sexta-feira, 13 de agosto de 2010

LONGEVIDADE


  As crianças de Antônio Carlos nascem abençoadas. A expressão nos rostinhos lindos e alegres é de quem parece saber que o futuro reserva quase um século de muitas aventuras. Elas são descendentes de uma geração que vive mais tempo que a maioria dos brasileiros. Gente como Bonifácio, Mônica, Ervino, Nair, Verônica. Pessoas surpreendentes, com tantas histórias e hábitos diferentes que é impossível não ficar encantado. Em comum, a sorte de viver muito e bem, com saúde e lucidez. Os segredos da vida longa dos moradores de Antônio Carlos estão guardados entre belos vales e montanhas. A natureza exuberante é praticamente a mesma da época em que chegaram os primeiros imigrantes alemães, em 1830. Assim como a paisagem, muitos hábitos daquele tempo não desapareceram.
O cultivo é um deles. A maioria dos 7,3 mil habitantes nasceu e cresce na roça. São agricultores que vivem em pequenas propriedades, distantes apenas 50 quilômetros do mar, nunca se deixaram seduzir. Eles querem é terra. Juntos, fazem do município o maior produtor de verduras de Santa Catarina.
Seu Bonifácio repete o gesto do pai, do avô e do bisavô: ao lado do filho e dos netos, semeia a lavoura. Dona Natália Prim, 79 anos, só há pouco tempo largou a roça, mas cuida da horta. "Tem couve, repolho, milho, temperos e ervas", conta.
Trabalho e alimentação saudável sempre fizeram parte da vida deles. E deu certo! Ele tem 84 anos e ela, 79. Estão juntos a 60 e tiveram 17 filhos. Todos os dias, acordam às 5h. Rotina que parece difícil aos nossos olhos. Mas o resultado de tanta luta é um luxo. Um privilégio para poucos: tempo de sobra para contemplar a paisagem e comida sempre fresquinha no fogão a lenha. E dona Natália diz que ainda quer viver cem anos.
A especialista Angela Alvarez, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), diz que um dos principais segredos é exatamente esse: ter esperança e projetos. "O trabalho do homem rural persiste porque ele continua cuidando da terra, plantando, contemplando as sementes germinarem, as plantas crescerem. Isso faz com que ele tenha uma perspectiva de viver mais porque tem uma tarefa a cumprir", explica.
Uma vez por semana, nos encontros da terceira idade, eles dançam, jogam e tomam café da tarde. Dona Mônica Junckes não perde um encontro. Isso porque, aos 68 anos, quase não tem tempo para nada. Na casa onde mora, ela tem muito o que fazer. "Porque acabou uma coisinha e já tem outra coisa para fazer. E, no final, isso é bom", diz.
Da avó, aprendeu a fazer biscoitos. Filhas, amigas e até a neta são chamadas para colocar a mão na massa. Também adora bordar. Aos pés, fitas e linhas coloridas e a netinha Aline. Ela ainda não tem um ano, mas já participa de uma rotina repetida por várias gerações há mais de cem anos.
Viúva há 12 anos, dona Mônica perdeu um dos sete filhos. Ela acredita que um dos segredos para quem quer viver muito é aprender a superar dores e tristezas. "Eu sou feliz porque Deus me deu força para isso, e me deu força para aceitar aquilo que veio para mim. Isso é importante na vida", comenta.
Dona Nair, 84 anos, perdeu o marido há sete meses e tem o mesmo sentimento. Mora sozinha. O trabalho em casa é puxado e, mesmo assim, ainda tem disposição para sair pelas ruas pedalando como se fosse uma menina.
Talvez seja por isso também que os moradores de Antônio Carlos vivam tanto. A expectativa de vida passa dos 77 anos. É a segunda cidade do país em longevidade.
"Santa Catarina reúne uma série de qualidades. Tem a menor desigualdade do Brasil e um acúmulo de bem-estar que vem desde a época da colonização. A terra foi mais bem dividida naquele estado. As pessoas ali não só têm acesso a tudo aquilo que faz diferença para viver muito tempo como também mantêm isso ao longo de sua história", avalia o coordenador da pesquisa da ONU, José Carlos Libânio.
Antônio Carlos fica a 18 metros do nível do mar. Mas nas montanhas a altitude é de 820 metros. Em muitas delas, há igrejas construídas há mais de cem anos. Um povo que preserva e canta a sua fé.
Quem passa pela frente da casa de Verônica Guesser Pauli sempre ouve sua música e seu canto. Ela foi a primeira professora a ensinar português. Na localidade só se falava alemão. Aos 92 anos, ela tem uma memória... Sabe dia, mês e ano de tudo! "Isso é coisa que está fixada e a gente não esquece", diz dona Verônica. Ela desenhou a cidade onde mora tal qual como era entre 1934 e 1935.
O trabalho intelectual de dona Verônica não pára. Ela lê em alemão e reza todos os dias. A professora diz que o segredo é "a mão de Deus". "É por causa de Deus que a gente vive", conclui.
Passeio? Que nada! É trabalho. Seu Ervino Richartz, 75 anos, nasceu e cresceu em uma casa nas terras que sempre foram da família Richartz. Seu Ervino escolheu vender leite para ganhar a vida. Todos os dias, inclusive sábados e domingos, ele acorda às 4h30min para tirar leite. Uma rotina que já dura 35 anos. E o que impressiona não é a persistência, nem a dificuldade da tarefa. Porque seu Ervino já tem 75 anos e não precisa mais disso para se sustentar. "É útil e eu gosto disso. É o meu trabalho", justifica.
Depois de tirar o leite, seu Ervino faz a entrega de bicicleta. Com sol ou com chuva, lá vai ele. "Dá uns 15 quilômetros todo dia", calcula.
Tem fôlego de dar inveja. E quando volta, nada de descanso. Mói o pasto e alimenta as vacas. Miné, como é carinhosamente chamado, mora em uma casa confortável, com carro na garagem, junto com a filha mais nova e com a mulher, Renila Richartz, 67 anos.
"A gente já pediu para ele descansar, mas ele diz que não pode", conta ela. Dona Renila acha que o trabalho é importante para o marido. "Parece que é saúde para ele", comenta.
Saúde que ele tinha quando criança, quando jovem e que tem agora. A mesma dos meninos e meninas que começam um novo tempo em Antônio Carlos.

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