentava.
Outra importante criação é "História dos Nossos Gestos". Trata-se de uma pesquisa diferenciada que conta, com muitas curiosidades e detalhes, a história e a evolução de 333 gestos comuns no país. Cada um deles é visto como um elemento portador de grande quantidade de informação e pleno de sentido cultural.
Amigo de outro grande folclorista, Mario de Andrade, Câmara Cascudo amava seu charuto ("O charuto é quase uma extensão do meu rosto. Este é um dos meus vícios, é vício confessável, exibido. Um bom charuto é um prazer cotidiano, mágica fumaça consoladora") e sua rede ("Meu pai dizia que a rede fazia parte da família. A rede colabora no movimento dos sonhos").
Jornada pessoal e poética
Mergulhava às vezes em silêncios demorados que a esposa definia como "uma viagem de Câmara Cascudo a Câmara Cascudo". Nessa jornada pessoal e poética, tornou-se referência em pesquisa de cultura popular e se aproximou dos ideais da Semana de Arte Moderna de 1922 no sentido de preferir a observação da cultura cotidiana do povo às imitações nacionais do universo europeu.
Foi Mário de Andrade quem, em carta enviada em 1937, instigou o amigo potiguar a abandonar as biografias de personalidades históricas oficiais como Solano López e o Conde D'Eu. Para o autor de "Macunaíma", o intelectual potiguar devia se dedicar a "escritos caídos das bocas e dos hábitos que você foi buscar na casa, no mocambo, no antro, na festança, na plantação, no cais, no boteco do povo".
Cascudo era um observador de detalhes. Sua percepção do cotidiano do povo brasileiro o tornou uma referência não só do folclore no sentido de ter a sensibilidade de valorizar as lendas populares, mas principalmente de considerar as cantorias e danças brasileiras como expressões de um saber legítimo e fascinante.
Um professor
Filho do coronel Francisco Cascudo, que fora inicialmente caçador de cangaceiros e, mais tarde, dono, em Natal, RN, do jornal "A Imprensa", Luís tem um papel fundamental na cultura brasileira na preservação de contos e histórias que recolhe e transcreve a partir de relatos orais. É o que se vê em obras como "A Literatura Oral no Brasil", "Contos Tradicionais do Brasil" e "Lendas Brasileiras".
Mesmo fora do eixo Rio-São Paulo, Câmara Cascudo ganhou um espaço ímpar na cultura brasileira. Lecionou na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), que hoje tem um Instituto de Antropologia que leva o seu nome. Embora fosse chamado de folclorista, não gostava dessa denominação. "Faço questão de ser tratado por esse vocábulo que tanto amei: professor. Até hoje minha casa é cheia de rapazes me perguntando, me consultando", dizia.
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